Capítulo
III
O Começo da Nova Vida
Passados os primeiros meses de trabalho e recebidos
os primeiros salários, (que seriam
de miséria para o cidadão francês,) mas para os emigrantes muito melhores dos
que recebiam na sua terra, os primeiros cheques começavam a chegar de França
com as instruções para a esposa, para o pagamento da importancia pedida para a
viagem.
Normalmente os emigrantes contraíam empréstimos
para a viagem do”salto” além de outros empenhamentos que já tinham, como
por exemplo com o padeiro, o merceeiro, etc. Estas situações tornavam-se crónicas
no modo de vida levado em Portugal, por estas alturas.
(Meus pais e familiares tinham estabelecimento de
mercearia e padaria e disso tenho conhecimento pessoal.) As dividas eram uma
constante da vida do povo e os comerciantes suportavam endivídamentos da grande
maioria dos clientes, sem que muitos deles tivessem a mínima possibilidade de
os pagar.
Porem; a emigração veio desbloquear esta situação
e trazer uma nova vida às aldeias deste Portugal rural. Pagaram-se dívidas que
de outra forma era impossível fazê-lo, consumia-e mais, as transáções do
comércio aumentaram substancialmente e
a aquisição de propriedades rurais e construção de moradias,
tornou-se um facto normal.
Porém no que respeita ao comércio, foi sol de
pouca dura, pois os emigrantes cêdo começaram a levar as familias para junto
de si, como era de esperar, o que provocou o encerramrnto de muitos pequenos
estabelecimentos.
As velhas aldeias, iam-se tornando novas,
materialmente e envelhecendo humanamente. Contraste que ainda hoje predomina em
todas as zonas que sofreram a emigração dos anos sessenta 60/70.
Porém começava a sentir-se mais confiança no
futuro; havia já algum dinheiro e a possibilidade de amealhar mais uns tostões.
Amealhar era a ideia do emigrante da aldeia,
habituado a uma vida de sofrimento e privações, não fosse aquele “Brazil”
acabar.
Nesta altura, nota-se uma animação no vai vém dos
emigrantes para arranjarem os documento necessarios para levarem a familia para
junto deles.
Movimentan-se já diariamente os cadúcos automoveis
de praça das aldeias, e quem quiser participar neste movimento, tem que
adquirir um novo “Mercedes,” (o mesmo que eu fiz) que apareciam todos os
dias nas sedes de concelho, empoeirados de tal forma que mais pareciam vir de um
deserto africano, visto que a maioria das estradas não eram
alcatroadas.
Enchiam-se as Repartições Publicas e as táscas de
comes e bebes; as sedes de concelho começavam a lucrar com os emigrantes, mais
do que as próprias terras de origem. Entretanto as crianças começavam a calçar
os primeiros sapátos e a vestir mais decentemente, assim como todo o agregado
familiar.
Principalmente na época de verão, a animação e o
colorido das aldeias já não eram o mesmo do antigamente.
Os cafés começaram a aparecer nas aldeias, para
substituir as antigas tabernas, embora a função destes fosse exactamente a
mesma, só com a diferença de
terem uma televisão e mobiliário mais agradável.
Já se bebiam umas cervejas, bebida que outrora era
só de ocasião, ou para os
ricos. Entretanto começaram a consultar-se os constructores civis que nesta época
iam flourecendo, para a construção
de habitações e a pequena aldeia vai aparecendo com umas manchas coloridas,
vista de longe.!
É o dinheiro da França!; houve-se esta frase da
boca de todos...e na realidade assim era. Desmoronava-se a velha casa que os
seus antecessores deixaram e erguia-se outra nova, compravam-se terrenos para a
edificação de outras, alargava-se a povoação em todas as direcções.
No entanto a sangria da força humana continuava o
rumo da França; rara era a noite em que não fossem mais uns tantos; primeiro
os pais, depois os filhos mais velhos, aqueles em idade de trabalhar e mais
tarde todo o agregado familiar; e assim continuou por vários anos o emigrante
português a procurar a Europa para lá dos Pirineus…em busca de melhores
condições de vida.
Continuavam a fugir os jovens em idade militar e
mesmo a desertarem alguns que já no exército serviam, pois a guerra no
Ultramar continuava a precisar deles e muitos mais para a fogueira e isso é que
muitos não queriam…e muito bem. Valia mais ser-se escravo em França, do que
morrer retalhado por uma catana, na Guine, Angola ou Moçambique, assim diziam
muitos.
É certo que se sugeitavam a não voltar mais à
Patria, a não ver a familia e os amigos quem
sabe por quantos anos, a ser exilados dum regime.
Mas à sempre a esperança de um dia haver uma mudança,
nem que seja a bastantes anos de distancia ! e na realidade essa esperança
apareceu no dia 25 de Abril de 1974.
Esse sonho de um dia poder voltar à Pátria, livres e
sem receio; de poderem novamente vêr os “seus” concretizou-se; valeu
a pena tentar o “salto”, era uma fuga de sobrevivência.
Continuação
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