" Navegando na
Filosofia possui já uma pequena história, reveladora em certo sentido dos problemas que enfrentam
os professores nas escolas secundárias, quando pretendem inovar nos
seus métodos pedagógicos.
No meu caso tudo começou
quando no final do ano lectivo de 1998/99, apresentei no Grupo de Filosofia da
Escola Secundária de Padre António Vieira, em Lisboa, uma proposta para que
fosse utilizada a Internet como recurso pedagógico nas aulas de filosofia. As
razões porque o fiz foram as seguintes:
Em primeiro lugar, como professor,
constatava o crescente interesse dos alunos por este meio de comunicação e
informação. Era evidente a apetência e motivação dos alunos por tudo o que
envolvia "computadores" e em especial a Internet.
Em segundo lugar, após vários
contactos com este meio, não me foi igualmente difícil apontar várias potencialidades
que poderiam ser exploradas na utilização desta tecnologia no ensino,
nomeadamente a pesquisa de informação pelos alunos ou a partilha de
recursos entre os professores.
Após alguns meses de indecisão,
resolvi iniciar sozinho o projecto. Uma coisa é
todavia a ideia, outra a sua
concretização.
O meu primeiro obstáculo
residia no desconhecimento dos
procedimentos técnicos necessários à construção de páginas na Web. Para
além de algumas leituras sobre esta tecnologia, pareceu-me fundamental
encontrar alguém que me pudesse dar um apoio técnico inicial.
O segundo obstáculo que tinha
pela frente estava na própria produção de textos (os célebres
"conteúdos" ). Não se tratava produzir simples textos par serem
fotocopiados, mas concebe-los de forma a serem veiculados neste novo meio,
dado que admitia que teriam que ter algumas características específicas. O
problema era saber quais eram. Apesar de tudo tinha a convicção que este
não era o maior obstáculo que tinha que ultrapassar se queria concretizar o
projecto.
Por um mero acaso, ou talvez
não, o professor de
informática da escola - Luís Balão - em Setembro de 1999 disponibilizou-se
para me apoiar, dando-me as instruções necessárias para começar a
construir as primeiras páginas. Foi uma fase difícil, já que executava
muitas tarefas sem ter muitas vezes consciências das suas implicações
reais. A norma era repetir as instruções do "mestre" até que
fosse capaz de as executar sem grandes hesitações.
Por razões práticas, decidi
começar pela elaboração de recursos didácticos para o 10º. Ano.
Estabeleci então alguns princípios
teóricos a que os mesmos deviam obedecer. Elaborei também um roteiro
de temas que devia obrigatoriamente contemplar. Os textos deviam ser
constituídos por pequenas histórias, onde estivessem presentes os conteúdos
do Programa de Filosofia.
Entretanto as aulas começaram,
e eu ainda não tinha qualquer texto na Internet. A aprendizagem das questões técnicas
"roubavam-me" imenso tempo.
Durante o mês de Outubro foi
forçado fazer certos compromissos com os métodos anteriores, ou mesmo a
adoptar soluções de recurso de forma a viabilizar a iniciativa.
Primeiro foi
"obrigado" a conciliar estes novos recursos com o "manual"
escolhido pelo grupo disciplinar. Após uma avaliação à minha própria
produção de textos, e aos que estavam disponíveis na Internet, não me
pareceu exequível tratar todos os temas do programa só com base em materiais
recolhidos neste meio.
Por último, foi forçado a
encontrar uma forma de superar a
falta (ou indisponibilidade) de salas equipadas com computadores com ligação
à Internet. A solução encontrada foi fotocopiar os textos disponíveis na
Internet e distribuí-los nas aulas.
A utilização da Internet como
um recursos didáctico nas aulas de Filosofia, entendi que
deveria ser acompanhada de um
plano individual de reflexão
crítica destes meios, nomeadamente das suas implicações no processo de
ensino-aprendizagem. A experiência devia tornar-se num verdadeiro estudo de
caso, com características similares a um "portfólio". Dei-me conta
que se não o fizesse, esta produção de recursos pouco ultrapassaria a mera
dimensão técnica, ou de uma utilização "ingénua" de um novo
meio de informação e comunicação. Neste sentido, paralelamente à elaboração de recursos didácticos,
passei a editar várias reflexões pedagógicas em torno da experiência em
curso, ou sobre domínios que considerei relevantes para a perspectivar.
As primeiras aulas decorreram
de uma forma algo turbulenta. A maioria dos alunos nunca tinha acedido à
Internet, embora houvesse um número razoável de verdadeiros especialistas.
Estes últimos procuraram desde logo aproveitarem a ocasião para demonstrarem
os seus conhecimentos, não na matéria em estudo, mas na navegação... O
entusiasmo, por parte dos alunos foi enorme. Neste sentido não
defraudou as expectativas. O seu comportamento pouco se afastou daquele que é
descrito nos diversos estudos sobre a utilização
dos computadores na sala de aula. As aulas seguintes decorreram de forma mais
ordeira. Todos já sabiam como ligarem o computador, acederem à respectiva
página na Internet. Aumentou também a tendência para resolverem
rapidamente os exercícios, a fim de passarem a outras páginas, e sobretudo
aos "chats" que ouvem falar. A Internet é mais facilmente
apreendida pelos alunos, como um novo meio de diversão, do que, como um novo
meio de acesso à informação significante geradora de novos conhecimentos.
A avaliação no primeiro
período colocou-me novos desafios. Não devia também
"experimentar" este novo meio no processo de avaliação dos alunos?
Mas como? Comecei então a trabalhar num tipo de
testes, cujas questões remetiam invariavelmente para duas únicas
opções - "certo ou errado". Era muito pouco numa disciplina que
cultiva a conflitualidade das interpretações, a exploração da complexidade
do pensamento. O modelo de ensino a que estava a ser remetido era para o
do ensino programado. A exploração de novas soluções técnicas, ao longo
do 2º. período, permitiu ultrapassar certas limitações dos primeiros
testes, embora duma forma ainda pouco satisfatória. Comecei então a ensaiar
testes para auto-avaliação que procuram contemplar três níveis de
avaliação:
a) a capacidade de percepção lógica das questões e seu
encadeamento;
b) a informação sobre os conceitos utilizados;
c) a
compreensão das problemáticas em discussão.
Em Abril, continuava envolvido
na resolução de problemas técnicos, e o ensino que ministrava, apesar de
todas as inovações, era ainda fundamentalmente baseado em aulas
tradicionais, dada a raridade de materiais na Internet adaptáveis ao
programa.
Não é
fácil inovar foi esta a rápida constatação a que cheguei. A falta de tempo
para dar conta de todas as tarefas, tornou-se subitamente o principal obstáculo
que quotidianamente tenho enfrentado.
Após vários meses de
experiência, tornou-se também evidente que a informação veiculada através
da Internet não pode descurar o próprio meio. Assim passei a ser confrontado
com dois modelos extremos de organização das páginas:
a) A construção de páginas
abertas a outras páginas, onde os conteúdos se reduzem textos de
contextualização da informação, remetendo para outras páginas na WWW o
seu desenvolvimento.
b) A construção de páginas
fechadas em "micro-mundos", onde a coerência do discurso e das
ambiências são maiores, mas exigindo um redobrado esforço de produção.
A opção não é fácil. Apesar de todas as dificuldades,
sobretudo técnicas, mas também logísticas, a experiência prossegue.
Mais que não fosse, tem-se revelado um excelente processo de auto-formação nestas tecnologias.
Recomenda-se portanto.
Quando terminou o ano lectivo
de 1999/2000, a avaliação da experiência que então foi realizada,
revelou-se um dos momentos mais ricos de ensinamentos para todos os que nela
participaram. Em breve daremos conta das conclusões mais relevante, e em
particular das recomendações para o próximo ano.
Junho
de 2000."
"Carlos Fontes"