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Portugal País de
E/Imigrantes
Durante séculos
fomos um povo de emigrantes, espalhamo-nos pelas diferentes partes do mundo. No
inicio dos 3º.milénio constatamos que também somos um país de imigrantes.
Constituem cerca de 5% da população, 11 % da população activa e provêem de
mais de 180 países. Números que só por si
revelam a dimensão do fenómeno e que necessariamente tem que ter
profundos impactos na sociedade portuguesa.
É preciso
todavia dizer que este é relativamente recente. Ainda nos anos 80 a imigração
era encarada como algo marginal ao tecido social.
No Censo de 1960, registava-se a presença de apenas 29 mil estrangeiros,
dos quais 67% provinham da Europa, 22% eram brasileiros e apenas 1,5% africanos.
Após o 25 de Abril de 1974, em resultado da descolonização, mas também dos
dramáticos conflitos que posteriormente devastaram a maioria das ex-colónias
portuguesas, aumentou sem cessar o número dos imigrantes africanos. Em 1980,
num total de 58 mil estrangeiros residentes em Portugal, 48% eram já
oriundos de África, 31% da Europa e 11% da América Latina. Apesar de tudo
estes valores eram pouco significativos em termos demográficos. A maioria
destes imigrantes continuava a estar fortemente concentrada na região da grande
Lisboa. O
grande surto da imigração em Portugal, deu-se nos anos 90, em virtude de uma série
de efeitos conjugados:
- A profunda crise em que mergulhou
o continente africano e a América Latina. O crescimento desigual da riqueza
a nível mundial tornou os ricos mais ricos e os pobres cada vez mais
endividados;
- A derrocada da ex-União Soviética,
a partir de 1989, entre outras conseqüências teve a de engrossar o
contingente de imigrantes à escala mundial;
- O desenvolvimento econômico que
se regista em Portugal, depois da adesão à CEE, em 1986, trouxe consigo o
crescimento exponencial das obras públicas que não tardaram a atrair
milhares de imigrantes.
A proveniência
dos imigrantes diversifica-se, e estes espalham-se por todo o país. Hoje nas
aldeias mais recônditas é possível encontrar imigrantes. Facto que só por si
constituí uma completa novidade.
O
Quadro Negro do Acolhimento
A presença
dos imigrantes desperta sempre sentimentos e reacções contraditórias, mesmo
quanto estes vêm suprimir recursos humanos que escasseiam, e que se perspectiva
que se venham a agravar ainda mais no futuro.
À semelhança
do que ocorre em todos os fluxos emigratórios, repetem-se em Portugal os mesmos
problemas e dramas humanos: Seres humanos violentados nos seus direitos mais básicos.
Trata-se uma dimensão de imigração exposta e explorada quotidianamente pela
imprensa. Importa agora destacar alguns dos seus aspectos.
Entregues à
sua sorte, em terra amiga mas estranha, se não na língua, pelo menos na
cultura, hábitos e costumes, estes imigrantes sofrem de três terríveis males:
a precaridade de condição, a solidão e falta de interpretes fiáveis
com a realidade em que vivem.
O primeiro do
males marca desde logo o imigrante, remetendo-o para os piores trabalhos e condições
salariais. O imigrante faz o que os naturais se recusam a fazer, as suas
escolhas são mínimas. Por mais qualificado e produtivo que seja está, em
geral, “condenado” a receber
muito menos pelo seu trabalho. Neste caso também aqui trabalho igual não
significa salário igual.
O segundo mal
- a solidão -, produz freqüentemente a tendência para os comportamentos
auto-destrutivos (suicídio, alcoolismo, etc. ). Trata-se de um drama vivido
intimamente pela maioria dos imigrantes que por vezes conhece um desfecho trágico.
O
terceiro decorre das dificuldades de comunicação. Vivendo uma situação de
enorme fragilidade, os imigrantes procuram entre os seus pares a segurança e
força indispensável para enfrentarem as diversas situações. Se a sua
comunidade vive em alojamentos precários, será provavelmente nestes ambientes
degradados que se fará a sua integração social. Esta integração torna-se
deste modo no primeiro passo para um longo processo de auto-segregação que os
irá impedir de se afirmarem na sociedade que os acolhe.
Mais
tarde, estas situações que foram aceites como “naturais”, serão vividas
pelos seus filhos como humilhantes e discriminatórias.
É neste contexto que a questão
os seus direitos, está quase sempre no fim de uma longa cadeia de aspirações
e desejos, onde à cabeça estão preocupações mais imediatas como a sobrevivência,
o trabalho, o alojamento, a legalização, o português com língua de comunicação,
a família, etc. Este é um dos pontos fundamentais que condiciona a afirmação
e integração dos imigrantes na sociedade e os leva a aceitarem, por vezes,
situações reconhecidamente degradantes.
Para a população que os recebe, a
vinda de estrangeiros para se fixarem e trabalharem no seu país, é entre
outros aspectos marcada pela dimensão do seu número. Poucos passam
despercebidos e sobretudo são facilmente integráveis. Mas quando são bastante
significativos, como é o caso actual em Portugal, não deixam de despertar reacções
que se podem traduzir em sentimentos de ameaça. Ameaça por uma possível
diminuição dos empregos disponíveis, mas também pelo medo uma perca da
identidade cultural. É neste terreno movediço, onde se alimenta o racismo e
xenofobia, que muitos atentados contra os direitos humanos são cometidos. Nem
sempre estas reacções se manifestam de forma flagrante, freqüentemente
assumem uma dimensão institucional. As estatísticas demonstram que a
probabilidade de se ser preso e severamente punido é muito maior para os
imigrantes do que para os portugueses, excepto se estes forem negros.
Reconhecimento
da Dignidade e dos Direitos
A questão da imigração não pode ser
separada da questão mais vasta dos direitos humanos. É preciso em primeiro
lugar pôr fim à lógica utilitarista dominante, onde os seres humanos são
encarados como mera mercadoria.
No actual
contexto português, no quadro de um projecto humanista assente na convicção
que é possível construirmos um mundo de seres humanos livres e iguais em
direitos e dignidade, destacamos alguns objectivos mobilizadores:
- A
promoção de políticas de integração que garantam a todos os
trabalhadores imigrantes um tratamento igual a todos os trabalhadores
nacionais, e assegure a todos eles, legais ou ilegais, o respeito pelos
direitos humanos. Como a experiência demonstra esta é a forma mais conseqüente
para acabar com o tráfico e a
escravatura de seres humanos.
- A
promoção do conhecimento da língua portuguesa entre os imigrantes. Sem a
aquisição deste instrumento básico de comunicação é sabido que os
imigrantes se tornam presa fácil dos mais “variados interpretes locais da
realidade”, nomeadamente de redes mafiosas.
- A
promoção do conhecimento da identidade cultural dos vários grupos de
imigrantes, de forma a possibilitar o seu efectivo reconhecimento como seres
humanos, ultrapassando a sua humilhante identificação como meros
instrumentos de trabalho. Na verdade só se está disponível para aceitar
como igual aquilo que se conhece.
4.
O empenho efectivo do Estado na solução das questões relacionadas com
a imigração clandestina, nomeadamente através de acordos bilaterais entre os
países de e/imigração, projetos de cooperação específicos e oportunidades
mais amplas de obtenção da permanência legal no pais.
5.
A formação dos agentes da Administração Pública sobre a realidade da
imigração, o respeito pela dignidade de cada pessoa, independentemente de sua
origem.
6.
A
denúncia e o combate ao tráfico de seres humanos.
É preciso,
por último, promover uma concepção positiva da imigração a partir daquilo
que a história nos mostra. A imigração não constitui uma ameaça à
identidade cultural dos povos, mas pelo contrário representa uma enorme
oportunidade para que estes se enriqueçam com novas experiências e saberes
alargando-lhes os horizontes.
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