Carlos Fontes

 

 

   

Cristovão Colombo, português ?

 

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As Provas do Colombo Português 

 

26. Significado de um Reencontro. Rainha Dona Leonor e Cristovão Colombo

 

a) Encontro no Convento de Santo António da Castanheira

Colombo, no regresso da sua primeira viagem à América, dirigiu-se para a Ilha de Santa Maria, nos Açores. Daqui partiu para Lisboa. Foi depois ao encontro de D. João II, em Vale do Paraíso.

No dia 11 de Março de 1493, a pedido da Rainha Dona Leonor de Lencastre, teve um segundo encontro agora com a rainha no Convento de Santo António da Castanheira, situado no alto da serra, junto a Vila Franca de Xira. Fez-se acompanhar por indios que trouxe da América e de um piloto.

O encontro contou também com a presença de:

-  D. Manuel, Duque de Beja, Mestre da Ordem de Cristo e futuro rei. Era irmão da rainha D. Leonor e de D. Diogo, assassinado por D. João II em 1484.

Pedro de Menezes (1425 - 1499), Marquês , 7º. Conde de Ourém, 1º. Marques de Vila Real, Senhor de Aveiras, etc. Era casado com  Beatriz de Bragança, irmã do Duque de Bragança executado em 1483.

-  Martinho de Noronha, parente de Colombo, e um homem da total confiança de D. João II até à hora da morte. Era vedor da Fazenda e membro do Conselho régio. Foi ele que levou Colombo a Vale do Paraíso e o trouxe de regresso a Lisboa. No percurso entre Vale do Paraíso e o Convento, juntou-se ao grupo uma pequena multidão que quis honrar o navegador e obter dados das terras descobertas. Mais

Colombo descreve este encontro no seu Diário de Bordo, na seguinte forma:

"Lunes, 11 de Março.

"Oy  se despidió del Rey, e le dixo algunas cosas que dixese de su parte a los Reyes, mostrándole siempre mucho amor. Partióse después de comer, y enbió con él a Don Martín de Noroña, y todos aquellos cavalleros le vinieron a acompañar y hazer honra buen rato. Después vino a un monasterio de Sant Antonio, qu`es sobre un lugar que se llama Villafranca, donde estava la Reina, y fuele a hazer reverencia y besarle las manos, porque le avía enbiado a dezir que no se fuese hasta que le viese, con la cual estava el Duque y el Marqués, donde resçibió el Almirante mucha honra. Partióse d`ella el Almirante de noche y fue a dormir a Allandra".

Hernando Colón, que consultou  original do Diário de Bordo, confirma a insistência da rainha neste encontro, e a sua enorme alegria: "Al presentarse conte ella se alegró mucho, rindiéndole los honores y cortesías próprias de un grand señor" (12).

Bartolomé de Las Casas, é mais contido na descrição, referindo apenas que Colombo "besóle la manos", foi recebido com "grande humanidad, haciéndolo mucha honra y favor". Deu também "alguna relacion de su viaje y de las tierras y gentes de dejaba descubiertas" (13).

Ambos não referem a presença de D. Manuel e o do Marquês de Vila Real.

Colombo, depois da visitar à rainha, desceu já de noite a serra em direcção a Vila Franca de Xira (14), dirigindo-se depois para Alhandra onde dormiu.

No dia seguinte, pouco antes de partir de caravela para Lisboa, chegou um "gentilhombre", mandado por D. João II,  para lhe dizer se queria ir por terra para Castela. O rei dava-lhe animais para se fazer transportar, alojamento em todas as terras que passasse, assim como seriam pagas as despesas que fizesse. Como prova desta disponibilidade real, mandou entregar uma importante quantia em dinheiro ao piloto que o acompanhava. Uma atitude que contrasta com a descrita pelos cronistas portugueses, quando referem o encontro de D. João II com Colombo. Mais

 

b) Simbolismo do Convento

Os dois encontros que Colombo realizou, em locais distintos com o rei e a rainha, na mesma região, não foram produto de um mero acaso. Ambos quiseram receber Colombo em separado, com os respectivos séquitos. Os locais escolhidos estavam carregados de enorme significado para ambos.

É hoje consensual que Dona Leonor, como a sua mãe , a Infanta Dona Beatriz estiveram envolvidas na conspiração de D. Diogo, Duque de Viseu contra D. João II, em 1484 (17). D. Diogo, irmão de Dona Leonor, acaba assassinado pelo próprio D. João II. Na conspiração anterior, em 1483, foi executado o cunhado da rainha e dois dos seus sobrinhos foram mandados para Castela.

O Convento de Santo António da Castanheira, como veremos, foi assumido a partir de 1493 como um símbolo dos conspiradores de 1484.

A rainha tinha uma especial predileção pelos conventos franciscanos desta região. Quando morreu o seu filho - o principe D. Afonso- , em 1491, foi no Convento de Nossa Senhora das Virtudes que se refugiou, percorrendo depois as principais casas franciscanas, nomeadamente o Convento de Santo António (18).

O convento estava ligado à família dos ataídes, onde tinha o seu panteão. Acontece que os ataídes, estiveram envolvidos na conspiração de 1484 contra D. João II:

Alvaro de Ataíde (5º senhor da Castanheira), conseguiu fugir para Castela, onde vivia exilado, mas o seu filho - Pedro de Ataíde, foi degolado em Setúbal. Filipa de Ataíde, a enigmática" Almiranteza" vivia igualmente exilada em Castela. Mais Diogo de Ataíde, conseguiu também fugir, viveu e morreu exilado em Sevilha. Mais

Os filhos de Isabel Ataíde - Fernando de Meneses, o Narizes e Garcia de Meneses, bispo de Évora -, foram assassinados na sequência da conspiração de 1484. Mais

O Convento da Castanheira, no final do século XV, evocava conspirações contra o rei, mortes e exilados em Castela. Uma imagem e ligação que irá perdurar ao longo dos tempos (11). 

Não deixa de ser significativo que, João da Castanheira, o capitão que recebeu Colombo na Ilha de Santa Maria entre 18 e 28 de Fevereiro de 1493, fosse escudeiro-fidalgo de D.Manuel I, Duque de Beja. Mais.

O encontro com Colombo durou largas horas e envolveu um grupo de personagens que tinham familiares e amigos exilados em Castela, e que alimentavam uma crescente hostilidade em relação a D. João II.  

Pedra de armas dos Ataídes, na magnifica capela renascentista do convento

Teto da capela dos Ataídes, tendo nas chaves da abóbada os signos dos zodíaco.

Convento da Castanheira

O Convento de Santo António da Castanheira foi fundado, entre 1395 e 1405 (8), por Pedro de Alemancos (19), no termo a Vila de Povos, junto a uma ermida dedicada a Santo António. A casa foi inicialmente habitada por Frei Alemancos vigário) e outros frades que vieram de Alenquer. Obteve licença pontifícia do papa Martinho V.

D. João I manifestou desde o inicio uma profunda ligação ao convento, ao ponto de nele dormir (21). Recebeu doações de D. Afonso V, Dona Leonor, D. Manuel (15) e D. João III (16), mas foram os Ataídes, em particular António de Ataíde, 1º. Conde da Castanheira, assim como o seu filho Jorge de Ataíde, os seus grandes benfeitores do mosteiro.

No final do século XV era já um importante centro de formação espiritual franciscana, dotado de uma excelente biblioteca (9).  O que resta do conjunto do edifício, apesar de abandonado, vandalizado e delapidado no seu recheio, continua a ser imponente pelas suas dimensões. 

 

c) Razões do Encontro

A estadia de Dona Leonor neste convento, em Março de 1493, levanta vários problemas:

A rainha deslocou-se propositadamente? A Rainha desde 1491 que estava bastante doente, residindo desde  Maio de 1492 no seu Paço de S. Elói, em Lisboa, e não consta que tivesse feito outras deslocações. Face ao agravamento da doença,  mudou-se para Setúbal, onde em Maio de 1494 quase faleceu.

Aparentemente tudo leva  crer que, em Março de 1493, se deslocou propositadamente ao convento de Santo António da Castanheira para se encontrar com Colombo. O encontro, como dissemos, foi ocultado em Portugal, e nenhum dos seus biografos da rainha o regista (20).

a) Promessa. Não é de excluir a hipótese de ter feito uma promessa, à semelhança  que já fizera D. João II, neste ano de 1493, quando ao sentir-se mal da saúde em Torres Vedras fez a promessa de percorrer a pé o trajecto até ao Convento da Castanheira. 

b) Franciscanismo. Poderá também ter-se deslocado neste ano, para poder ver a importante campanha de obras que patrocinou, nomeadamente a construção de celas e capelas. Esta visita ao convento que teria coincidido com a de Colombo a Vale do Paraíso, e ao saber da mesma não quis deixar de falar com ele.

A ligação da rainha ao movimento reformador dos franciscanos, contribuiu certamente para dar à escolha do local um profundo significado espiritual.

Noutros lugares já assinalamos a total sintonia das ideias místicas de Colombo com as da rainha Dona Leonor, nomeadamente em relação ao franciscanismo, ideias de Joaquim de Fiore, conquista de Jerusalém, culto do Espírito Santo, São João Baptista, etc. Um destes enigmas, como vimos, está justamente ligado ao Convento de Santo António da Castanheira onde ocorreu o encontro.

d) Heranças Políticas. O Infante D. Fernando, como veremos, não concordava com a estratégia de D. Afonso V, depois prosseguida por D. João II,  de centrar a expansão em África e no Atlântico, com o domínio exclusivo das rotas marítimas. O Infante preferia o domínio do Mediterrâneo, a conquista de Jerusalém e a partilha das descobertas com outros reinos ibéricos.

O infante morreu, em 1470, mas a sua estratégia não morreu. A sua esposa, D. Beatriz, assumiu um papel activo nesta estratégia de aproximação e partilha das descobertas com os castelhanos e aragoneses. O ódio contra D. João II, depois do mesmo ter assassinado o seu filho, aproximou-a ainda mais dos interesses castelhanos.

A Rainha Dona Leonor de Lencastre, não foi alheia a esta estratégia defendida pelos seus pais. É neste quadro que deve ser interpretado o seu convite para um encontro com Cristovão Colombo, tendo ao seu lado, D. Manuel seu irmão e sucessor jurado de D. João II. Um encontro, recorde-se, que os cronistas portugueses foram obrigados depois a ocultar, de modo a evitarem serem acusados de traidores.

A verdade é que a rainha quis, de forma inequívoca, dar o seu apoio a viagem de Colombo, no ambito de uma partilha de informações entre Portugal e os outros reinos ibéricos. 

e) Sucessão. A presença de D. Manuel junto à rainha Dona Leonor, revela o profundo conflito que então se vivia na corte: após a morte do principe D. Afonso, a 13/7/1491, D. João II procurou por todos os meios legitimar e fazer seu herdeiro Jorge de Lencastre (25), fruto dos seus amores com Ana de Mendonça (26). O problema continuava bem vivo, em 1493, pois D. João II não parecia desistir desta ideia (27)

Este problema levantava enormes tensões entre a Ordem de Santiago e a de Cristo, dado que D. João II atribuiu os mestrados da Ordem de Santiago e de Avis a D. Jorge, pretendendo fazer o mesmo com a Ordem de Cristo.

D. Manuel, com o apoio da sua mãe - Dona Beatriz de Lencastre - procurou por todos os meios afirmar o poder da Ordem de Cristo, contra a de Santiago, uma política que prosseguirá com maior tenacidade depois de ser rei (28).

 A verdade é que o encontro continua a ser um verdadeiro mistério. Quais as relações anteriores da rainha com Colombo ? O que os ligava? Porque o mandou chamar? O que quis afirmar? O que falaram?

A historiografia tradicional afirma que o encontro entre Colombo e D. João II foi pouco amistoso. Ao promover este encontro terá a rainha Dona Leonor pretendido manifestar publicamente a sua discórdia com D.João II? 

Estaria a Rainha a dar um sinal claro que estava com todos aqueles que se exilaram em Castela, em consequência das conspirações de 1483 e 1484? Tudo aponta para que tenha sido este o motivo principal, mas não o único. 

A confirmar-se esta hipótese, é lógico pensar-se que Colombo estaria de algum modo ligado ao grupo dos conspiradores contra D. João II, e em especial os da Casa do Duques de Beja e de Viseu, a que pertencia a sua esposa Filipa Moniz Perestrelo.

 

d) Contactos Anteriores

Antes deste encontro a Rainha Dona Leonor e Cristovão Colombo estiveram envolvidos, em 1485, numa enigmática situação. Neste ano, navios venezianos foram atacados ao longo da costa portuguesa por dois corsários:

a) Um corsário chamado "Cristofaro Colombo" atacou dois navios venezianos, sob o pretexto de Veneza  ter sido excomungada pelo papa. Cristovão Colombo assumia-se aqui como um defensor da ortodoxia católica, numa atitude típica de um cristão-novo.

b) A 21 de Agosto, dois corsários, um grego chamado George Palaeologus Dissipatos ou Byssypatt e um vice-almirante francês (Jean de Casenove), assaltaram 4 navios venezianos ao largo do Cabo de S. Vicente.

Os venezianos espoliados foram prontamente acolhidos pela Rainha Dona Leonor que nessa altura se achava em Sintra, com o seu filho D. Afonso (5). A rainha mostrou-se muito solicita a resolver a situação de extrema pobreza. D. João II, mal regressou de Alcobaça, onde se encontrava, foi também bastante pródigo nesta ajuda, como fez questão de reconhecer a Senhoria de Veneza.

O problema histórico consiste em saber qual foi o grupo de venezianos que foram ajudadas pela rainha.

Um manuscrito existente no Arquivo do Estado de Veneza (3), aponta claramente para que tenha sido as vítimas de Cristovão Colombo. Jeronymo Donato foi o embaixador que foi enviado a Portugal para agradecer o apoio prestado.

Rui de Pina, cronista português, constrói outra versão dos acontecimentos (4), e atribui a ajuda ao segundo grupo de vítimas venezianas. Os corsários envolvidos no assalto de 21 de Agosto, vieram para Lisboa, onde tentaram vender em Setembro o produto do saque dos venezianos, mas D. João II não autorizou. Mais

Ao que tudo indica estamos perante mais uma mistificação de Rui de Pina, neste caso para ocultar a presença de Cristovão Colombo em Portugal antes se 1493. Os historiadores portugueses limitam-se a repetir Rui de Pina sem verem outras fontes (6).

Colombo, depois de sair de Lisboa, fez ainda questão de fazer escala na vila de Faro (Algarve), no dia  14 de Março, onde só saiu ao pôr do sol. O que o terá justificado esta escala?

A explicação mais obvia é o facto da Vila de Faro desde 1490 pertencer à Rainha Dona Leonor de Lencastre (37). Colombo terá querido despedir-se, pela última vez, dos domínios da rainha e da Casa dos Duques de Beja-Viseu, da qual foi certamente um servidor.

 

e) Ocultação

Se Cristóvão Colombo deu muita importância ao encontro com a Rainha Dona Leonor, D. Manuel e o Marquês de Vila Real, os cronistas portugueses omitiram-no. 

Rui de Pina e Garcia Resende, tinham plena consciência que se o referissem, o mesmo poderia ser interpretado como uma traição ou cumplicidade com Colombo.

Se dúvidas existissem, basta recordar que o Marquês de Vila Real - Pedro de Meneses - era casado com Beatriz de Bragança, irmã do Duque de Bragança decapitado em 1483, e os bragança viviam exilados em Castela. 

Ao longo dos sete anos que vivia em Castela (1485-14923) Colombo reuniu-se com os familiares dos alta nobreza portuguesa exilada em Sevilha, que o apoiou desde a primeira hora. As cumplicidades eram por demais evidentes e só elas podiam justificar semelhante encontro. 

 

f) Cardeal de Alpedrinha

Colombo não era caso único nestas ligações, aparentemente, incomodas para D. João II. A rainha mantinha uma relação estreita com Jorge da Costa, o célebre cardeal de Alpedrinha , que se havia auto-exilado em Roma devido a conflitos com D. João II. 

Foi o Cardeal que orientou, por exemplo, a elaboração do compromisso do Hospital Termal das Caldas da Rainha, e intercedia com frequência junto dos papas para aprovação em tudo o que a rainha solicitava à Santa Sé (1). 

Dona Leonor, em sua homenagem, introduziu em Portugal o culto de Nossa Senhora do Pópulo, edificando para o mesmo uma igreja-capela anexa ao referido hospital termal. O cardeal, vivendo em Roma, escolheu para sua sepultura a Igreja de Nossa Senhora do Pópulo.

Recorde-se que a irmã do Cardeal, era esposa de Pedro de Albuquerque, almirante-mor de Portugal, envolvido na conspiração de 1484, e se que refugiou em Sevilha com a marquesa de Montemor. Mais 

Não deixa se ser curioso assinalar que Colombo, tenha escolhido Alhandra para dormir de 11 para 12 de Março, que pertencia aos arcebispos de Lisboa, como Pedro de Noronha ou Jorge da Costa...

 

5. Túmulos

O Convento de Santo António da Castanheira, possui uma notável quantidade de túmulos, a maioria dos quais se encontra profanados, como o de Tomé de Sousa (1503-1579), primeiro governador-geral do Brasil, ou até o de Joaquim Pedro de Quintela, o célebre Conde de Farrobo.

A Igreja do convento funcionou, como dissemos, de panteão dos Ataídes (10), envolvidos nas conspirações de 1483-84 contra D. João II. A magnifica capela funerária dos Ataídes é um dos melhores exemplares do primeiro renascimento em Portugal (7). Neste convento encontram-se sepultados, entre outros, Alvaro de Ataíde e a sua esposa Violante de Távora, o filho de ambos, o poderoso António de Ataíde (1500-1563), 1º. Conde da Castanheira, valido de D. João III. O influente Jorge de Ataíde, bispo de Viseu, capelão-mor e Inquisidor-mor ou Jerónimo de Ataíde, o 6º. Conde da Castanheira (11).

Um dos túmulos mais intrigantes é todavia o de Lopo de Albuquerque, Conde de Penamacor, parente de Colombo, que também fugiu para Castela em 1484.

A data que consta na sua pedra tumular é falsa. Está nela escrito que o conde faleceu a 8 de Maio de 1493, isto é, menos de três meses depois do encontro entre a Rainha e Colombo, mas na realidade ele continuava vivo em Castela, onde só terá falecido em 1496.

O que terá motivado a decisão de ocultar a ida de Lopo de Albuquerque de Inglaterra para Espanha, dando-o como morto ?

É importante recordar que o seu filho adoptivo - Diogo Mendes de Segura - foi o secretário de Colombo, e será também secretário do seu filho Diogo (Diego Colon)

 

g) Encontro em Aldeia Gavinha

D. João II ficou inquieto com o aconteceu em Santo António da Castanheira. Tratou-se de uma verdadeira reunião de conspiradores, patrocinada por D. Leonor. No dia 16 ou 17 de Março abandona Vale de Paraíso e dirige-se para Torres Vedras. A rainha, com D. Manuel e o marques de Vila Real vão ao seu encontro.

No dia 19 estava em Atalaia junto a Merceana (Alenquer), e nos quatro dias seguintes (20 a 23) está em Aldeia Gavinha (23), uma localidade que na altura era afectada por uma peste que matou grande parte do seus habitantes .

É neste quadro inesperado que D. João II resolve discutir com Dona Leonor, D. Manuel (24) e provavelmente também o marquês de Vila Real, a questão aberta pela "traição" de Colombo. "E porem perseguido elRey em sua memoria deste cuidado ( a visita de Colombo) e teendo sobr`isso primeiro conselho junto com a Aldea Gavinha", Rui de Pina, Chronica, cap. LXVI.

Apenas no dia 23 parte finalmente para Torres Vedras, depois de ter acordado as medidas que tomaria sobre o assunto: " E cuidando el Rey bem o negócio, e peso deste caso, se foy a Torres Vedras", Garcia Resende, Crónica e Miscelânia, cap.CLXV.

Em Torres Vedras, no dia 8 de Abril, manda aprontar uma grande armada para enviar às Indias descobertas por Colombo, fazendo dela capitão-mor Francisco de Almeida (Garcia Resende, ob.cit., cap. CLXV).

Os reis católicos que já haviam sido informados das intenções de D. João II, enviam a Portugal um mensageiro - Juan de Ferreira - que chega a Torres Vedras pouco depois do Domingo de Páscoa (7 de Abril).(Rui de Pina, Chronica, cap. LXVI). A ideia da armada foi abandonada, mas foi enviada para Castela uma embaixada constituída por Pedro Dias e Rui de Pina (Resende, ob.cit., Cap.CLXV).

O encontro em Santo António da Castanheira terá reacendido a conspiração contra o rei, ao que parece. Em Agosto de 1493, D. João II, esteve à beira da morte (Resende, ob.cit., cap. CLXXI), suspeitando-se de um possível envenenamento (22). O rei fez então uma surpreendente promessa: no caso de se salvar iria a pé até ao local do "crime" - o Convento de Santo António da Castanheira.

No dia 23 de Setembro, quando já se sentiu com forças partiu a pé de Torres Vedras para o mosteiro da Castanheira, onde chegou dois dias depois.

 

h) Leonor de Lencastre e os descobrimentos

Uma das ações mais destacadas da rainha Dona Leonor foi o apoio à edição. Neste ano de 1493, passou a ter ao seu serviço como escudeiro, o conhecido impressor Valentim Fernandes. Este alemão, que até aí residia em Sevilha, foi responsável pela edição de importantes obras, mas também pela divulgação na Alemanha dos descobrimentos portugueses. Os seus manuscritos encontram-se conservados na Staatsbibliothek München. Em 1502, por exemplo, editou em português o Livro de Marco Polo.

Dona Leonor está ligada igualmente a dois "rebeldes" com percursos similares:

- Cristovão Colombo que depois de andar 14 anos a tentar convencer D. João II a apoiar o seu projecto, fixou-se em Sevilha. Após 7 anos de negociações conseguiu vender o seu projecto a Castela.

-  Fernão de Magalhães, saiu ainda jovem da Casa da Rainha Dona Leonor, andou pela Ásia ao serviço de Portugal, tendo-se fixando depois em Sevilha. Após longas negociações conseguiu também vender o seu projecto a Carlos V, imperador de Espanha.

Ambos contaram em Sevilha, e na corte espanhola, com o apoio da comunidade portuguesa.  Mais

 

i) Paços de Santo Elói

As relações entre D. João II e Dona Leonor foram-se agravando ao longo dos anos. Ele continuou a residir no Paço das Alcáçovas, ela mudou-se definitivamente para o Paços de Santo Elói, que ficava situado entre a actual Rua de Bartolomeu Gusmão e o Largo dos Lóios.  No século XV ficava de fronte das antigas Portas da Alfofa e do Convento dos Lóios, junto à Rua de Jerusalém (1), na extinta freguesia de S. Bartolomeu.

Dona Leonor fez profundas obras nestes paços, dando-lhe uma imponência que antes não possuíam. Aqui se reunia a sua Corte. Gil Vicente, que esteve ao serviço da rainha até 1521, morava junto aos paços. Aqui representou por exemplo, o "Auto da Fama" (1515).

Foi também nestes paços que se casou, em 1500, o filho bastardo de D. João II - D. Jorge, mestre da Ordem de Santiago -, com Dona Beatriz de Vilhena, filha de D. Alvaro de Bragança, que estivera envolvido na conspiração contra D. João II em 1483. Dona Beatriz, após a fuga do seu pai para Castela foi criada com Dona Leonor.

Os imponentes Paços de D. Alvaro de Bragança, situavam-se a uma curta distancia dos Paços de Santo Elói, na actual freguesia de S. Cristovão e S. Lourenço.

D. Jorge, depois da rainha ter falecido (1525) passou a residir nos seus paços até 1544-45 (2), os quais vieram a ser adquiridos pelos seu filho D. Luis.

Foi também a poucos metros deste local que se casou, Cristovão Colombo com Filipa Moniz Perestrelo, na Igreja de Santiago. Junto ao Paços de Santo Elói ficavam também casas da "Condessa de Penamacor", cujo marido esteve envolvido na conspiração contra D. João II em 1483.

Carlos Fontes

 

  Notas:

(1) Sousa, Ivo Carneiro de - Um Hospital Populus. Da Misericórdia e da Rainha para uma Vila do Renascimento, in

(2 ) Ferreira de Andrade - Palácios Reais de Lisboa. 1949.

(3) Pedrosa, Fernando, ob.cit., doc.53, pág.97

(4) Rui de Pina, Crónica de D. João II, cap.XXI

(5) Em 1484, Dona Leonor expediu 4 cartas dirigidas à câmara de Lisboa, para que mandasse arrastar navios para combater João de Bretão, que roubara uma nau portuguesa e outra inglesa frente a Cascais. No Ano seguinte, D. João II contratou-o, tendo ficado ao seu serviço até 1490 (cfr. Fernando Pedrosa, ob.ct., p.36). 

(6) Conde de Tovar - Portugal e Veneza na Idade Média (até 1495). Coimbra. Imprensa da Universidade. 1933. pp.51-57

(7) Luzio, Luisa França - D. António de Ataíde, 1º. Conde de Castanheira e o Patrocínio da arquitectura ao romano na primeira metade do século XVI, in, Carneiro, Roberto e Artur Teodoro de Matos (ed.)- D. João III e o Imperio. Actas do Congresso Internacional Comemorativo.... pp. 1013-1046.

Esta historiadora regista uma interessante polémica ocorrida nos anos 30 do século XX, sobre o problema da datação da capela funerária. Um italiano - Guido Batteli - defendeu então que a mesma havia sido mandada construir por D. João II, no que foi desmentido na altura João Barreira. A datação provável da sua construção situa-se entre 1534-1544, tendo em conta as suas semelhanças com a Igreja de São Bartolomeu da Castanheira.

(8) Sobre a fundação do Convento:

- Frei Apolinário da Conceição, Claustro Franciscano, 1740.

- Frei Manuel Esperança, História Seráfica, 2, Liv.11, cap.II-V, p.518-529.

- John Richard Humpidge Moorman, Medieval Franciscan Houses (1983), p.114

(9) Barata, Paulo J. S. - Roubos, Extravios e descaminhos nas livrarias...., in, Lusitânia Sacra,2ª. Série, 16 (2004); idem, Os livros e o liberalismo: da livraria conventual à Biblioteca Publica.... Para um testemunho interessante do saque da livraria, consultar também: Francisco Cancio - Ribatejo. Historico e Monumental (1938), Vol. III, p.311

(10) Ribeiro, José Alberto - A Capela Funerária dos Ataídes. Documento de Santo António da Castanheira, in, Boletim Cultural CIRA, nº.6

(11) O exílio dos Ataídes em Espanha acabou por tornar muitos membros desta linhagem apoiantes da causa castelhana. Três exemplos de descendentes de Alvaro de Ataíde:

- Jorge de Ataíde (23/4/1535-17/1/1611), bispo de Viseu (entre 1568 e 1578) e capelão-mor de D. Henrique, Filipe II e III de Espanha, foi um os mais destacados apoiantes da candidatura Filipe II de Espanha ao trono de Portugal.  Este rei fez questão, a 13/6/1581, quando se dirigia para as Cortes de Tomar, de visitar o Convento de Santo António da Castanheira onde ouviu missa (cfr. Cartas de Filipe II a sus hijas. Madrid. Akal. 1998. pp.42-43).  Foi nomeado Inquisidor-mor pelo papa Clemente VII.

Jorge de Ataíde, depois de uma longa ausência na corte espanhola, após a morte de Filipe II ( 1598), regressou a Portugal. Está sepultado no Convento. Era filho de António de Ataíde.

- António de Ataíde, 5º. Conde  da Castanheira.  Foi governador de Portugal, em 1631, durante a ocupação filipina. Esteve envolvido na conspiração contra D. João IV. Tendo recebido ordem de prisão a 28/6/1641.

-Jerónimo de Ataíde (?- 12/12/1669), 6º. Conde da Castanheira. Não aceitou a restauração da Independência de Portugal, em 1640. Foi nomeado mordomo-mor de Isabel, mulher de Filipe IV de Espanha. Foi também aio do principe espanhol Baltazar Carlos. Regressou a Portugal, em 1668. Está sepultado no Convento.  

(12) Hernando Colon, História del Amirante, cap. XL

(13) Las Casas, Bartolomé - História de las Indias, cap. LXXIV

(14) Recorde-se que foi desta vila que partiu Bartolomeu Dias para a sua célebre viagem ao Cabo da Boa Esperança (1488).

(15) Cfr. Frei Martinho do Amor de Deus, ob.cit., pp.128-129

(16) IAN/TT- Corpo Cronológico, parte I, maço 65, doc.16: Alvara 17/7/1539

(17) Sá, Isabel dos Guimarães - De Princesa a rainha-velha. Leonor de Lencastre. Circulo de Leitores. 2011, pp.

(18)  Carneiro de Sousa, Ivo - A Rainha D. Leonor (1458-1525). Poder, Misericórdia, Religiosidade  Espiritualidade do Renascimento. FCG. FTT. MCES. Lisboa. Dezembro de 2002. p.184

(19) A criação do convento de Santo António da Castanheira insere-se no movimento reformador das ordens religiosas de meados dos século XIV. Os primeiros franciscanos da regular observância chegaram a Portugal em 1392, vindos da Galiza. Estavam munidos de uma bula que lhes permitia fundarem uma casa religiosa. Foram desde logo apoiados por D. João I, que os encarregou de reformarem o convento franciscano de Alenquer. Entre os primeiros franciscanos observantes estavam Gonçalo Marinho (núncio), Pedro Dias e Diogo Arías (asturiano), a que se juntaram Afonso Saco, Garcia Montões e Pedro Alemancos.

(20) Principais biografos da rainha dona Leonor: Conde de Sabugosa, Ivo Carneiro de Sousa, Isabel dos Guimarães e Sá.

(21) Lopes, Fernão - Crónica de D. João I, parte I, p.104

(22)  Ricardo Jorge insurgiu-se contra a forma apressada como se tem atribuído a causa da morte de D. João II a um possivel envenenamento. Cfr.  Ricardo Jorge - O Obito de D. João II. Portugalia. Lisboa. 1922.

(23) Serrão, Joaquim Veríssimo - Itinerário de El-Rei D. João II (1481-1495). Academia Portuguesa da História. Lisboa. 1993.

(24) D. Manuel estava no dia 22 de Março de 1493 em Aldeia Gavinha (cfr. ANTT- Chancelaria de D. João II, Livro 30, fol. 179

(25) Jorge de Lencastre, futuro mestre da Ordem de Santiago e de Avis, foi entregue em Novembro de 1481, aos cuidados da princesa Joana, que estava no convento de Jesus, em Aveiro.

A sua educação foi depois de 1487 confiada ao italiano - Cataldo Áquila Sículo.

Em Junho de 1490 foi finalmente apresentado à corte. Após a morte do principe Afonso, a 13/7/1491, suscitou por parte de Dona Leonor de Lencastre uma viva animosidade. Acabou por ter de se afastar da corte e entregue a João de Almeida, 2º. Conde de Abrantes. O rei não se conformou com este afastamento, e não tardou em o manter muito próximo de si.

Depois da ascensão de D. Manuel ao trono, em 1495, as relações deste com Jorge de Lencastre, foram aparentemente pacíficas.

cfr. Lencastre, António de Queiróz de Vasconcelos de - Dom Jorge, 2º. Conde de Coimbra (1481-1550). Caminhos Romanos. Porto. Fev. 2011

(26) Ana de Mendonça era filha de Nuno Furtado de Mendonça, castelhano, partidário de Joana, a Beltraneja, tendo-se exilado em Portugal, onde foi aposentador-mor de D. Afonso V. Aqui se casou com Leonor da Silva, filha de Fernando Martins Carvalho, alcaide-mor de Tavira, e sobrinha-neta do condestável Nuno Alvares Pereira.

Ana de Mendonça, acompanhou Joana, a Beltraneja na sua vinda para Portugal, onde ficou durante algum tempo no Paço do conde de Abrantes - Lopo de Almeida, mordomo-mor de D. Afonso V, governador do Castelo de Abrantes, casado com Brites da Silva, camareira-mor de Joana, a Beltraneja.

Não é de estranhar que o nascimento de Jorge de Lencastre, em 1481, tenha ocorrido no Paço do Conde de Abrantes.

Continua a haver uma enorme polémica sobre a data da entrada de Ana de Mendonça para o Mosteiro de Santos em Lisboa. Para uns foi dias depois de ter o filho, para outros muitos ano depois, em 1508, quando oficialmente foi nomeada comendadeira. Desistiu dest cargo a favor da sua neta Helana, a 5/7/1542. Continuou, contudo, no governo do mosteiro, onde veio a falecer em 1549.   

(27) A tentativa de D. João II fazer de Jorge de Lencastre seu sucessor depois de 1491 está amplamente estudada. A principal por procurar a sua legitimação junto do Vaticano, mas o papa Inocêncio VIII recusou fazê-lo.

Este papa apenas autorizou o seu pedido de dar a Jorge de Lencastre o governo e a administração perpétuas dos mestrados das Ordens de Avis e de Sant`Iago. Assim que esta autorização chegou, D. João II, convocou de imediato comendadores e cavaleiros desta ordens militares, para a consagração do seu filho ilegitimo (Igreja de S. Domingos, 12/4/1492).

D. João II procurou por todos os meios engrandecer o seu filho bastardo, dando-lhe, por exemplo, os bens que pertenciam ao falecido principe.

D. João II, no inicio de 1493 mandou para Roma, uma embaixada com o objectivo de tentar obter do novo papa, a legitimação de Jorge de Lencastre. Era constituída por Pedro da Silva, comendador-mor de Avis, Fernando de Almeida, bispo de Ceuta e Diogo de Sousa, bispo do Porto.  Os resultados negativos obtidos por esta embaixada, foram-lhe comunicados em meados de 1493.

A rainha Dona Leonor foi uma das principais opositoras a esta sucessão. Cfr. Anselmo B. Freire - Rainha Dona Leonor, in, História e Crítica. Vol. I, Lisboa. 1910. Contou também com a oposição dos reis de Espanha.

(28) Pimenta, Maria Cristina; Silva, Isabel Morgado S. - As Ordens de Santiago e de Cristo e a Fundação do Estado da India. Uma Perspectiva de Estudo, in, Actas do Colóquio Internacional. A Alta Nobreza...

(29) Mendonça, Manuela - D. Jorge da Costa ...

 

 

Continuação:

 

27. Partilha do Mundo

28.Defensor de Portugueses  29. Patriotismo

30. Mentiroso e Desleal  31. Regresso da segunda viagem 32. Manobrador 

33. Assassino de Espanhóis

34. Impacto da Viagem de Vasco da Gama 35. Perseguido 36. Ocultação

37.  Armadilha Genovesa  38 Mercadores-Negreiros Italianos  39.  Genoveses a Bordo 

40. Descendentes de Colombo 41. Descendentes (cont. ) 42. Descendentes (concl.)

43. Historiadores Portugueses. 44. Lugares do Navegador em Portugal

45. Cronologia da Vida de Colombo

 

 

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As Provas de Colombo Italiano

As Provas de Colombo Espanhol

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  Carlos Fontes
 
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