Capítulo
I
As Causas da Partida
Corria a década de 1950/60; nesta Pátria ao longo
do Oceano Atlântico, no país mais ocidental do continente Europeu, vivia -
se
em relação ao mesmo 30, 40
ou 50 (?) anos atrasado. Vivia -se do que se tinha !
Nas poucas grandes urbes, ia-se vendo qualquer coisa
de novo, como novos edifícios, arruamentos com novas urbanizações, alguns
milagres da técnica que vinham de fora, tais como automóveis, rádios
transistores e por último a televisão, etc.
Mas nestas Beiras do interior, no norte Transmontano e Alentejo, vivia-se
num mundo qualquer coisa como nos
tempos medievais. A própria aparência destes povoados assim o demonstrava.
Vivia-se na escuridão, apenas quebrada pelos raios
de luz do virginal azeite.
Informação !… Cultura !… Como
? As próprias ondas da então Emissora Nacional,
chegavam atrofiadas, (não havia os emissores
regionais) onde havia electricidade e as numerosas povoações rurais do
interior não a tinham.
Jornais ? Impossível ! Quem sabe ler ? E habitos
de leitura ? E dinheiro para a mesma ? Vivia-se
do que a terra dava e nada mais. Cultivava-se a terra
para se sobreviver.
Nestas Beiras do interior assim como todo o Norte,
salvo algumas pequenas excepções,
não existe a generalização da grande propriedade assim quase todas as pessoas
possuíam um pouco de terra, herança
dos seus antepassados. Terra que não
dà para nada, mas que chega para
se entreterem plantando umas couves, semeando umas batatas, feijão,
milho, etc.
Assim
bocadito aqui, bocadito ali, dispersos uns dos outros por alguns kms de distancia,
assim ia mourejando este povo das
províncias interiores ocupando-se toda a família, mulher e filhos, numa azáfama
para arranjar qualquer coisa com que entreter o estômago ao longo
do ano.
Assim se criava um porco, se tinha uma cabra para
se não comerem só legumes e cereais. Também
haviam umas oliveiras para darem uns litros de azeite
que eram poupados para darem para todo o ano.
O chefe de família de vez em quando dava uns dias
de ajuda ao <senhores> da
terra que tinham mais uns prédios e assim poder
arranjar alguns escudos para fazer face a alguma despesa imprevista que
aparecesse ou a uma doença.
Só compravam o jornal a Sra. Professora e algum
comerciante, não todos, mas só quando iam à “Vila,” nome dado à cidade da Covilhã, sede do concelho.
O Pároco também o recebia, das autoridades eclesiásticas.
E era tudo.
Ambições ? Quem as poderia ter ? Que futuro ?
Assistência Médica? Quando
alguém adoecia ?
Burro bem aparelhado, com cobertor a tapar misérias,
doente em cima do animal, outra pessoa guiando o mesmo (porque aqueles caminhos
eram diferentes dos que o animal percorria todos os dias
e já conhecia de olhos
fechados) e assim se alcançava o Médico a uma dezena de kilometros de distancia, depois de 2 ou mais horas de caminho à mercê dos caprichos climatéricos.
Ou então esperava-se pelo Sr. Doutor (se as circunstancias do doente o
permitissem) que
visitava as povoações mais ou menos semanalmente, trabalhando em cima
de uma mesa, dando injeções e observando os doentes à luz da candeia.
Mas esta regalia nem todas as povoações a tinham.
A minha aldeia tinha-a graças ao serviço do médico
duma aldeia vizinha, do Paul, que visitava as aldeias próximas usando o seguinte
sistema. A esse doutor pagavam as gentes da aldeia uma tença
de harmonia com o agregado familiar, por exemplo um alqueire (20 litros)de milho,
ou de azeite (12 litros) por ano para beneficiarem dos seus serviços.
Tal como
nos tempos medievais. Assim se
vivia do que havia. A maioria das pessoas usavam os produtos da terra, como
forma de pagamento. De uns tantos em tantos anos, (pelas eleições) apareciam
uns Senhores da Vila que vinham até ás aldeias e a quem faziam umas
grandes festas, mostrando-se-lhes o melhor que havia (?).
Ocultando-se-lhes o pior; casas em ruínas, mas
habitadas, onde se criavam famílias nas piores condições sanitárias, ruas com
estrumadas, que sem as mesmas eram intransitáveis no inverno e em que o estrume
era necessário para a lavoura, pois para adubo químico não havia dinheiro, nem
por vezes tão pouco quem o vendesse. Era
nesta altura também que a rua principal era varrida.
Depois da visita desses Senhores ficavam
algumas ilusões!!! As pessoas à noite, reunidas na taberna à luz do petróleo ou do gazómetro, vaticinavam: Será desta que arranjam a rua ?
Que vem a electricidade ? Esgotos ?…
Isso era fino de mais para falarem
em semelhante coisa.
Passado algum tempo era enviada para o Sr.
Presidente da Junta, uma brilhante placa de mármore, com o nome de um desses
<Senhores> para ser colocada no largo principal da povoação, que ficaria
a ter o seu nome.
E era tudo. Melhoramentos
? Talvez para a próxima, diziam as
pessoas.
Nestes largos normalmente existia um chafariz que
fornecia água à povoação
e um tanque onde os animais iam beber, mas que infelizmente, na maioria dos
casos, só dava água no Inverno e pouco mais.
No Verão, quando ela era mais precisa, não chegava
lá, ou era em tão pouca quantidade que as pessoas tinham que passar horas e
horas e por vezes a noite, para conseguir uma vasilha ou duas do precioso lìquido.
Esse largo mais parecia uma feira de vasilhas de
toda a espécie, ou uma multidão no deserto à espera do maná.
Aquele pequenino e precioso caudal de água, era
disputado por todos com o rigor da sobrevivência. Alteravam-se os ânimos, as mulheres discutiam e os cântaros
de barro partia-se, ou os de chapa amachucavam-se, alvoraçava-se a povoação com o barulho da discussão.
Havia gargalhada com fartura pelos que presenciavam
em redor; um espectáculo triste, mas que era o único a que se podia assistir
nestas aldeias.
Assim se passava o tempo e se perdiam noites para se
conseguirem uns míseros litros do
precioso líquido. Infelizmente
esta situação ainda hoje se mantém em muitas povoações, embora com menos equidade do que antigamente.
Entretanto as pessoas iam contemplando a brilhante
<placa> ali mandada colocar mesmo por cima do chafariz, pelo Presidente da
Junta, homem paciente e conservador, um pacífico cidadão que vivia do seu
pequeno estabelecimento e algumas propriedades
que os seus antecessores lhe tinham deixado, ou duma reforma alcançada
ao longo de muitos anos de trabalho numa ocupação do Estado, como cantoneiro,
Policia, GNR. etc.
Este tipo de cidadão era o preferido para os cargos
oficias nas aldeias.
Assim se ia vivendo nestes pequenos povoados, e
tantos há, nestas outrora terras de Viriato.
Este era o panorama geral do país rural, das pequenas aldeias, mais
propriamente do interior..
Entretanto no início da década de 1950, começavam
a aparecer os primeiros edifícios de escolas novas, começou-se a expandir mais
o ensino primário; nota positiva, embora tardia, desta época. E esta nova geração
começava pelo menos a saber ler e escrever, coisa que os nossos pais não
sabiam.
Depois de terminados os quatro anos de escolaridade obrigatória, onde se aprendiam os básicos ensinamentos do ler e escrever (os únicos que adquiri e possuo oficialmente) por vezes graças ao brio profissional
de alguns professores/as, dentro de limitadas condições, sem material pedagógico
próprio e adequado e sobrecarregados com alunos de diferentes classes, assim
apareceu a nova geração dessa época (na qual me incluo) disposta a tentar
viver uma vida mais digna. Mas
que fazer ? Dores de cabeça
para os pais.
A vida na aldeia não dá futuro; ficar-se ali seria
ficarmos condenados ao mesmo marasmo em que viviam os nossos pais.
Tal como eu, que entretanto tinha saído da escola
com a instrução primária, só havia um caminho a seguir: Deixar a aldeia e
tentar a vida na cidade, optando-se na maioria dos casos pela grande Lisboa.
Outras cidades da província, próximas da nossa terra
de origem, eram tentadas mas, como maior ponto de atração era a grande Lisboa.
Mas como lançar uma criança da aldeia, na cidade,
onde não se conhece nada ou quase ninguém ?
Era problema de difícil solução para esses pais
que desejavam proporcionar um futuro melhor para os filhos.
Um familiar ou parente ou amigo, (quem os tinha!)
era contactado na capital, para onde era enviada a criança com os seus doze ou
treze anos de idade acompanhada de alguns
produtos agrícolas , um saco de batatas ! um garrafão de azeite! sei lá!
Qualquer coisa do que havia na
aldeia e se podia dispor.
Que mais poderiam
dar estes aldeões ? Chegados
à cidade, que fazer ?
Marçano; empregado numa taberna ; carvoaria, etc.
Aí se comia e dormia e se amealhavam alguns poucos
escudos, que mal davam para o vestuário, trabalhando desde as 6 da manhã até
as11... meia noite, sem dias de folga, sempre no mesmo ambiente de taberna,
ouvindo o relato do futebol aos domingos para quebrar a monotonia, enquanto se
serviam os copos de três, coisa que para nós crianças duma aldeia
onde não havia electricidade, era jà um passatempo, o único que nos era
proporcionado... ouvir o relato da bola.
Quando recebiamos carta dos nossos pais, nós crianças
ainda a necessitar do carinho da nossa mãe, os nossos olhos enchiam-se de
lagrimas lembrando a pequena aldeia onde fomos criados até então e tinhamos os
nossos amigos, as nossas recordações de infância e os que nos eram queridos.
Assim, pobres crianças enfrentava-mos cedo o drama
da imigração e a separação dos nossos.
Ali não
encontravamos a palavra meiga da nossa mãe ou o sorriso inocente e belo dum
pequenino irmão, que deixámos no berço e com quem brincavamos ainda, nem as carícias ternas dos nossos avós.
Ali encontravamos sim as palavras ásperas dum patrão
que as seis da manhã nos acordava pondo-nos o corpo a descoberto, dizendo:
vamos lá levantar rapaz ! que são horas!…
Assim se passavam os primeiros anos da nossa
mocidade. Assim convinha aos proprietários
destes estabelecimentos que encontravam mão de obra barata e que alguns,
faziam destes pobres moços quase uns escravos; e digo quase porque, a escravidão
não era praticada oficialmente.
Na aldeia, quantas vezes os nossos pais eram
explorados no mesmo sistema, pelos <senhores> das grandes
propriedades.
Assim se vivia e embora com dificuldades, muitos iam
deixando as aldeias em busca de uma
vida mais digna , nas grandes cidades.
Ai se formavam os chamados “ Bairros da Lata”,
verdadeira miséria, onde os pobres aldeões iam viver…em piores condições
do que por vezes na sua própria aldeia.
Porem havia trabalho e algum dinheiro e a
possibilidade de conseguir um futuro melhor para os filhos. Havia a esperança
de um dia conquistar uma vida melhor e abandonar aquele Bairro da Lata.
Quando? Talvez nunca!...
Mas havia a esperança!…
Muitos outros tinham vindo e conseguiram alguma
coisa.
Não há que desanimar. Assim diziam e faziam.
Por todas estas condições sócio
- económicas em que viviam e se arrastavam por gerações e gerações, os Portugueses mais
desfavorecidos procuravam longe da terra e da Pátria que os viu nascer, uma vida
mais digna para eles e para os seus.
Assim o emigrante português se espalhou por todo o
mundo, encontrando-se presentemente em todos os continentes; nas longínquas Australia, Asia, Américas, do Norte e Sul, África e aqui às portas… na
Europa.
São dois milhões e quinhentos mil aproximadamente,
segundo dizem as estatísticas, uma verdadeira nação fora da Patria-mãe, mas
que não esquecem a pequenina
aldeia que lhes serviu de berço, nem o Portugal donde são oriundos, que desde
o século XV se habituou a ver partir os seus filhos embalados na aventura.
É uma uma realidade que o Portugal Ibérico por vezes não se tem dado conta.
Felizmente que os últimos governantes já estão a
reconhecer esta realidade e têm no Presidente da Republica, General Ramalho
Eanes um grande percursor.
E, a prová-lo
estão uma série de medidas tomadas recentemente, como a expansão do
ensino de português aos filhos dos emigrantes, subsídios para o efeito a
Associações de emigrantes, programas de Radio e Televisão, filmes etc. alem
de facilidades sobre a importação de bens e outras vantagens.
Tudo isto se tem vindo a acentuar ultimamente, dando
provas de que a grande família emigrante portuguesa, não foi esquecida e começa
a ser considerada.
O contacto entre
as coisas da Mãe-Patria e as comunidades emigrantes espalhadas pelo mundo, começa a sentir-se mais e
a ser mais frequente.
Ainda recentemente, em Outubro de 1978 quando da
visita do navio escola Sagres a
Vancouver
-
Canada, cidade onde resido, ao conversar com um dos
marinheiros a bordo, ele fez esta afirmação; "Quando partimos de Lisboa, o
Senhor Presidente da Republica esteve a bordo a despedir-se da guarnição e
disse que levasse-mos uma saudação para todos os portugueses ausentes, nas
terras que visitasse-mos".
E assim foi Senhor Presidente da Republica, tenha a
certeza de que a
Sagres e a sua tripulação foi uma saudação viva, do nosso
País, que muitos, tal como aqui nestas costas do Pacífico nunca tiveram
oportunidade de ver por estas paragens. Foi um testemunho vivo
do nosso passado glorioso de marinheiros que nos visitou
e deixou saudades até ás lagrimas
em muitos filhos de Portugal.
São estes e
outros factos que cà longe, nos sensibilizam e nos prendem mais à Pátria-Mãe
e fazem com que nos sintamos orgulhosos de pertencer à Pátria de
CamõesContinua
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