Carlos Fontes

Olivença

Usurpação e Etnocídio

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Isolamento e Extermínio

 

     
   
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O povo português de Olivença, em 1801, recebeu a invasão do numero exército espanhol com um misto de surpresa e receio. Portugal não estava em guerra com a Espanha, porquê a invasão?

Muitos julgaram que se tratava de uma manobra de Espanha para iludir a França, para lhe mostrar que estava disposta fazer guerra a qualquer país europeu que enfrentassem Napoleão Bonaparte. Ao trair o seu vizinho, com a qual tinha relações pacíficas, dava uma prova suprema da sua fidelidade ao exterminador da Europa.

 

 

É verdade que muitos outros desconfiavam das intenções dos espanhóis. Não era a primeira vez que a Espanha procurava conquistar Olivença e havia massacrado a sua população.

 

 

A Ferro e Fogo

Após a ocupação, não tardou a população de Olivença a descobrir o que a esperava. Os espanhóis vinham para ficar, instalando aqui as suas tropas que maior apego demonstravam à causa do traidores que governavam a Espanha, e sobretudo que não recuavam perante a empresa que se avizinhava.

 

A população de Olivença estava sitiada, metida num redil, como os prisioneiros dos campos de concentração nazis. A única ligação com Portugal, a ponte da Ajuda, fora destruída pelos espanhóis. A língua portuguesa foi proibida, assim como a manifestação de qualquer sinal de identidade cultural. Todos os que se opuseram foram mortos.

O povo de Olivença isolado de Portugal sofre então uma das suas piores humilhações que qualquer ser humano poderá sentir: a negação da sua identidade e dignidade como pessoa. Sob a ameaça foi-lhes imposto que se tornassem espanhóis de corpo e espírito. Gerações e gerações dos que resistiram viveram esta experiência de puro terror.

Em 1806, a população sitiada e sem poder contar com qualquer apoio exterior revolta-se. Os espanhóis recuam, para de seguida reforçaram militarmente a praça de Olivença com novas unidades mais ferozes que as anteriores.

Cinco anos depois, os espanhóis abrem as portas de fortaleza de Olivença aos franceses que a ocupam. O objectivo é a partir daqui invadirem e tomarem Portugal. A violência dos combates com as tropas portuguesas e inglesas ultrapassa tudo o que se possa imaginar. Os franceses são derrotados, sendo a fortaleza de novo tomada pelos portugueses. Bedesford que governava Portugal, trai os portugueses e entrega Olivença aos espanhóis, tentado desta forma captá-los para o apoiarem na guerra contra os franceses. Aos portugueses é prometido que o assunto seria mais tarde resolvido quando fosse feita a paz geral.

A população de Olivença sofre um novo e brutal massacre, sendo aniquilada na sua maior parte. Neste cenário é difícil imaginar que houvesse alguém que continuasse a afirmar-se português, mas curiosamente houve-os. Mas todos os que restavam sabiam os que os esperava.  

 

  Terror, Pão e Touros

No princípio dos anos 20 do século XIX, Olivença é uma terra de mortos, governada por caciques que se haviam apossado dos bens das terras e casas dos portugueses e a sua guarnição militar comanda pelos mais reaccionários oficiais. 

Olivença não tarda a tornar-se na principal base de apoio às tentativas espanholas para fomentarem a guerra civil em Portugal. Em 1826, desta praça armada um esquadrão de cavalaria espanhola "deserta", para vir defender a causa da monarquia absolutista de D. Miguel, pretendente ao trono de Portugal. Este esquadrão, um dos primeiros que os espanhóis enviam, não tarda a semear a morte e a destruição pelo país. As grandes potências da Europa condenam a Espanha pelo financiamento e as incursões que levou a cabo, até conduzir Portugal para um novo banho de sangue, a guerra civil entre liberais e absolutistas (1826-1834). 

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A Espanha prosseguindo a sua acção terrorista sobre a população de Olivença, em 1840, proíbe o uso da língua portuguesa, reforçando ao mesmo tempo os mecanismo de aniquilamento das tradições portuguesas.

    

 
  Nesta orgia da morte, em 1856, a Espanha ergue em Olivença, o monumento que simboliza o seu domínio: uma magnifica praça de touros, para mais de 5 mil espectadores. O restava do povo português tinha aí possibilidade de evocar, nos sangue dos animais mortos, o sangue derramado pelos seus antepassados. Os invasores espanhóis e os traidores portugueses que também os houve, a possibilidade de glorificarem o poder da morte sobre uma cultura.

Esta relação entre praças de praças de touros e execuções humanas, virá a ser largamente concretizada durante a última guerra civil espanhola (1936-1939). Na estremadura elas foram os locais privilegiados de execuções, entre eles se contaram muitos habitantes originários de Olivença. A história repetia-se, não no plano simbólico, mas como uma manifestação real. 

Durante a ditadura franquista (1939-1975), o que ainda restava da língua e das tradições portuguesas em Olivença são totalmente proibidas. Apenas em segredo poderiam eventualmente ser mantidas. 

 

 
  Humberto Delgado: A Última Traição

Nas terras de Olivença, ir-se-á concretizar nos anos 60 uma das últimas traições da Espanha aos portugueses. Junto a Olivença, no dia 13 de Fevereiro de 1965 foi morto um dos símbolos da luta contra a ditadura (1926-1974). Salazar, contou com a conivência do governo espanhol para assassinar em Olivença o General Humberto Delgado. Um dos seus assassinos -Rosa Casaco-, vive ainda hoje tranquilamente em Espanha. 

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  Cripto-Portugueses

É dificil imaginar, depois da barbárie praticada pela Espanha ainda subsistam descendentes de portugueses em Olivença. Custa a crer que ainda sobreviva algo da de uma identidade sistematicamente negada. 

As pedras estão lá, mas as cabeças há muito que são as do invasor. Ao fim de dois séculos, a existência de uma identidade secretamente guardada pela população, é de todo improvável. Seria o mesmo que pedir a um Inca actual que se identificasse com os seus antepassados. Os sobreviventes que existem devem ser necessariamente esporádicos. O etnocídio foi aqui, como na América Latina, perfeito. A Espanha tem uma longa tradição neste tipo de crimes contra a humanidade. 

Estamos em crer que a actual população de Olivença é maioritariamente descendente de antigos de usurpadores espanhóis (ladrões, assassinos, violadores, etc). Há todavia alguns estudos surpreendentes que apontam para outras conclusões e que não podem ser descartadas: a existência de descendentes de portugueses. Gente que sobreviveu durante dois séculos a condições inacreditáveis de humilhação, discriminação e barbárie. 

Em 2005, uma investigadora da Universidade de Évora (Ana Paula Fitas), apresentou uma tese de doutoramento sobre a identidade cultural do povo de Olivença. Após dois anos de pesquisas junto da sua população, afirma que na sua maioria esta não se identifica com a Espanha mas com Portugal (Expresso,23/4/2005), embora se sinta magoada com o abandono a que foi votada pelos sucessivos governos portugueses. Esta conclusão não é nova. Em 1992, Carlos Luna (cfr. Nos Caminhos de Olivença), ao descrever uma incursão que fez por Olivença e as suas principais povoações, chegou às mesmas conclusões, mas com uma nota muito interessante: uma parte significativa das muitas pessoas com quem contactou tinha nomes portugueses. A Espanha ainda não tinha conseguido exterminar, em 1992, toda a população de origem portuguesa, muitos terão sido aqueles que haviam resistido à barbárie. Embora seja uma conclusão inacreditável, dada a experiência histórica que a Espanha revela neste tipo de operações, a verdade é que a mesma não pode ser descartada.  

 

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Dossier sobre Olivença

Inicio .1. Resistência . 2. Cultura . 3. A Tradição de Bolboa . 4. A traição de "nostros hermanos".  5. Isolamento e Extermínio.  6. A Legitimação da Usurpação.  7.Colaboracionistas  8. Outros casos de etnocídios. 9.Memorial  10. Bibliografia

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