Carlos Fontes

 

 

  

Cristovão Colombo, português ?

 

.

 
 

Início . Anterior . Próximo

As Provas do Colombo Português 

27. Partilha do Mundo

Um dos factos mais interessantes da História de Portugal no século XV  foi o facto das suas elites terem concebido um projecto de expansão ultramarina, como uma forma do país ultrapassar os condicionalismo geopolíticos em se encontrava o reino na Península Ibérica.

 

a ) Mapa Mundo

A conquista de Ceuta (1415), no Norte de África marca o início desta expansão. Os olhos dos portugueses sobre o mundo ultrapassava agora os limites das suas fronteiras terrestres. A questão não tarda a assumir uma dimensão estratégica da maior relevância. 

O Infante D. Pedro em 1418 parte de Lisboa para uma longa viagem que o levará a lugares como a Hungria, Egipto e Jerusalém, que lhe permite obter importantes informações sobre o mundo da altura e as rotas marítimas e comerciais. A partir do seu regresso, em 1428, os portugueses começam a estar cada vez mais interessados em construir um mapa do mundo. 

O Infante D. Henrique cria uma verdadeira escola de cosmógrafos em Portugal, chamando para o efeito os melhores especialistas do seu tempo, os maiorquinos. Em 1457, duas missões são enviadas para Itália com um mesmo objectivo: obterem dos seus cartógrafos (Fra Mauro e Toscanelli), mapas do mundo. 

Globo terrestre feito por Martin Behaim, cosmógrafo de D. João II 

Após a morte do Infante, o futuro rei D. João II revela uma clara obsessão por esta visão global. Várias testemunhos da época assinalam que no palácio da Alcaçovas em Lisboa, existia um enorme mapa do mundo. O rei fazia-se representar acompanhado de astrónomos. Um dos seus cosmógrafos - Martin Behaim (1459-1507) - foi quem concebeu o primeiro globo do mundo (1492) da Idade Moderna. Mais

D. João II, em 1484, quando investe D. Manuel no Ducado de Beja, dá-lhe como símbolo a esfera armilar. Um símbolo cósmico com o qual acabou por se identificar.  

Estamos perante uma dinastia de reis que assumem uma clara visão global do mundo e agem em conformidade. O seu elevado conhecimento neste domínio dava-lhes um enorme poder de manobra, nomeadamente com os reis espanhóis. 

 

b ) Tratados

A situação Portugal no inicio do reinado de D. João II, em 1481, revela enormes fragilidades. Estava em guerra no Norte de África pela conquista do Reino de Fez, lutava no Mediterrâneo contra o Império Otomano (Turcos), procurava no Atlântico garantir por todos os meios a exclusividade do acesso à Costa Ocidental de África, expulsando da mesma castelhanos e aragoneses (espanhóis), mas também os franceses, ingleses, italianos e outros intrusos. Como se tudo isto não bastasse, os piratas e corsários faziam igualmente continuas incursões ao longo da costa portuguesa, atacando navios e povoações.

O maior perigo para Portugal vinha contudo de Castela e Aragão que se haviam unido, formando num novo reino - Espanha - com uma dimensão que representava uma séria ameaça para o país, pondo em risco o prosseguimento das expedições marítimas.

D. João II vê-se obrigado a pensar numa estratégia de partilha do mar e das suas descobertas com os seus principais inimigos, de modo a salvaguardar a rota africana que lhe daria acesso à India, assim como o Brasil. É neste plano que irá intervir Colombo, ao conduzir os espanhóis para uma falsa India, amarrando-os a Portugal através de um Tratado de partilha do Mundo.    

 

1.Tratados de Alcaçovas/Toledo

A primeira partilha do mundo acordada entre Portugal e os reinos de Castela e Aragão ocorreu, em 1479-1480, com os Tratados de Alcaçovas/Toledo. Após uma longa guerra estes Tratados restabeleceram a paz, mas implicaram da parte de Portugal a cedência da disputas da posse das Canárias, assim como a desistência da pretensão de D. Afonso V ao trono Castela-Leão.

Nestes Tratados foi acordado que Portugal teria o exclusivo das explorações a sul das Canárias, assim como todas as terras em frente da Guiné, a actual América do Sul. Determinava também, a proibição do acesso dos castelhanos às ricas pescarias entre o Cabo do Bojador e o Rio do Ouro, assim como o fim da possibilidade de puderem resgatar escravos na Guiné e obterem ouro na Mina. Uma condição difícil de ser mantida por muito tempo, nomeadamente por parte dos andaluzes de Huelva, Palos e Mouguer (7).  

Os espanhóis, apesar destes Tratados continuaram a tentar apoderar-se das costas da Guiné, pois estava em jogo enormes riquezas. 

A Castela e Aragão para além de apoiarem a revolta dos muçulmanos contra os portugueses no Norte de África, incentivavam conspirações em Portugal contra o rei de modo a colocarem no trono um monarca lhes fosse favorável. Em 1483 e 1484, como vimos, Portugal é abalado por uma conspiração apoiada por Castela e Aragão.   

Era também previsível que após a conquista do Reino de Granada, o que veio a acontecer em 1492, os espanhóis iriam aumentar a sua pressão no Norte de África, exigindo por uma nova partilha do mundo com os portugueses.

A viagem de Colombo foi neste aspecto "providencial", pois serviu de pretexto para um novo Tratado onde a Espanha passou a estar pela primeira vez efectivamente interessada em manter por muito tempo.

 

2. Tratado de Tordesilhas

O Tratado de Tordesilhas, a que Colombo esteve directamente envolvido nas negociações, pelo lado espanhol, constitui uma peça fundamental destinada a afastar os espanhóis das costas africanas, salvaguardando o Brasil nas Américas.

Foi ele quem sugeriu à Corte de espanhola, em 1493, uma linha de 100 léguas a Oeste de Ilhas dos Açores, de modo a garantir aos portugueses o Brasil. 

Durante as negociações, recusou-se a fornecer aos reis espanhóis informações precisas sobre as "Indias" descobertas em 1492. Esta manobra, acordada com D. João II, permitiu ao portugueses aumentar a linha de demarcação, em beneficio de Portugal, de 100 para 370 léguas.O Tratado de Tordesilhas foi assinado a  7 de Junho de 1494, contemplando todas as exigências portuguesas.

Colombo ao longo de 1494 continuou a dar escassas e erradas informações ao reis espanhóis, levando os mesmos a exigirem o seu regresso a Espanha. Como era de espera, ignorou a ordem real, enviando o seu irmão Diego Colón que nada sabia de cartografia ou cosmografia (Consultar ).

 

Tratado de Tordesilhas.Biblioteca Nacional de Lisboa

O Tratado de Tordesilhas pressupõe que os portugueses conheciam a América antes 1492, o que está hoje demonstrado por várias fontes:

- As declarações de Colombo;

- Os testemunhos de navegadores do tempo, incluindo os de D. João II;

- A cartografia da época, nomeadamente a feita em Italia, com base em informações recolhidas em Portugal por espiões;

- Os vestígios encontrados na própria América.

D. João II, o rei português que tinha sido o grande estratega destes Tratados, tinha constantemente a cabeça a prémio. Após anos de sucessivas tentativas, os seus inimigos conseguem-no envenenar em 1495. A conspiração surgiu, uma vez mais, no interior da Corte Portuguesa, um facto que depois se tentará ocultar. Mais tarde o Cronista que tentou relatar estes factos (Damião de Góis) é preso e assassinado. 

 

c ) Cumplicidades 

Está provado a forma habilidosa como Colombo favoreceu Portugal durante as negociações do Tratado de Tordesilhas: 1. a marcação da linha de divisão do mundo proposta pelos espanhóis, foi indicada por si; 2. Depois, não lhes deu informações que careciam para negociar com os portugueses, mas não é tudo. 

Um simples estudo dos procuradores e embaixadores portugueses que negociaram os dois tratados anteriores, revelam uma notável cumplicidade não apenas com Colombo, mas com Alvaro de Bragança, presidente do Conselho Real de Castela. Dir-se-ia que quando estava em jogo os interesses de Portugal, ultrapassavam facilmente as desavenças com o seu rei (D. João II). 

Colombo actuando como um agente infiltrado de Portugal, mesmo depois da assinatura do Tratado de Tordesilhas (1494), fez sempre questão de defender as possessões portuguesas no Norte de África, nomeadamente Arzila e Safim (consultar ). Trata-se de uma acção que revela um profundo patriotismo, e que só por si devia merecer respeito dos portugueses por este navegador.

Pensando nas implicações do Tratado de Tordesilhas, reuniu igualmente informação sobre os seus prováveis reflexos a Oriente que deixou ao seu filho Diego Colon Moniz Perestrello, o qual mais tarde, como veremos, passou ao rei D. João III durante o contencioso com Carlos V. 

Embaixadores, Procuradores e Testemunhas Portuguesas

 

D ) A Cláusula dos Três Anos

O Tratado de Alcaçovas-Toledo (1479-1480), tinha afastado os castelhanos das pescarias africanas do cabo do Bojador ao Rio do Ouro, libertando deste modo a rota do caminho marítimo para a India. O problema é que os andaluzes, nunca aceitarem esta proibição.

Os reis católicos, acabaram por autorizar que os pescadores andaluzes, a partir de 1490, frequentassem esta região (8). D. João II protesta e reclama a sua exclusividade para os portugueses. A disputa entre os dois reinos prosseguiu.

Durante as negociações do Tratado de Tordesilhas, D. João II, conseguiu que fosse estabelecido, de forma definitiva, a proibição do acesso dos espanhóis à região das pescarias africanas do cabo do Bojador ao Rio do Ouro. O Tratado, como é óbvio, desagradou, aos andaluzes que à revelia da corte espanhola, continuaram a atacar navios portugueses ( 9 ). Colombo refere este conflito, e oferece inclusive aos espanhóis uma alternativa: umas ricas "pescarias" que havia descoberto nas Indias...(10)

D. João II e D. Manuel I estavam convencidos da importância do de Tordesilhas para puderem prosseguir com segurança a rota da India, só que uma das suas cláusulas estabelecia um período de três anos (1494-1497), em que o mesmo podia ser denunciado por qualquer uma das partes. Passado este período o Tratado seria aceite definitivamente. 

Neste contexto geopolítico todas as cautelas eram poucas. Na verdade, se Portugal prosseguisse com as suas expedições para Ocidente ou avançasse na rota do caminho marítimo para a India, estaria a dar argumentos mais do que suficientes para a Espanha denunciar o Tratado. É por esta razão que não se mostrou interessado em reclamar o Brasil, nem sequer em fixar a linha do meridiano de Tordesilhas. O importante era assegurar a exclusividade da rota a India.

As expedições marítimas na direcção da India passaram a ser rodeadas do maior secretismo, sendo entre 1488 e 1497,  oficialmente dadas como suspensas para lá do Cabo da Boa Esperança. Havia que esperar a melhor altura para concluir o projecto.

Colombo entre 1492 e 1497 andou a entreter os espanhóis nas Antilhas (Caraíbas), nunca avançando na direcção do continente que D. João II lhe falara.

A partir de 1497, quando o Tratado de Tordesilhas foi dado como definitivamente aceite por ambas as partes (6), a situação mudou radicalmente.

D.Manuel I toma então duas decisões fundamentais em termos marítimos:

- Vasco da Gama, em 1497, recebe ordens para rumar na direcção da verdadeira India. Os conhecimentos acumulados durante anos (ventos, correntes, etc) permitem-lhe desde logo percorrer uma nova rota até ao Cabo da Boa Esperança.

- Duarte Pacheco Pereira, em 1498, recebe ordem para avançar para Ocidente e aí explorar toda a linha do Tratado de Tordesilhas, entre 70º N a 28º e 30º S, (re) descobrindo desta forma o Brasil antes de Pedro Alvares Cabral.

D. Manuel I, para reforçar os compromissos geopolíticos na Península Ibérica, em Setembro de 1497, casa-se em Valência de Alcântara com uma princesa espanhola.

As negociações do casamento de D. Manuel I, assim como as que envolvem os privilégios de Colombo (1497) são feitos pela mesma pessoa: Alvaro de Bragança!

 

íE) Toledo 1498: A Nova Partilha do Mundo

O maior segredo sobre a divisão do mundo chama-se "Toledo 1498". 

Quatro anos depois do Tratado de Tordesilhas foi em Toledo que se encontraram: D. Manuel I (rei de Portugal) e Isabel e Fernando (reis de Castela e Aragão), Cristovão Colombo (achador das Indias, a 12 de Outubro de 1492), Alvaro de Bragança (Presidente do Conselho Real de Castela, alcaide de Sevilha, etc, etc), Rui de Sousa  (embaixador de D. João II que assinou o Tratado de Tordesilhas em 1494), mas também outros embaixadores e procuradores que participaram neste Tratado: João de Sousa (seu filho), Rodrigo de Sande, João Lopes de Sequeira. A grande ausência (?) era Duarte Pacheco Pereira que havia regressado, neste mesmo ano, de uma viagem à América do Sul.

Para além destes da enorme comitiva real, destacavam-se Jorge de Lencastre (filho bastardo de D. João II, mestre da Ordem de Santiago de Espada e da Ordem de Avis),  Francisco de Almeida (futuro 1º. vice-rei da India), Nuno Fernandes de Ataíde (capitão de Safim), Tristão da Cunha (conquistador de Sacototorá), Diogo da Silva Meneses, conde de Portalegre, marechal de Portugal, Dinis (irmão do Duque de Bragança), etc.,etc.

As Cortes de Portugal e Espanha, assim como as suas principais famílias encontram-se numa cidade dominada pelos Silvas, de origem portuguesa e onde está sepultado um rei português. As reuniões começaram logo a 24 de Abril, quando a Corte Portuguesa chegou à cidade, tendo-se depois prolongado já com outros assuntos até 8 de Setembro, quando deixou Saragoça.

A questão fundamental que está em jogo é a contrapartida oferecida por D. Manuel I para ser jurado herdeiro do trono de Espanha. É aqui que Alvaro de Bragança tem uma palavra decisiva, a oferta da tão ansiada "Terra Firma" ( o continente americano). 

Havia um ano que Vasco da Gama partira para a India , enquanto isso Colombo continuava a entreter os espanhóis nas Antilhas. Isabel e Fernando queriam mais, até porque estavam a consagrar D. Manuel I herdeiro da coroa de Espanha em Toledo. 

Uma vez jurado D. Manuel I herdeiro do trono de Espanha, Colombo recebeu então autorização e talvez mapas para finalmente chegar ao continente americano. A 30 de Maio de 1498 em San Lucar de Barrameda inicia a sua terceira viagem às Indias, depois de visitar a Ilha da Madeira (19 a 21 de Junho), dirige-se para La Gomera (Canárias) e para Cabo Verde, onde chega a 27 Junho, apanhando as correntes marinhas há muito conhecidas dos portugueses. A partir de Cabo Verde, domínio de Portugal, parte à procura da "Terra Firme" (continente) que D. João II lhe falara existir a sudoeste. 

O percurso desta viagem por domínios portugueses, em condições normais, representava uma clara e ostensiva violação do Tratado de Tordesilhas, segundo o qual um navio espanhol só  o poderia ter feito em situação de força maior, nomeadamente uma tempestade. Nada disto aconteceu, a viagem foi mesmo intencional. 

Na Ilha da Boavista abasteceu-se de cabras e de de tudo aquilo que Rodrigo Afonso, escrivão da fazenda do rei de Portugal, lhe ofereceu. O ambiente que aqui se viveu foi idêntico ao que encontrara antes na Ilha da Madeira.

Colombo tinha previsto demorar-se mais tempo em Santiago, para comprar vacas para levar para La Hispaniola, mas devido às enfermidades que o calor estava a provocar na tripulação, foi obrigado a partir mais cedo. Para que não se enganasse no percurso para a "Terra Firme", levava consigo pelo menos dois portugueses.

Aparentemente dir-se-ía que Portugal estava a patrocinar uma expedição de Colombo aos seus domínios. Na verdade, tratava-se apenas de levar a Espanha aos seus domínios no continente americano. Depois de Cabo Verde, dirigiu-se para Sul e no paralelo da Serra Leoa, rumou para poente, tendo ido parar à Ilha da Trinidad, junto à Venezuela, num território que pertencia aos reis espanhóis de acordo com o Tratado de Tordesilhas. 

Na Relação da Terceira Viagem, como dissemos, Colombo faz questão de assinalar que D. João II sabia que existia ali um continente e indicou-lhe inclusive a rota que devia seguir para o encontrar. Tratou-se de uma forma de ocultar os acordos de Toledo.   

É evidente que esta expedição só podia ter acontecido porque D.Manuel I a autorizou (4), e resulta de um acordo entre o rei de Portugal e os reis espanhóis, num gesto de agradecimento por o haverem feito jurado herdeiro do trono de Espanha.

Estas negociações em Toledo provocam uma vítima: D. Rui de Sousa que aí faleceu. Não resistiu ao choque de ver Portugal a perder dessa maneira um do seus maiores segredos. O seu corpo foi trasladado para Portugal, estando sepultado em Évora ao lado de D. Alvaro de Bragança.

 

F) Repercussões da Chegada à India

A chegada ao Tejo, a 10/7/1499, da primeira nau da armada de Vasco da Gama, teve uma enorme repercussão nas relações entre Portugal e Espanha, afectando a frágil posição de Colombo.

D. Manuel I escreve aos reis espanhóis dois dias depois, dando-lhes conta do que se havia visto na India: grandes e ricas cidades, minas de ouro, especiarias, pedras preciosas e até mesmo população cristã (2).

A primeira vitima da viagem de Vasco da Gama foi desde Colombo que perdeu a exclusividade da condução dos negócios das Indias.

A Corte espanhola autoriza que outros façam viagens fora do seu controlo, de forma a tentar recuperar o tempo perdido, começando por explorar a região das pérolas que Colombo encontrara em 1498, e depois encontrarem a Ocidente um estreito para atingirem a India onde os portugueses haviam chegado. Neste sentido a corte espanhola firma Capitulações com vários navegadores e negociantes:

Alonso de Hojeda (1499-1500), que leva consigo Juan de La Cosa; Peralonso Niño e Cristobál Guerra (1499-1500); Vicente Yanez Pinzón (1499-1500);  Diego de Lepe (1499-1500); Rodrigo de Bastides (1500-1502), que leva consigo Juan de La Cosa; Alonso Veléz de Mendonza (1500-1501); Alonso de Hojeda (1501); Vicente Yanes de Pinzon (1501; Luis de Arriaga (1501); Diego de Lepe (1501); Juan de Escalante (1501); Alonso Veléz de Mendonza (1502); Cristobal Guerra (1503); Juan de La Cosa (1504); Alonso de Hojeda (1504); Vicente Yanes Pizon (1505). Algumas destas capitulações não se chegaram a traduzirem em viagens (11).

D. Manuel I tem plena consciência da situação que está criada. Para proteger os interesses do seu filho ao trono de Espanha - D. Miguel de Paz - , procura envolver os próprios reis espanhóis na nova expedição às Indias, propondo-lhes que investissem até 1500 marcas de prata destinados à aquisição de produtos orientais (3).

Permite-lhes também que várias expedições espanholas se sirvam das ilhas de Cabo Verde como ponto de escala e abastecimento para viajarem para o outro lado Atlântico, como  aconteceu com nas viagens de Alonso de Hojeda - Juan de La Cosa, Vicente Yanez Pinzón e Diego de Lepe, o que já antes havia acontecido na terceira viagem de Colombo.

As supostas terras que os espanhóis vieram a afirmar terem "descoberto" eram há muito do conhecimento do portugueses. A mais importante destas terras - o Brasil -, estava dentro dos seus domínios definidos pelos Tratado de Tordesilhas (1494), como confirmou, em 1498, Duarte Pacheco Pereira.

D. Manuel I permitiu-lhes também regressarem das Indias pelos Açores, e muitos foram os que antes de chegarem Espanha aportavam em Portugal onde contrabandeavam as suas mercadorias.

O certo é que a que face às movimentações espanholas, Pedro Alvares Cabral, que comandava a segunda armada para a India, que saiu de Lisboa a 9 de Maio de 1500, recebeu ordens para oficializar a descoberta do Brasil, levando consigo um navio mais pequeno para o efeito.

G ) A Questão do Brasil

A armada de Cabral depois de aportar a cabo Verde (22/3/1500), dirige-se para o Brasil, oficializando a sua descoberta a 22 de Abril de 1500. Uma caravela comandada por Gaspar Lemos, depois de ter feito um largo reconhecimento da costa brasileira é enviada para Portugal, onde chega em Julho de 1500. A morte de D. Miguel da Paz, a 17/7/1500, leva D. Manuel I adiar a comunicação do achamento aos reis espanhóis, o que só o faz mais de um ano depois, a 28/8/1501, depois de muito insistência do embaixador espanhol. No entanto, antes do o fazer enviou secretamente outra expedição ao Brasil, a 10/5/1501, comandada por Gonçalo Coelho.

Esta expedição à América do Sul abre uma nova fonte de conflitos entre a Portugal e a Espanha, agora sobre os limites do Tratado de Tordesilhas no Brasil. Os cosmógrafos e cartógrafos portugueses empurram o mais possível a linha do Tratado para ocidente, de modo a ficarem com toda a costa da América do Sul.

Na América do Norte, em particular na Terra Nova e Terra do Labrador (Canadá) a questão também se colocou, embora sem a importância que tinha na América do Sul.

D. Manuel I procura manter algum controlo da situação, proibindo com a pena de morte todos aqueles que vendessem a estrangeiros cartas de marear e mapas. Um objectivo impossível de concretizar.  Graças a uma poderosa acção diplomática consegue que a 24 de Janeiro de 1506, o papa Julio II, através da bula  Ea Quae confirme o Tratado de Tordesilhas (12).

A posição de Colombo nesta altura é já irrelevante, tão desacreditado estava.

Expansão do Brasil

 

Após a ratificação do Tratado pelos dois reinos, Portugal continuou a manobrar para consolidar as suas posições. 

Os cartógrafos portugueses até ao século XVIII continuaram a falsificar a linha meridiana do Brasil, mas também das  Molucas, de modo a incluir o máximo de territórios possíveis. Muitos destes mapas falsificados em Portugal eram vendidos a estrangeiros, que acabavam por difundir internacionalmente estes erros (14).  

 

No caso da América do Sul, deslocaram o Brasil para leste e torceram na mesma direcção a sua parte meridional de forma a caber dentro limites portugueses do Tratado. 

 

Esta deformação pode ser facilmente observada nos mapas de Cantino (1500-2), V. Maiollo (1504), Kunstmann II (c.1506), Caverio (1505), Waldsemuller (1507) entre outros (14).

Comparação de vários mapas da costa do Brasil, onde é evidente a continuidade dos topónimos e das falsificações(6).

 

Lopo Homem (1519) desviou o delta do amazonas em 12 graus. Vaz Dourado e Diogo Homem (1558), continuam a deslocar a Linha de Tordesilhas para Leste de modo a abranger o vale da Prata, o estreito de Magalhães e parte do Chile (3 ). O mesmo faz Luis de Teixeira (1574) e outros cartógrafos de modo a defender os interesses de Portugal. 


Durante a ocupação espanhola de Portugal (1580-1640), os portugueses aproveitaram para expandir o Brasil para lá do limites estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas, operação que prosseguiu depois da restauração da Independência. Antes da independência do Brasil, em 1822, esta colónia portuguesa ocupava mais de 50% da América do Sul. Uma expansão terrestre extraordinária se tivermos em conta as dimensões do Brasil, o 5º. maior país do mundo, com uma superfície superior à Europa.

Mapa de Luis Teixeira (1574) onde se pode verificar a deslocação da linha do Tratado de Tordesilhas para Oeste de modo abranger o Rio da Prata.

 

 

h ) A Questão da India

 

Com a chegada de Vasco da Gama da India, em 1499, os espanhóis perceberam logro em que haviam caído, e pretenderam alegar que o Tratado apenas se aplicava à divisão do Atlântico e não à partilha do mundo, uma situação que exigiu da parte de D. Manuel I habilidosas manobras político-matrimoniais, mas também com a intervenção papal. Em 1506 enviou a Roma uma forte embaixada que negociou a ratificação papal do Tratado de 1494. 

 

Os únicos territórios que Portugal perdeu com o Tratado foi parte das Ilhas Molucas, mas em contrapartida alargou o seu domínio sobre o Brasil. 

 

O primeiro a levantar o problema das Molucas foi curiosamente um português descontente com D. Manuel I - João Dias de Solis (13).

 

O Tratado de Tordesilhas vigorou por mais de dois séculos, somente foi modificado, em 1750, pelo Tratado de Madrid. 

 

Um dos aspectos interessantes do Tratado foi ter igualmente realizado uma partilha de África. Portugal renunciou à conquista da sua costa mediterrânica, abandonando as suas pretensões sobre Melila e Caçaça, em contrapartida a Espanha renunciava às suas pretensões sobre a costa marroquina atlântica até Meça que pertenceria a Portugal. A costa africana fronteira às Canárias continuou a ser objecto de disputas entre os dois países. Em 1500, como veremos, o próprio Colombo persegue e mata nas Indias os espanhóis estivessem envolvidos nesta luta contra Portugal vendendo, por exemplo, armas aos muçulmanos para atacarem os portugueses de Safim.

 

i ) Ilhas Molucas 

O Tratado de Tordesilhas tinha um problema insolúvel para os portugueses: se garantia a posse do Brasil e entretinha os espanhóis nas "Indias" (América), entregava-lhes as ilhas molucas onde se produziam o cravo (especiaria). 

A posse das Molucas pelos espanhóis só se colocou quando a Espanha passou a ser dominada a partir de 1517, por Carlos V da Casa de Habsburgo (Austriaca). Este rei alemão de ascendência portuguesa, não sabia falar espanhol. O problema piorou ainda mais quando, em 1525, Carlos V se casou com Dona Isabel de Portugal (1503-1539), filha do rei D. Manuel I, de quem teve 7 filhos. O acesso aos segredos do Estado português tornam-se mais acessíveis aos espanhóis.

Carlos V tratou logo de impor o seu domínio sobre todos os territórios que lhe cabiam pelo Tratado de Tordesilhas.

Não tendo em Espanha navegadores para realizarem uma expedição às Ilhas Molucas de forma a verificar os limites do Tratado de Tordesilhas, tratou de os contratar em Portugal. O portugueses há muito que estavam instalados nestas ilhas, conheciam-nas melhor que ninguém. A questão era sensível para Portugal e o rei português - D. João III - tratou logo de manobrar os acontecimentos fazendo intervir os seus espiões em Espanha. 

Alguns dos navegadores portugueses que participaram nestas viagens ao serviço de Carlos V de Espanha:

 

- Fernão de Magalhães. Na primeira viagem de à volta do mundo, encontra uma passagem a ocidente para chegar ao Indico, atingindo os limites asiáticos do Tratado de Tordesilhas.

 

- Simão de Alcaçova. Um traidor português que ao serviço de D. Manuel I andou pelas Ilhas Molucas. Carlos V procurou que fosse comandante das Armada que iria verificar os limites de Tordesilhas. D. João III afasta-o, em 1529, do comando da expedição espanhola às Molucas.

 

- Estevão Gomes. Era um traidor com um percurso de navegador semelhante a D. Simão de Alcáçova.

 

- Pedro Afonso de Aguiar. O comandante da armada espanhola às ilhas Molucas, em 1530. A sua escolha deveu-se à intervenção de D. João III, rei de Portugal. Este navegador era parente de Colombo.

A  estratégia de D. João III foi neste caso a de garantir que a expedição às ilhas Molucas fosse feita por um filho ou parente de Colombo, afastando todos os outros navegadores que não lhe ofereciam confiança. (Carta do Embaixador Português Alvaro Mendes de Vasconcelos, expedida de Oviedo, 6/03/1529).

 

- Intervenção de Diego Colón Moniz Perestrelo, filho de Colombo

Na fase mais complexa das negociações, em 1524, quando os espanhóis andavam a reunir informações sobre as ilhas Molucas revela-se mais uma vez a teia portuguesa de espiões em Espanha. Foi a vez de intervir o próprio filho de Colombo que lhe havia sucedido como Almirante e Vice-Rei das Indias Espanholas. 

A sua missão consistiu em reter toda a informação que possuía de seu pai sobre os limites dos Tratado de Tordesilhas, passando-a para o rei de Portugal D. João III através da Condessa de Lemos ( 1 ). Só após este a consultar e fazer dela o que bem entendeu é que a mesma foi entregue aos espanhóis. A rede de espionagem continuava operacional . 

Carlos Fontes

  Notas:

(1 ) Carta do embaixador D. Duarte de Almeida, 25 de Novembro de 1524. Torre do Tombo, Gavetas, 18, maço 1. 

Em 1524, um embaixador português na Corte de Espanha envia ao rei D. João III uma carta onde afirma claramente que o filho de Colombo - Diego Colon - era sobrinho da Condessa de Lemos (6ª.) - Dona Beatriz de Castro Osório, filha única e herdeira dos bens e dos títulos de D.Rodrigo (Enriquez) de Castro Osório, Conde de Lemos e senhor de Sarria, tendo-se casado em primeiras núpcias com  D. Dinis de Portugal, filho do 3º. Duque de Bragança, decapitado em 1483, na conjura contra D. João II.

Para além destas ligações a Portugal, o tratamento de "sobrinho" terá derivado do facto da esposa de Diego - Maria de Toledo e Alba -, ser "sobrinha" (neta duma prima co-irmã da condessa Lemos) e por afinidade este também seria seu sobrinho. 

O embaixador chamava-se Duarte de Almeida e Perestrelo, era comendador do Sardoal da Ordem de Cristo, e era primo em 2º. grau de Diego Colon, filho de Colombo.

A familia Colombo movia-se num círculo muito restrito de pessoas, quase sempre ligadas à Casa de Bragança e aos conspiradores de 1484.

Esta carta foi descoberta na Torre do Tombo em Lisboa, por um investigador espanhol- Juan Bautista Muñoz.

(2) F. Félix Lopes, Fr. Henrique de Coimbra...., Lisboa.1973

(3) F.Félix Lopes, ob.cit.

(4) Couto, Jorge - A Construção do Brasil. 1995.Lisboa. Cosmos.p. 149

(6) A partir de Setembro de 1497, escreve, Juan Manzano, cumpriu-se o prazo dos três anos. Como o Tratado de fronteiras não foi denunciado pelos castelhanos, as suas estipulações foram dadas como definitivas. Os espanhóis puderam ocupar Melila (17 de Setembro de 1497) e Cazaza, em troca renunciaram à zona do Bojador, que dava acesso ao caminho marítimo para a India.

(7) Durante a Guerra entre Portugal e Castela (1475-1480), os corsários de Huelva, Palos e Mouger haviam feito enormes fortunas a atacarem navios portugueses, como os Pinzon, protegidos pela Corte castelhana. (cfr. Cesáreo Fernandez Duro - os Hermanos Pinzón en el Descubrimiento de América, Emecé Ed. Buenos Aires.1944).

Numa clara acção de guerra contra Portugal, a rainha de Castela, a 19/8/1475, reclamou para a coroa castelhana a Mina da Guiné, a navegação e o comércio nas costas africanas, em especial da Guiné. Em Dezembro de 1476, por exemplo, os reis de Castela e Aragão assumiram o controlo do corso na Guiné e Serra Leoa, nomeando um oficial fiscal para recolher o quinto. A 4/3/1478, a rainha de Castela, estabeleceu um seguro para os marinheiros de Palos puderem contratar livremente por mar e terra com as mercadorias que trouxessem de S.- Jorge da Mina.

O caminho marítimo para a India que estava a ser trilhado pelos portugueses, passou a ter intrusos castelhanos.

(8)  Contra o estabelecido no Tratado de Alcáçovas-Toledo, a 7/3/1490, os reis espanhóis autorizaram a pesca de Juan Benegas e a Pero Alonso Cansyno, vizinhos de Palos, em domínios portugueses nas costas africanas (cfr. Rumeu de Armas, El Tratado de Tordesillas, ed. Mapfre. Madrid.1992). Provocando uma violenta reacção por parte de D. João II.

(9) Dois dos que não acatram as clausulas do Tratado de Tordesilhas, foram Juan Quintero e Martín de Sevilla, ambos vizinhos de Palos. Em 1494, com duas caravelas, atacaram a caravela de um português - João Serrano, de Setubal. Acabaram por ser condenados a dois anos de prisão.

Acontece que Juan Quintero, como escreve István Szászdi León-Borja, era nada mais do que o contramestre da caravela Pinta, que participou na primeira viagem de Colombo. (István Szászdi León-Borja, Los Pinzon y los mareantes palenses entre las paces de Tordesillas, Revista Clío, Lisboa, Nova Série. Vol. 6, 2002)

(10) Colombo, na carta aos reis datada de 14 de Outubro de  1495, escrita em Hispaniola, afirma que a Ilha Babeque, pode facilmente substituir em pescarias aquelas que ficam abaixo do Cabo do Bojador, com vantagem pois nelas podem pescar-se durante todo o ano. Desta forma, segundo ele, deixam de existir razões os conflitos que opõem os de Palos aos portugueses, em torno das pescarias, da Guiné e da Mina...

(11) Fernández, Rafael Diego - Capitulaciones Colombinas (1492-1506), El Colegio de Michoacán....

(12 ) Mateos, F. - Bulas portuguesas y españolas sobre os descubrimientos geograficos ....

(13) Navarrete, 1859, Tomo III, pp. 126-128, publica as suas declarações ao embaixador português (30/8/1512).

(14) Teixeira da Mota, Avelino - Reflexos do Tratado de Tordesilhas na Cartografia Nautica do Século XVI. Coimbra.1973.

   

Continuação:

 

28.Defensor de Portugueses  29. Patriotismo

30. Mentiroso e Desleal  31. Regresso da segunda viagem 32. Manobrador 

33. Assassino de Espanhóis

34. Impacto da Viagem de Vasco da Gama 35. Perseguido 36. Ocultação

37.  Armadilha Genovesa  38 Mercadores-Negreiros Italianos  39.  Genoveses a Bordo 

40. Descendentes de Colombo 41. Descendentes (cont. ) 42. Descendentes (concl.)

43. Historiadores Portugueses. 44. Lugares do Navegador em Portugal

45. Cronologia da Vida de Colombo

 

.

As Provas de Colombo Italiano

As Provas de Colombo Espanhol

.

  Carlos Fontes
r
Início . Anterior . Próximo

Para nos contactar: carlos.fontes@sapo.pt