Histórias

     
   
 

O Salto

 Belarmino Duarte Batista

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Capítulo II

A Odisseia da Partida                     

Entretanto a Europa para lá dos Pirineus, aquela que foi desmantelada e sofreu no corpo e na alma as atrocidades nazis da II Grande Guerra, começava a erguer-se a caminho do progresso, já recomposta da écatombe que tinha  sofrido, sem que nós, país para cá dos Pirineus, (e sempre com os olhos postos no continente africano devido às possessões ultramarinas,) nos apercebece-mos desta caminhada para o desenvolvimento.

E eis que alguem descobre essa Europa !. Essa era a salvação...já não era Lisboa, mas sim mais longe;  longe... diferente na lingua e nos costumes.

FRANÇA...FRANÇA era a palavra mágica… era a aventura .

E aqui começa um <êxodo> quase colectivo, principalmente das aldeias e pequenas vilas rurais, de milhares e milhares; um drama que até hoje infelizmente ainda ninguem com conhecimento directo dos factos, teve a disposição de transcrever para a posteridade, para que as gerações vindouras, filhos desses emigrantes da aventura, tenham conhecimento deste êxodo de fuga á miséria.

Drama esse que só os proprios emigrantes poderão descrever com os seus depoimentos,  aqueles que felizmente não ficaram pelo caminho da aventura em acidentes nas estradas,  nos trabalhos ou simplesmente cumpriram o seu circulo natural da vida. E é pena; pois esta época mudou totalmente a façe da grande maioria das pequenas  e médias povoações do nosso Portugal e podemos afirmar, acordou o povo português do sonho ilusívo e do marásmo em que vivia.            

A partir daqui os contactos com um mundo diferente, vieram trazer novos ensinamentos  e nova visão  da forma de viver  a estes pobres aldeões. Foi o princípio do despertar.                                                                                  

E para se procurar ganhar o pão de cada dia e uma vida mais digna para si e para os seus , ou fugir as guerras ultramarinas  na Guiné, Angola ou Moçambique, o passar  as fronteiras destes dois países da Peninsula Ibérica é quase o mesmo que passar a cortina de ferro de Berlim.

Esta é  para mim a pior época do regime de Salazar, aquela que se contrasta mais  a si propria;  “inimigo acérrimo do comunismo, pratica-o com o mesmo rigor com que o condena”, tentando manter o povo afastado das realidades pela deturpação das noticias e a privação do livre contacto humano com outros povos.  

Assim o poder sair livremente deste Portugal não era para todos, mas sim só para alguns. Aos protegidos do regime convinha haver desemprego, que originava mão de obra barata e á disposição, por isso a política era a de dificultar e mesmo impedir  a todo o custo, a saída dessas fontes de mão de obra que eram o povo; esse povo da provincia e aldeias, que lhe proporcionava uma grande disponibilidade de recurssos humanos a longo prazo para quando o necessitassem. Assim se vivia neste país que era só de alguns e em que Portugal era só Lisboa e pouco mais … o resto era paisagem, como então se dizia.                                             

Porem a estratégia não surtiu os efeitos desejados e lentamente...este povo heróico, pela calada  da noite, misturado e tratado como animais, se necessário, ia-se escapando ... dando o <salto>, ainda que com grandes riscos físicos e materiais . Mas nada mais havia a fazer ... hesitar, era perder a carruagem da Europa e eles não hesitaram. Milhares e milhares, de todos os cantos  e aldeias desta Patria à beira mar adormecida, tomaram a grande carruagem  da Europa e  nada os assustou. Não o tivessem eles feito e o que seria hoje  o nosso Portugal. A ansia de procurar melhores condições de vida era grande e por isso, dar o <salto> era uma facêta do dia a dia, ou melhor, noite a noite.

A estes heróicos aventureiros nada os  assustava e assim se aventuraram eles a atravessar esta cortina de opressão, fugindo  às escondidas pela calada da noite, como se o desejar trabalho para angariar pão para os filhos, fosse um crime! mas era-o, infelizmente. E muita sorte teriam  se não aparecesse uma patrulha traiçoeira que os metesse nas grades da prisão ainda dentro da  propria  Patria.

Patria a que por vezes se tomava raiva e odeava nos momentos difíceis, como se essa Patria fosse a culpada…mas outro sim, alguns que dela faziam parte e nela impunham as suas leis.  Mas estes recentimentos eram momentâneos ; ocasionais reflexos da situação em  que então se vivia, porque no fundo, lá estava o amor a tudo o que o viu nascer e por conseguinte à  propria Patria.

E a prová-lo esta a nova habitação que anos depois constroi na sua aldeia.    Este drama da emigração começa a sê-lo, logo no inicio da partida.

É uma odisseia que é difícil a um quase iliterado como eu, transcrevê-la para o papel, mas que tento dar uma achêga dentro das minhas possibilidades, porque a vivi noite e dia assistindo durante anos e anos a esta sangria humana , vendo partir irmãos, familiares  e amigos  que deixavam as aldeias quase desertas... até que chegou tambem a minha vez. Porem a minha ocupação, motorista de praça, assim o permitia; verificar e sentir ainda mais esta sangria humana.

 

Continuação

 

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