Carlos Fontes

Cristovão Colombo, português ?

.

Início . Anterior . Próximo

 
As Provas do Colombo Português   
   
 

10. Segredos de Estado

As noticias mais antigas de Colombo em Lisboa datam de 1474. Ele aparece não apenas ao serviço do rei, mas também integrado num grupo muito restrito de nobres que tinha acesso aos segredos de Estado e às expedições marítimas.  

a )  Arquivos Reais 

Durante pelo menos 14 anos, Colombo teve acesso aos arquivos dos reis de Portugal, onde pode ler a correspondência trocada com cosmógrafos, estudar mapas encomendados no estrangeiro, ler livros como o de Marco Polo, observar indícios de terras a Ocidente. Pode transcrever livremente os documentos, copiar mapas, discutir todas as questões da exploração marítima com navegadores, cosmógrafos, mantendo com o próprio rei D. João II longas conversas durante 14 anos !. Nada lhe foi escondido, tudo lhe foi facilitado.

1. Mapas

A cartografia em Portugal desenvolveu-se com a expansão marítima, ficando também a dever-se à iniciativa do Infante D. Henrique. As referências históricas são abundantes sobre esta cartografia henriquina:

O Infante, por exemplo, por volta de 1420, mandou vir para Portugal o cartógrafo Jaime, oriundo da ilha de Maiorca, qual segundo João de Barros, também trabalhou na construção de instrumentos nauticos.

A presença de muitos nomes em português na célebre "Carta Nautica de 1424", da suposta autoria de Zuanne Pizzigano (nome rasurado no original), aponta para que tenha sido feita com base num protótipo português (21).

D. Duarte, na súplica dirigida ao papa Eugénio VI, em 1436, escreve sobre as Canárias: "as ditas ilhas muito próximas de África, de que na verdade formam parte, como pode ver-se pelas cartas geográficas (cosmographia) e os roteiros maritimos (marítimas perscriptiones)", confirmando desta forma a existência de cartas e roteiros portugueses das ilhas Canárias.

D. Afonso V, numa carta datada de 22/10/1443, referindo-se à ultrapassagem do Cabo do Bojador (1434), afirma que o Infante mandou fazer das terras descobertas e da rota seguida "carta de marear".  

O Infante procurou igualmente reunir uma vasta colecção de mapas e livros, para apoiarem as expedições marítimas.

Em Portugal, como é sabido, por volta de 1454, começam a definirem-se duas estratégias sobre o modo de atingir a India:

- Uma defende que se navegue ao longo das costa africana, até atingir o mar da India.

- A outra defende que se avance para ocidente até à India.

É neste sentido, que o Infante D. Henrique faz várias consultas a cosmógrafos e lhes encomenda mapas, sobre estas duas opções. Sobre a primeira estratégia foi consultado, entre outros, o cosmógrafo Fra Mauro. Em relação à segunda foi consultado, entre outros, o cosmógrafo Toscanelli.

.

2. Fra Mauro (1385-1460)

O Infante D. Henrique ou D. Afonso V, contactaram cartografo veneziano Fra Mauro, em 1456, para o inquirirem sobre a possibilidade de se atingir a India (Ásia) contornando África, tendo-lhe sido encomendado na altura um mapa-mundo (14).

O objectivo de Portugal era obter o máximo de informação em existente em Itália que pudesse auxiliar as explorações maritimas (6).O Infante terá sido avisado da chegada a Veneza de Nicolò di Conti (1385-1469), após uma longa viagem pela Ásia (1414-1439), cujo relato foi escrito por Poggio Bracciolini em 1448.

informação

O mapa-mundo começou a ser feito em 1457, sendo concluído dois anos depois. Nele trabalharam para além de Fra Mauro, o cartografo Andrea Bianco e o iluminador Francesco de Cherso.

O mapa-mundo veio para Portugal, sendo provavelmente o mesmo que Jerónimo Munzer, em 1494, encontrou exposto no Paço da Alcáçova, no castelo de S. Jorge em Lisboa (15). O mapa original, o que veio para Portugal, desapareceu como aconteceu a milhares de mapas e roteiros aqui existentes em Portugal. Dele resta apenas uma cópia, datada de 20/10/1459, que se conserva em Veneza na Biblioteca Nazionale Marciana.

Colombo terá certamente tido acesso a esta informação existente nos arquivos reais de Lisboa.

Mapa Mundo realizado por Fra Muarus e o seu assistente Andrea Bianco, com o apoio de uma equipa de portugueses. 1459. O mapa foi encomendado pelo Infante D. Henrique.

3. Paolo dal Pozzo Toscanelli (1397-1482)

A posição contrária a Fra Mauro, para atingir a India (Ásia) era assumida por cosmógrafo florentino Toscanelli. Foi nesse sentido que o Infante D. Henrique o consultou em 1459.

Um dos seus amigo foi o cardeal D. Jaime de Portugal, filho do infante D. Pedro assassinado na batalha de Alfarrobeira (1449). Foi talvez por seu intermédio que em em Julho de 1459, o Infante D. Henrique ou D. Afonso V o consultaram para saberem a sua opinião sobre o caminho maritimo para a India navegando para Ocidente. 

"Sabe-se, pelo diário de Francesco Castellani, igualmente forentino, que naquela data, Toscanelli mandou pedir-lhe o seu "mappa mundo grande storiato e compiusto di tucto" (5 ) para mostrar a enviados do Infante D. Henrique.

Nestes contactos, logo em 1459, teve uma relevante função o cónego da Sé  de Lisboa - Fernando Martins (de Rariz) ( 2), que então fazia parte do séquito do cardeal D. Jaime. Era amigo de Paulo Toscanelli, tendo ambos depois estado ao serviço do cardeal Nicolau de Cusa

Em 1474, quando o então principe e futuro rei D. João II, assumiu o encargo dos descobrimentos, Fernando Martins serviu de novo como intermediário, nas conversações entre a corte portuguesa e Toscanelli. Este escreveu então ao cónego de Lisboa uma célebre carta, acompanhada por um mapa.

O mapa de Toscanelli enviado para Portugal perdeu-se, mas terá sido copiado por Colombo, assim como a sua correspondência com o cónego de Lisboa.

Existe uma cópia desta carta que se conserva na Biblioteca Colombina da Catedral de Sevilha, junto com um exemplar da Historia Rerum , de Eneas Silvio Piccolomini, que pertenceram a Colombo (19).

A carta de Paolo Toscanelli calculava que a distância entre Lisboa e Quinsay, na China, em linha reta seria  5.194 milhas (9.000 km, na realidade são 20.000 km). A Antilha, que ficava no caminho para Cipango (Japão), estaria apenas a 2.500 milhas (3.700 km). Mais

Martin Behaim, como vimos, também viu este mapa em Lisboa e usou desta informação para construir o seu globo terrestre. Embora a correspondência não seja completa.

3.1. Uma fraude ?

A correspondência do cónego de Lisboa com Toscanelli, de uma forma que desconhecemos, foi parar às mãos de Colombo, que se serviu do mapa e dos cálculos do florentino para convencer os reis espanhóis (18).

O intermediário nestes contactos, segundo Hernando e Las Casas, teria sido o florentino Lourenço de Barardi, que se fixou em Lisboa antes de Agosto de 1450. Trata-se de mais uma aldrabice de forma a incluir nesta correspondência mais um italiano (16).

Hernando Colon, no Cap. VIII, publica três cartas de Toscanelli: duas dirigidas dirigidas a Colombo, sendo que numa delas transcreve a carta  que o florentino escreveu ao cónego de Lisboa (13). Todas as cartas estão escritas em latim, o que revela que este dominava esta língua antes de 1482, mas também que não sabia italiano. A única carta que aparece datada é a do cónego de Lisboa (Florença, 25 de Junho de 1474), sendo a única que merece alguma credibilidade (20).

Toscanelli não tem dúvidas em identificar Colombo como sendo da "nação" dos portugueses. Bartolomeu de las Casas, na História das Indias, volta a publicá-las de modo a consolidar a fraude de Hernando Colon.

<

A autenticidade destas cartas continua a ser objecto de polémica, nomeadamente porque o florentino nunca foi citado por Colombo nos seus escritos.  

O objectivo destas falsificações, posteriores a 1498, seria o de dar cobertura às mentiras que Colombo contava aos reis espanhóis sobre as Indias.

Juan Gil, demonstrou de forma concludente que as traduções para espanhol e italiano da única carta credível de Toscanelli  foram completamente adulteradas (19). Não foi apenas Colombo a falsificar documentos, os historiadores espanhóis e italianos prosseguiram esta tarefa até aos nossos dias.

O fundo de verdade destas falsificações é que a correspondência de Toscanelli com Colombo, tem como antecedentes contactos documentados entre o cosmógrafo florentino e o Infante D. Henrique, D. Afonso V, um cónego de Lisboa e possivelmente D. João II. 

Antes de 1492, como escreveu Duarte Pacheco Pereira, haviam muitos em Portugal a defender a ideia que o melhor caminho para a India era navegar para Ocidente.

Mapa Mundo de Toscanelli. Em 1459 o Infante D. Henrique enviou emissários a Itália obter informações sobre a sua ideia de chegar à India navegando para Ocidente

.

 

b )  Mapas, Roteiros, Regimentos e Instrumentos para expedições

Colombo aparece na posse de informações, mapas, roteiros e regimentos de navegação confidenciais do Estado Português. 

Tem acesso em primeira mão aos dados das descobertas que estava a ser feitas, deslocando-se a Lisboa onde fala com o rei, navegadores, estuda mapas e roteiros. Nada lhe é vedado, embora esteja em Espanha o principal inimigo de Portugal: 

Um exemplo: Quando Bartolomeu Dias, em 1488, regressou da sua viagem ao cabo da Boa Esperança, Colombo deslocou-se de Sevilha para Lisboa para assistir à chegada deste navegador, tendo falado com o rei, e o navegador e estudou com ele légua a légua a rota seguida. Las Casas afirma que encontrou documentos que testemunhava que o irmão de Colombo, ele próprio ou ambos haviam participado nesta célebre viagem, a qual foi mantida em segredo pelos cronistas portugueses do tempo (4 ). 

Na primeira viagem às Indias (1492), assim como na terceira (1498), diversos testemunhos, incluindo do próprio Colombo, demonstram o mesmo possuía mapas das terras que ia descobrir...

1. Roteiro das Antilhas antes de 1492 !

Colombo sabia exactamente a distância a que ficavam as Antilhas na América, navegando a partir da Ilha de Ferro nas Canárias para Ocidente: 750 milhas.  Onde foi buscar esta informação? A um roteiro português !

O roteiro, datado de 1480/1485, aparece transcrito no manuscrito de Valentim Fernandes, e é o mais antigo que se conhece em português: "Este livro he de rotear -a saber - de todo o Portugal e da Galiza atee sorlinga e oexante e das yllas de Madeyra e dos Açores e da Guynnee. E começa de fallar de como jaz a berlenga com ho cabo Fijsterra", ocupando os fols 292r a 315r do referido manuscrito.

Vitorino Magalhães Godinho, após o ter estudado (8),  não teve dúvidas em afirmar que o mesmo assinala as Antilhas na América Central, revelando que o seu descobrimento ocorreu antes de 1485. O Roteiro dá aos navegadores indicações precisas de como podem atingir as Antilhas a partir da ilha do Ferro nas Canárias:

"Sabe que jazem as Antillas com ho Ferro leste e hoeste. E ha na rota Vije (700) léguas largas. E estando nelas demorara as yllas do cabo verde, - a saber - ado sal leste e hoeste toma a quarta do noroeste e sueste" (fol.315).   

Não deixa de ser surpreendente que Bartolomeu de las Casas, tenha justamente assinalado que Colombo antes da primeira viagem (1492-1493), sabia exactamente a partir da ilha do Ferro onde ficavam as Antilhas e a distância a que as mesmas se encontravam: 

"Cognocíendose Cristobal Colón estar ya muy certa de tierra, la uno, por tan manifiestas señales, lo otro, por la que sabia haber andado de las canárias hacia estas partes, porque siempre tuve en su corazón, por cualquiera ocasión ou conjuntura que hobiese a sua opinión venido, que habiendo navegado de la isla del Hierro (ilha do Ferro) por este mar oceano 750 léguas, poco más o menos, habia de hallar tierra" (9).

Las Casas sugere claramente que Cristovão Colombo teve conhecimento das Antilhas, ou já teria estado nas mesmas.

As referências são exactamente as mesmas, a única diferença está no facto de que a Ilha Gomeira (La Gomera) é mais longe das Antilhas do que a Ilha do Ferro, daí Colombo ter acrescentado mais 50 milhas.

2. Regimento da Estrela do Norte ou Estrela Polar

Colombo refere a utilização deste regimento em dois momentos cruciais: a 1ª. viagem às Indias (1492/1493) e durante a 3ª. viagem em que aportou a Terra Firme (1498), na qual nos deixou uma descrição inequívoca. Mais

3. Regimento do Sol

Colombo é informado em primeira mão das mais notáveis descobertas cientificas do tempo, e assiste à sua apresentação na corte e discute com os seus autores.

Um ano depois de sair para Espanha está de novo em Lisboa, testemunha a apresentação na Corte do físico e astrónomo mestre José Vizinho (11), onde deu conta dos resultados das medições da altura do sol feitas na Guiné, na "Ilha dos Ídolos" (3). Esta demonstração ocorreu, em Março de 1485, um ano depois de Colombo ter saído de Portugal. 

Tratava-se de uma experiência fundamental para comprovar o Regimento das latitudes por observações meridianas do Sol, ao meio dia, permitindo determinar a latitude em qualquer lugar do globo terrestre ( método baseado no astrolábio e nas Tábuas de Declinação do Sol.

Este método ao permitir um maior rigor na determinação da posição exacta de um navio, possibilitou navegar com segurança nos oceanos.

D. João II, encarregou Vizinho e o mestre Rodrigo de testarem as primeiras tábuas de declinação do sol. Numa expedição que fizeram à Guiné puderam pôr à prova o Regimento do Sol, em lugares onde o sol culminava a norte com o zénite. Este trabalho foi depois aperfeiçoado por Abraão Zacuto cujas Tábuas de Declinação foram baseadas em Aben Verga, que também viveu em Lisboa.

Neste trabalho, João de Barros, afirma que participou igualmente Martin Behaim, o qual quando chegou a Portugal dizia-se discípulo de Johann Müller de Königsberg, célebre autor das Efemérides (Kalendarium,1474). (12)

Colombo sugere que participou nestas mediações. Outros "factos" são mais duvidosos. Não existem provas que se tenha encontrado em Salamanca com Abraão Zacuto (c.1450-1522), nem sequer que este lhe tenha dado "muitos livros de astronomia" (23)

A história que Colombo antes da 1ª. Expedição tenha recebido a uma versão das Tábuas da Declinação do Sol elaboradas por Zacuto, parece ter sido outra invenção. A existência do manuscrito "Tratado de las Influencias del Cielo" na Biblioteca Colombina de Sevilha não serve de prova. A obra foi adquirida por Hernando Colon, em 1524, por 34 maravedis (24)

 

c )  Livros 

Em Portugal, Colombo tinha acesso à Biblioteca Real, onde a partir do inicio do século XV se passou a reunir de forma sistemática, livros, cartas e mapas sobre o mundo.

Colombo não apenas consultou estes livros e cartas, como pode copiar informações relevantes. Tinha em sua posse algumas destas obras.

A  obra mais anotada - Imago Mundi - estaria já na sua posse antes de 1484, isto é, antes de "fugir" para Castela (1).   

Não deixa de ser significativo que as suas notas mais famosas, como a cópia da carta de Toscanelli, os cálculos de José Vizinho e até a viagem de Bartolomeu Dias estejam escritas em guardas de livros.

Dir-se-ía que Colombo tinha em Lisboa, acesso não apenas à documentação do próprio D. João II, mas o próprio rei dava-lhe inclusive livros para os usar conforme entendia, nomeadamente para tomar notas !.

Cinco obras foram especialmente consultadas e anotadas ao longo da sua vida. Os historiadores não estão de acordo sobre a autoria destas notas. Uns afirmam que são todas da sua autoria, outros atribuem parte das mesmas ao seu irmão Bartolomeu Colon, a Hernando Colon e também ao padre italiano Gaspar Gorricio.

Um dos factos mais surpreendentes é que a quase totalidade destas notas esteja escrita num latim irrepreensível, nomeadamente nas notas antes de 1492.

1. Ymago Mundi, do Cardeal Petrus de Alliaco ou Pierre d`Ailly.

 Colombo terá lido esta obra em Portugal,  por volta de 1481, onde o manuscrito existia antes de ter sido impresso em Lovaina (1480/1483). A obra está escrita em latim.

Colombo fez 898 anotações, nas quais menciona as navegações portuguesas, o Forte de S.Jorge da Mina, as suas muitas viagens à Guiné, os cálculos realizados pelo mestre José Vizinho, a viagem de Bartolomeu Dias (1488), as incorrecções dos cálculos de Ptolomeu, etc.

As anotações revelam claramente que desconhecia por completo a geografia dos reinos de Castela e de Aragão. Em contrapartida, no seu Diário de Bordo, demonstra que conhecia muito bem tudo o que se referia a Portugal. Em pleno oceano não se engana quando se trata de saber onde ficavam as ilhas do Açores, o Cabo da Roca (junto a Lisboa) ou o Cabo de S. Vicente.

2. Livro de Marco Polo.

Pouco interessa se Marco Polo (1254-1324) nunca tenha chegado à China, o que parece ser verdade. Nem sequer que o seu livro tenha sido sucessivamente acrescentado ao longo os séculos. A verdade é que o livro rapidamente se tornou muito popular na Europa,  devido às suas descrições do Oriente, onde dominava o Grande Cã, os povos tinham estranhos costumes (canibalismo, etc), possuíam enormes riquezas, e existiam fantásticos seres.

Desde a primeira metade do século XV que existia em Portugal, um exemplar manuscrito deste livro, que foi trazido de Veneza pelo Infante D. Pedro. Consta na Biblioteca o rei D. Duarte. O cronista Zurara refere-o. Colombo leu Marco Polo em Portugal numa destas edições manuscritas (22).

Em Roma, no ano de 1485, foi publicada uma versão em latim da autoria de Frei Francisco Pipino. Esta versão foi de imediato enviada a D. João II, passando a fazer parte da Biblioteca Real, e mais tarde serviu para a tradução portuguesa de 1502.

A análise dos escritos de Colombo mostra que, antes de 1492, conhecia perfeitamente muitos topónimos orientais referidos por Marco Polo. 

Entre Dezembro de 1497 e Janeiro de 1498, adquiriu um exemplar deste livro, através de um mercador-espião inglês (John Day), o que lhe permitiu corrigir o seu no Diário de Bordo de 1492/3, de forma a tornar mais credíveis algumas das suas mentiras (cfr. J.Gil).

A 4 de Fevereiro de 1502, com o patrocínio da Rainha Dona Leonor, Valentim Fernandes publicou uma tradução em português do Livro de Marco Polo (17). Desconhecemos quem foi o tradutor. Esta edição foi acompanhada de dois outros importantes documentos, procurando dar testemunho do que se sabia sobre a Ásia, antes de Vasco da Gama chegar à India:

- O Livro de Niccolo dei Conti (Nicolau Veneto), publicado em latim, em 1492, por Poggio Bracciolini; Conti (1395-1469) viajou pela India e o sudoeste asiático, tendo-se convertido ao Islão, omitindo na sua obra a influência e poder do Islão nesta região. A versão portuguesa serviu para a tradução espanhola (1503).

- A Carta que Jeronimo de Santo Estevan (Girolano de Santo Stefano) em Tripoli escreveu a Joham Jacome Mayer em Beirute. Jeronimo era mercador genovês, e a carta foi escrita a 1/9/1499, tendo sido trazida para Portugal por motivos que desconhecemos, e aqui foi publicada pela primeira vez em 1502. Ramusio corrigiu Meyer por Mainer. Os falsários italianos usaram esta carta para ligarem Girolano de Santo Stefano a Colombo, através de Nicolo Odorico e do Banco de S. Jorge de Génova. Mais

O Livro de Marco Polo foi publicado um ano depois, em Espanha, com base na versão portuguesa, sendo o prólogo dedicado ao Conde de Cifuentes, as viagens de Colombo são ignoradas sendo enaltecidas as expedições portuguesas. Mais

3. Historia Rerum Ubique Gestarum, de Eneas Silvio Piccolomini (Papa Pio II), impresso em Veneza,1477.

Está escrita em latim. Fez 861 anotações, nas quais regista indícios da existência de vida a Ocidente, a viagem de Bartolomeu Dias (1488), etc. Inclui a célebre cópia da carta de Toscanelli ao cónego de Lisboa, datada de 1474. 

4. Vidas Paralelas, de Plutarco.

Edição de 1491. Está escrita em latim. Fez 437 anotações, 99 referem-se a augúrios, adivinhações e esconjuros. A questão que mais lhe interessou foi sem dúvida a da mentira como estratégia política.

5. História Natural, de Plínio,  o velho.

Edição de 1489. A obra está escrita em italiano.

Na Diário de Bordo (1492/3), refere esta obra. Juan Gil afirma que a conhecia apenas em segunda mão, pois tratou-se de uma das suas últimas aquisições em vida.

Fez 24 anotações, sem grande interesse. Estava interessado especialmente nas referências de Plínio ao Extremo Oriente e a alguns remédios. É nesta obra que aparece uma das duas únicas curtas notas em italiano, com várias palavras espanholas e portuguesas

Na sua colecção particular constavam outras obras, como o célebre Almanach Perpetum, de Abraham Zacuto. Impresso em Leiria (Portugal), no ano de 1496.

Para além destas obras, na biblioteca de Hernando Colon, existiam um conjunto de livros que vieram também de Portugal, e que haviam pertencido nomeadamente ao Infante Don Henrique. Exemplos retirados do Catálogo Geral da Biblioteca Colombina:

- "Libro español de mano, llamado secreto de los secretos de astrologia compuesto por Infante Don Enrique de Portugal"

- "Tratado de Alquimia" de D. Afonso V rei de Portugal.

Como é que um alegado simples plebeu teve acesso e adquirido estas obras da biblioteca da corte de Portugal?  

Colombo só poderia ser alguém muito bem colocado na hierarquia do Estado Português, mas também como veremos, com um elevado sentido patriótico. 

d) Participação em rotas proibidas e expedições secretas

 Embora certas rotas fossem secretas ou com acesso controlado a estrangeiros, Colombo navegou nas mesmas livremente. Foi várias vezes às Costa da Guiné, assistiu à construção do Forte de São Jorge da Mina (Gana), participou em viagens de exploração do Atlântico Norte. 

Colombo, como vimos, pertencia à elite dos navegadores portugueses, a qual durante o reinado de D. João II integrava a Ordem Militar de Santiago de Espada. Esta ligação foi reforçada com o casamento, em 1477, com Dona Filipa Moniz Perestrelo, uma nobre que vivia num convento desta Ordem. 

e)  Existência de Ilhas e Terra Firme a Ocidente

Colombo foi um dos principais historiadores dos descobrimentos portugueses do Novo Mundo. Registou muitas expedições e indicios. O próprio rei D. João II forneceu-lhos em primeira mão, como ele mesmo o relata. 

1. Expedições

Os relatos de Colombo mostram que o mesmo estava convencido que não descobrira nada que os portugueses já não conhecessem. Mais

2. Indícios

Colombo teve conhecimento de grande número de vestígios, trazidos pelo mar, que apontavam para a existência de ilhas ou terras a Ocidente. Ele próprio, Las Casas e Hernando Colon, estes baseados no que deixou escrito, regista vários destes indícios encontrados nos Açores, Madeira e na Guiné.

Madeiras trabalhadas e canas. Pedro Correia (guarda-costas do rei D. João II), casado com uma das irmãs da sua esposa (Filipa Moniz Perestrelo), disse-lhe que havia visto na Ilha de Porto Santo madeiras lavradas trazidas pelos ventos, vira igualmente grossas canas onde cabiam 9 garrafas de vinho. Estas madeiras e canas vinham de ilhas a ocidente da Ilha da Madeira ou da Índia (Hernando Colon, Almirante...)

.

O próprio rei D.João II mostrou-lhe num mapa onde vinham as tais canas (Hernando Colon, Almirante ...)

A existência destas canas (bambus) foi transmitida por Martin Behaim a Jerónimo Munzer, que as pode ver, em 1494, quando se deslocou à Igreja de Carnide em Lisboa: "Vimos umas canas das que tormentas marinhas trazem desde o oriente até às ilhas da Madeira e Faial ..". 

Corpos de cataios (chineses). Colombo refere corpos de pessoas com uma fisionomia que ele identifica como sendo orientais, não apenas em Galway (Irlanda), mas também nos Açores. 

Na ilha das Flores apareceram corpos de homens mortos, cujos rostos eram também muito largos, como os cataios.  

Pinhas. Nas Ilhas da Graciosa e do Faial (Açores), quando sopravam ventos de poente e de noroeste, o mar trazia pinhas. 

Há uma justificação para o aparecimento de vestígios vindos do Ocidente. Existe uma corrente marítima no Atlântico Norte que circula de Ocidente para Leste. As algas do Mar dos Sargaços, por exemplo, chegam à costa portuguesa alcançando inclusive a Noruega. 

3. Encontros entre mulheres das Indias e Portugueses

O historiador espanhol -  Juan Pérez de Tudela y Bueso - sustentou que entre 1482 e 1483, ocorreu um encontro entre mulheres indias, vindas de Guadalupe ou Martinica em canoas, com uma navio português, a cerca 350 ou 400 léguas a oeste da Ilha Ferro, nas Canárias. Colombo terá tido acesso a esta preciosa informação (25).

Carlos Fontes

  Notas:

( 1) Salvador de Madariaga - Vida del Muy Magnífico Señor don Cristóbal Colón. II ª Parte. Cap. VIII

( 2 )  A. D. de Sousa Costa - Cristovão Colombo e o Cónego de Lisboa Fernando Martins de Roriz. Novos Contributos, in, Antonianum, 65, Roma.

(3 )Esta nota aparece escrita nas guardas de uma das páginas de Historia Rerum Ubique Gestarum, de Eneas Silvio (Pio II), que se encontra na Biblioteca Colombina em Sevilha.

(4 ) Esta viagem aparece numa nota de Colombo, nas páginas Imago Mundi, do cardeal Pierre d`Ailly, e está também na Biblioteca Colombina em Sevilha. 

(5) Jaime Cortesão, a Política de Sigilio e os Descobrimentos, p.90

(6)Jaime Cortesão, idem, pp. 80-93

(7) D. Jaime de Portugal (1433-1459), depois da batalha de alfarrobeira, exilou-se na Borgonha . Foi nomeado bispo de Arras pelo Papa Nicolau V. Em Itália foi nomeado para a diocese de Lisboa¸ mas nunca tomou posse do cargo. O papa Calisto III nomeou-o bispo na ilha de Chipre e elevou-o ao cardinalato. A partir de 1456 passou longas temporadas em Florença¸ onde foi amigo de Cosme de Médicis e de Eneas de Picolomini¸ o futuro Papa Pio II. Está sepultado em S. Miniato.

(8) Godinho, Vitorino Magalhães - Fontes quatrocentistas para a geografia e economia do saara e Guiné", in, Revista de História, São Paulo, nº. 13, Janeiro-Março de 1953. Alexandre Naia, in, Historiografia, pp. 110-111, foi o primeiro a chamar a atenção para este facto. 

(9) Las Casas, ob. cit., Tomo I, Livro I, cap. XXXIX.

(10) Codice guardado no Bayerische Staatsbibliothek de Munchen (Codex Hispanus, nº.27). A 1ª. edição foi feita em 1940. Edição consultada: Códice de Valentim Fernandes. Academia Portuguesa de História. Lisboa. 1997.

(11) José Vizinho, natural de Viseu, fazia parte dos cosmógrafos ou matemáticos que serviam D. João II. Foi discípulo do cosmógrafo judeu Abraão ben Samuel Zacuto, de quem  traduziu para latim o famoso Almanach Perpetum Celestium Motuum, publicado na cidade de Leiria, em 1496. Este Almanach deu origem depois a todas as tábuas de declinação do Sol que os pilotos levavam nas naus. 

Zacuto terá ensinado em Salamanca, embora não na Universidade, conforme se afirma. Refugiou-se em Portugal, em 1492, onde ocupou o cargo de cosmógrafo do rei.

(12) Barros, João de - Décadas da Ásia. Dec. I, Liv. IV, cap. 2. (Lisboa, 1778, vol. I, p.281).

(13)  A  cópia manuscrita da carta de Toscanelli ao cónego de Lisboa, surge na Historia Rerum Ubique Gestarum, de Aeneas Sylvius, numa edição data de 1477.

(14) A encomenda foi feita por João Fernandes da Silveira, que em Fevereiro de 1456 esteve em Veneza (cfr. Virgínia Rau - Portugal e o Mediterrâneo no Século XV: alguns aspectos diplomáticos e económicos das relações com a Itália. Lisboa. Centro de Estudos da Marinha.1973, p.8

(15) Garcia, José Manuel - D. João II vs. Colombo. Duas estratégias na busca das Indias. Quidnovi.Vila do Conde. p.25

(16) O original da carta foi publicada, em 1871, permitindo constatar as falsificações de H. Colon e de Las Casas. cfr.Antonio Rumeu de Armas, Hernando Colón: Historiador del descubrimiento de América. Madrid. Instituto de Cultura Hispanica, 1973.pp.255-288.

(17) Garvão, Maria Helena  Martins - O livro Marco Paulo impresso por Valentim Fernandes : genealogia textual, leitura tipográfica e aspectos discursivos. Tese de Doutoramento. FLL -Universidade de Lisboa. 2009

(18) No Diário de Bordo, a 3 de Outubro de 1492, escreve a sua admiração por ainda não ter visto "las islas que traia pintadas en su carta".

(19) Gil, Juan; Varela, Cartas de particulares a Colón y Relaciones coetáneas.

(20) Rumeu de Armas, Antonio - Hernando Colón: Historiador del descubrimiento de América. Madrid. Instituto de Cultura Hispanica, 1973.

(21) Cortesão, Armando - Cartografia Portuguesa Antiga, p.68 e segs.; Cortesão, Jaime - Os Descobrimentos Portugueses. II, Obras Completas.

(22) Ramos, Demétrio - Cólon en Simancas. p.25

(23) Inacio, Guerreiro - o Almanach Perpetuum de Abraão Zacuto e a sua contribuição para a navegação portuguesa, in, A Escola e os Descobrimentos. João de Barros e Abraão Zacuto. Lisboa. 1998. pp.41-49

(24) Luis de Albuquerque (introdução de) - Almanach Perpetuum de Abraão Zacuto, reprodução fac-simile do exemplar na Biblioteca Nacional. ed. IN-CM. Lisboa.1968.

(25) Juan Pérez de Tudela y Bueso - Mirabilis in Altis - Estudios Critico sobre el Origem y significado del proyecto descubridor de Cristobal Colon. CSIC. Instituto "Gonzalo Fernandez de Oviedo". Coleccion Tierra Nueva e Cielo Nuevo. T. XI. Madrid. 1983

   

Continuação:

11. Navegador Experiente

12. As Indias de Colombo

13. Ameaça Permanente  14. Espionagem 15. Missão Espanhola 

16. Nobre em Fuga  17. Lugares em Espanha 18. Descobridores e Conquistadores 

19. Castelhanos 

20. Portugueses em Espanha.  21. Apoio de Judeus

22. Negociante Oportuno de Miragens

23. A Bandeira de Colombo  24.  Nomes de Terras

25. Regresso da primeira viagem 26. Significado de um reencontro

27. Partilha do Mundo

28.Defensor de Portugueses  29. Patriotismo

30. Mentiroso e Desleal  31. Regresso da segunda viagem 32. Manobrador 

33. Assassino de Espanhóis

34. Impacto da Viagem de Vasco da Gama 35. Perseguido 36. Ocultação

37.  Armadilha Genovesa  38 Mercadores-Negreiros Italianos  39.  Genoveses a Bordo 

40. Descendentes de Colombo 41. Descendentes (cont. ) 42. Descendentes (concl.)

43. Historiadores Portugueses. 44. Lugares do Navegador em Portugal

45. Cronologia da Vida de Colombo

 

.

As Provas de Colombo Italiano

As Provas de Colombo Espanhol

.

  Carlos Fontes
Início . Anterior . Próximo