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Crónicas da Emigração

 Belarmino Duarte Batista

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Tipical viagem a França

 

Depois de sairmos da nossa fronteira o que acontecia por volta das 8 ou 9 da manhã, iniciava-se a jornada pelas “carreteras” de Espanha, o que para nós era como que viajar em auto-estrada, comparadas com as estradas portuguesas da época, rolava-se pelos 100 km/hora e só se parava para abastecer de alguns bolos para o caminho e outras recordações, que eram compradas nos estabelecimentos da fronteira e se não fosse necessário meter pneus novos, a viagem era sempre de seguida até que chegasse a vontade de comer, o que era sempre entre Salamanca e Valladolid. Chegava-se à fronteira francesa sempre ao fim do dia, depois de se terem percorrido os 600 e tal  kms de Vilar Formoso a Irun e de se terem feito inúmeras ultrapassagens, pois o transito na # 1 de  Tordesillas a Irun era sempre intenso.

Depois de se passar a fronteira e alguns sustos, pois todos os chouriços, queijos, azeite, garrafas etc, “passaram” sem perigo, rolamos mais algumas dezenas de Kms para sairmos da zona de fronteira e escolhemos um sítio iluminado para comermos novamente, normalmente á berma da estrada, num parque publico ou dum restaurante, (em Espanha eram enormes) estação de serviço, ou ainda próximo duma povoação.

Merenda comida hà que recomeçar a marcha e rolar mais os Kms que se pudessem pois era viagem é longa e faltam percorrer muitas centenas de kilometros ainda.

Desta vez a viagem que exemplifico, leva-me a seguir ao cruzamento de Dax a cortar pela Nacional #124, rumo a Mont de Marsan .  É quase meia-noite e meia, vê-se um desastre. Há polícia e ambulância na estrada ! Fazemos vaticínios ! Serão portugueses ?

Algum compatriota nosso vencido pelo sono e cansaço?

Finalmente aproximamo-nos da cena e verificamos que não.  Parece ter sido grave!

Lá seguimos nós aquela hora da noite, comentando o acidente, por estradas desconhecidas mas, o espectro do acidente misturado com a fatiga e o efeito psicológico da distancia que ainda tenho para  percorrer começa a apoderar-se de mim e não consigo manter um andamento que dê rendimento. Tento dormir um pouco, mas sono não há!!!

Entretanto chega a manhã e finalmente o destino numa localidade próximo de St. Etienne (Firminy) por volta das 2 horas da tarde. 

Desta vez levei um trajecto que nunca tinha percorrido, seguindo a direcção de Cahors, Figeac, Aurilac (Cantal), paisagem maravilhosa de verdura e animais a pastar nas altas montanhas, que para nós beirões, era um fascínio, criados na zona do pinho, mas o que nunca mais fiz pelo facto de a  estrada ser secundária e com um traçado de bastantes curvas, uma zona rural que valeu a pena ter visitado, pois ainda hoje guardo na minha memória essa paisagem maravilhosa.

A carga  é aliviada e já estou pensando no regresso, não há tempo a perder; Aquela terra, aquele país , não são meus a missão que me lá levou estava cumprida.

Agora apetecia tomar um fresco duche, comer  bem e dormir, o merecido repouso; mas…essas facilidades estão longe, a 1.500 Kms de distância naquela aldeia portuguesa da Beira - Baixa, Peso do concelho da Covilhã.

Os clientes transportados não têm as condições materiais ao seu dispor, para me providenciarem essas facilidades: vão habitar  uma velha casa  com fracas condições para o efeito, aquilo que os Franceses já rejeitaram. (Infelizmente era assim a emigração desse tempo.) Os conhecimentos da língua não são nenhuns…enfim sentem-se num ambiente estranho. As pessoas olham para nós, mas nada dizem; dirão talvez para eles próprios… de onde virá esta gente?  Mas era assim a  França  desta época, recebia gente de toda a área mediterrânica, estava em franco desenvolvimento.

Entretanto a minha jornada de regresso começa; há que andar; o automóvel agora roda melhor ! pudera… com 3 adultos,  4 crianças  e aproximadamente 400 Kgs de bagagem a menos ! …

Vai chegando  a noite e com ela a hora de comer  e dormir; depois de 2 dias e quase 2 noites  de viagem ,com escassas horas de repouso, comer e dormir no hotel seria bem merecido. Mas o motorista de praça , daquela aldeia beirã, esse emigrante do dia a dia, não pode fazer isso; é necessário acabar de  pagar o Mercedes  que ainda não está todo pago. Por isso, uma coisa ou outra: ou comer  no restaurante e dormir no carro, ou comer no carro, de algum resto da merenda que ainda sobrou, ou comprar-se qualquer coisa num estabelecimento de comidas,(mercearia) e dormir no hotel.

Optei pela primeira alternativa, comer no restaurante e dormir no carro.

Aliás com o cansaço que levo  em qualquer lado durmo e dar 10 a 15 francos  por uma dormida, nestas circunstancias , é dinheiro mal empregado.

Assim como uma sopa que há três dias não comia, um bife  com batatas fritas, um copo de vinho e fruta !  Há… como é bom  comer com apetite… foram 13 francos bem empregados. Agora  há que andar mais uns Kms… mas não muitos, porque a experiência assim o aconselha ; depois de uma boa refeição, o sono chega depressa, até  sem a gente dar por isso; e  depois de dar um pequeno desvio para a berma… há mesmo que encostar.

Passam já das 11 da noite, um salto para o Banco de trás  e quando acordo são 3 da manhã. Um camião, com a deslocação do ar, fez balançar o Mercedes o suficiente para me acordar. Saí fora a, desentorpecer as pernas, tomar um pouco de ar puro. Aquela hora da manhã, lava-se a cara e quase a cabeça , com àgua que ainda veio de Portugal…não está  muito fresca como seria desejável; há que encher novamente a vasilha de plástico com água  fresca e aí estou eu apto para nova etapa… não muito longa , pois com o romper da manhã o sono chega novamente e, há que obedecer-lhe.

Depois de mais umas dezenas de Kms percorridos , mais uma dorminhoca.

O transito matinal começa a ser mais intenso e eís-me de novo na estrada, planeando passar mais uma noite nas “carreteras” de Espanha e chegando á Covilhã por volta do meio dia, o que era bastante cedo para o normal.

Era esta  a vida  dos emigrantes de todas as semanas, motoristas de praça da emigração, na década  de 1960/70.

 Belarmino Duarte Batista

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