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Viagens
a França
Emigrantes
de todas as semanas
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Profissão:
Motoristas de Praça
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Destino:
Europa
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Data:
Década de 1960/70
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Introdução
Viagens
que fazem vir lágrimas aos olhos !
Pelo
clima, por não saber falar a lingua, pelo cansaço, pelas más comidas e
dormidas pelos carros superlotados, avarias, acidentes, ansiedade, etc,etc.
Uma
série interminável de circunstancias, que faziam destes emigrantes semanais,
homens profissionais nesta vida, pela força das circunstancias.
Umas
vezes para o Norte de França, outras para o Sul, outras para o Este; na próxima
semana, mais longe ! a Bélgica, noutra o Luxemburgo, a Alemanha, a Suíça.
Umas
vezes para regiões de
montanha e neve, de inverno
rigoroso, outras vezes para zonas de intenso nevoeiro nocturno e de intenso tráfego.
Tudo
isto seria normal se
estivessemos habituados e equipados para o efeito, mas pneus ou correntes de neve não usávamos, apesar de viver numa zona
serrana, anti-gêlo no radiador, também não; (eu escavaquei um bloco do
“Merceds” uma vez que pernoitei em Nancy). Quem vivia nas zonas mais frias
ou quando a temperatura baixava mais um pouco, usavamos pôr um pouco de
aguardente “xanfrana”, nome dado à aguardente mais fraca, que por ser mais
barata e acessível que o producto verdadeiro e assim se passava o período do
Inverno. Faróis de nevoeiro, na maioria dos casos também eram desnecessários e
poucos automóveis estavam equipados com eles e até aquecimento na maioria dos
casos não funcionava; assim acontecia no meu já muito usado “Mercedes 180
D”, que para nos aquecermos durante estas longas viagens nocturnas, tinhamos
que tapar as pernas com um cobertor. E eu como não podia desviar o pé do
acelerador, tinha que parar e sair cá fora, para aquecer os pés no gases do
tubo de escape.
Assim
todos estes contratempos, eram desconfortos e problemas que tinhamos que
enfrentar e representavam para os menos experientes e noviços nestas viagens,
um tempo e situações de vida difícil. Um simples arame ou cordel que precisássemos e não tivessemos
connosco
poderia trazer-nos grandes transtornos, num país onde não sabiamos falar a língua. Estou-me a lembrar duma ocasião em que se me partiu o tubo do escape e
não podia andar com ele naquela posição, pois roçava no pavimento e forçava
o outro resto a partir; assim teria que ser arranjado ou simplesmente seguro,
para poder seguir marcha, mas como não tinha nada com que pudesse remediar a
situação, valeu-me a circunstancia de ter cordel suficiente no atadilho do
oleado, que era indispensável nestas viagens, ( quem não conhece o Norte da
Europa para chuva mesmo no Verão) e poder remediar a situação, até que vi
uma dessas vedações de arame que se usam para conter os animais, neste caso as
vacas e fui lá cortar um bocado para me desenrascar.
Daí
em diante nunca mais saí de casa para estas viagens
sem levar um bom bocado de arame e cordel suficiente para o que fosse
preciso.
Outra
coisa que tinha que levar sempre comigo e esta foi uma ideia minha, que depois
foi adoptada por alguns motoristas, aqueles que possuiam
Mercedes “180-190 e até 220 D, portanto modelos das décadas de
1960/70 era fita cola (scotsh tape) para tapar a parte superior dos faróis da
frente, pois os antigos Mercedes baixavam muito a traseira
quando carregados, ao ponto de baterem com o tubo de escape no pavimento
e mesmo nos médios encandeavam o transito em sentido contrário, assim para
evitar o ajustamento dos faróis constantemente, remediava-se assim o problema
até a carga ser aliviada usando este estragema
que dava bom resultado.
E
quando se partia um vidro da frente, ( pára brisas,) ás 10 ou 11 horas da
noite e para tornar a situação
ainda pior, estava a chover ? Imagine-se que fazer com um carro cheio de gente,
que quer seguir viagem?
Um
plástico transparente, fita cola em volta do pára brisas, duas
ripas ou páus miudos para
sustentar o impacto do ar e aí
vamos nós seguindo viagem
novamente.
Mais
devagar certamente, mas sempre caminhando. Todos estes apetrechos faziam parte
da bagagem e a tudo isto era
sujeito o motorista de praça, da pequena aldeia Beirã!
Do
mundo rural da Península Ibérica, para o movimentado mundo da sofisticada
lá dos Pirinéus.
As
primeira vezes a ânsia de ver a nova paisagem, o novo mundo; mas com o decorrer
do tempo e a rotina das viagens, o
cansaço e a angustia de chegar ao destino sem incidentes tornava-se numa vida
de nervos, de ansiedade e incertezas.
De
salientar que estas viagens eram feitas sempre sem nenhuma
paragem , não importava a distancia, pois os emigrantes não queriam
demorar muito, nem tão pouco gastar dinheiro em comida ou dormida. Comia-se da
merenda e dormia-se no veículo algum tempo para descansar um pouco durante a
noite e era tudo. Nós motoristas só dormiamos numa cama quando chegavamos ao
destino, ou na viagem de regresso.
Dir-se-ia
que esta vida da emigração e tudo o que com ela se relacionava, era como que uma vida de ladrão - entenda-se o têrmo - era necessário
andar sempre fugindo e mentindo; fugiam os que queriam deixar a Pátria para
arranjarem trabalho e sustentar a família.
Fugiamos
nós motoristas de táxis, porque levávamos passageiros a mais do que o
permitido por lei, ( pois doutra forma não dava para efectuar
a viagem ) fugiamos igualmente
aos impostos nas fronteiras, ocultando-se algumas coisas que se levava, como
garrafas de bebidas, mantimentos proibidos como, chouriço, queijo, etc, etc.
Nós
motoristas, fugiamos igualmente aos impostos franceses na fronteira, mentindo no
destino que levamos, para pagarmos
menos imposto do TVA, dizendo que iamos para mais perto, do que na realidade.
Por exemplo, se iamos para Lyion, diziamos que iamos para Brive, se iamos a
Paris, diziamos que iamos a Poutiers ou Tours, e assim sucessivamente. Tentávamos
ocultar à Alfandega Portuguesa, uns novos pneus Michelin, que eram mais baratos
em Espanha, aos quais mandávamos tirar a inscrição do país de origem e
sujando-os todos na lama e de encontro aos passeios , para parecerem usados.
Dir-se-ia
que era necessário tirar um curso especial para se poder viver nesta vida de
tensão. Nas viagens
tomavam-se comprimidos para não dormir, arriscava-se a vida; nossa e dos
passageiros, para se poder sobreviver; quem assim não fizesse, não conseguiria
passar do “mesmo”.
Queria
mencionar igualmente o racismo que por vezes encontrávamos e vou citar um
exemplo de uma vez quando seguia
para o Luxemburgo, próximo da cidade de Troyes parámos num café restaurante na
berma da estrada, onde eu já tinha parado antes noutra vez; tinhamos viajado
todo o dia anterior e grande parte da noite e por volta das 8 da manhã, parámos
para beber uns cafés e fazer uso da casa de banho, aproveitando para lavar a
cara e fazer a barba alguns de nós . Perante o nosso espanto, não nos deixaram
entrar, dizendo que estava “fermê” fechado, sabendo nós de antemão que
era mentira pois havia gente lá dentro comendo e passados alguns minutos um
camião pára no local e entra sem mais demoras. Eu sabia perfeitamente que estávamos
a ser vítimas de discriminação, por sermos emigrantes.
Apenas
uma outra referência a outro caso dum colega meu que estava à porta da estação
de caminho de ferro de Hendaya e foi interceptado pela Polícia, perguntando-lhe
o que estava fazendo ali, pediram-lhe os documentos e quando viram que tinha
passaporte turista, e era motorista de praça , deram-lhe uma bofetada e
disseram-lhe que desaparece-se dali. ( Talves porque alguns motoristas tentavam
arranjar clientes portugueses para
trazerem no seu regresso, vazios, a Portugal) de qualquer das formas não era
maneira de se tratar uma pessoa sem evidencia de nada ter feito.
Tinha
muito mais casos para descrever sobre este tema, mas não quero enumerá-los
para não alongar mais esta introdução, mas era este o triste exemplo da vida
do emigrante português para França
e daqueles que os serviam.
Ninguém como aqueles que passaram por esta vida,
durante as décadas de 1960/70 o sabem melhor. Naquele tempo não havia as
auto-estradas e as poucas que havia, era necessário pagar portagens, por vezes
caras, pois havia que aproveitar todos os escudos possíveis. Por tudo
isto eu passei durante 12 anos,
que viajei a caminho da
Europa, para lá dos Pirinéus, pois
a outra aquem, era diferente.
Continuação
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