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Crónicas da Emigração

 Belarmino Duarte Batista

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APONTAMENTOS DE VIAGEM A FRANÇA

 Destino: St. Malo (Bretanha)  via Pontarlier (Doubs)

                                    2ª. semana de Março 1969

A Primavera aproxima-se com todo o seu esplendor e poder renovador! Os campos começam a verdejar e as arvores a quererem desabrochar. Os campos deste Vale do Zêzere e de tantos outros vales por esse Portugal fora,  necessitam de começar a ser tratados . Mas a força dos homens que o havia de fazer, parte para outros lugares e os poucos que restam das férias do Natal, são aqueles que têm que ir para as zonas de clima  mais duro, porque os outros…esses já  partiram há um ou dois meses atrás.

A tarefa de cultivar alguns bocaditos de terra , fica ao encargo das mulheres e de alguns homens de mais idade. Os que possuem a força… esses, vão empregá-la  lá longe, onde a pagam melhor; na França, Alemanha, Suiça, Canadá ou noutra qualquer parte do mundo onde a mão de obra é mais compensada.

Assim, esses poucos que restam , alguns procuram-me ou eu os procuro a eles, para mais uma viagem alem Pirineus..

Aparece um casal para a Ilha de Jersey, no Canal da Mancha (Inglaterra), uma mãe com uma criança de tenra idade para uma localidade de montanha, proximo de Neuchatel, na encosta dos Alpes, já proximo da fronteira Suiça que se vai juntar ao marido, ambos da minha aldeia.

Apareceu mais um homem do Pesinho, para  a cidade de Gray, Department do Doubs e foi tudo. Entretanto o fim de semana aproximava-se e hà falta de melhor oportunidade e verificadas as possibilidades de efectuar  a viagem, esta não era

convidativa, pois os locais para onde seguiam os diferentes passageiros , principalmente  os de Jersey, era mito oposto ao dos outros dois .

Atravessar  toda a França até à fronteira da Suissa , atravessa-la novamente até ao Norte, St.Malo (Bretanha) e depois descer ao longo da costa  na direcção de Bordeux, é uma tirada bastante grande, para a importancia que os interessados poderão pagar.

No entanto há sempre o apelo à gorjeta  e à consciência das pessoas e neste caso, foi positivo.  Porém, uma apreciação às possibilidades de melhor, para a proxima semana, são fracas e ficar na aldeia a contemplar a natureza , não é vida; assim hà que aceitar a proposta e marcar o dia  da partida, que antecipadamente sabia: seria a proxima sexta –feira.

Sexta feira (?) de Março de 1969

São 7 da manhã, tomo o café, pôr tudo em ordem, os documentos, um cobertor para a viagem,  óleo para o carro, pois estes Merrcedes 220 D sempre consomem um pouco.

E vou buscar o ti Zé Paulo e esposa. ao cimo do povo, que segue para a Ilha de Jersey, a seguir vou ao fundo do povo á estrada para apanhar a Ana Caraia que segue para a área de Pontarlier, onde já deve estar tambem o ti Antonio Carvalho do Pesinho, (que fica do outro lado do Rio) mas que ficou de vir ter ao Peso, visto que o Rio Zêzere já se passa com um jumento.( era assim nesta época.)

São quase 8,30 da manhã e parecem  estarem  todos  prontos para a partida; desta vez  a  carrada não parece ser muito grande já que o Ti Zé Paulo e esposa vão apenas fazer a época de Verão na industria hoteleira, a Ana vai juntar-se ao marido, onde já esteve anteriormente, veio apenas a Portugal para dar á luz uma criança que leva consigo, uma menina ainda de tenra idade, apenas alguns meses e que mesmo assim é a que leva  mais bagagem. O ti Antonio, veio a Portugal tratar de umas coisas, por algum tempo tambem não tem grande bagagem para levar, por isso desta vez  o carro vai mais favorável, razão  porque aceitei esta viagem.

Deixando o nosso vale do Zêzere com o oleado a tapar algumas malas que seguem no porta /bagagem, pois apesar do bom tempo como uma manhã de sol primaveril, a chuva aparece sempre nestas viagens alem Pirinéus, assim á que ir prevenido.

As pessoas ao verem o taxi com a bagagem tapada sabem que é gente que vai para França pois já estão habituadas a verem estes  costumes.

Seguimos na direcçao de Caria , Sabugal, tomamos a estrada do contrabando, como é conhecida, rumo á fronteira e chegamos a Vilar Formoso por volta das 10,30.

Cumpridas as formalidades do costume na Alfândega, no lado português, do lado espanhol tira-se o seguro para a viagem e uma paragem na Praça de Espanha no café Lisboa, que tem uma secção de mercadorias ao lado e por conseguinte vendiam a  qualquer hora, onde por norma nos abasteciamos de quaisquer pequenas coisas que necessitassemos.

O ti Antonio compra uma boina espanhola eu e os outros compramos uns bolos para o caminho, eu não dispensava uns 2 ou 3 pacotes de Magdalenas, uns pequenos bolos que faziam um grande geito para o caminho.

Assim partimos com uma manhã primaveril naquela boa carretera  e eu preciso ainda de meter uns Michelins como era hábito quando necessitava. Depois disto continuámos viagem , passámos Salamanca pela ponte nova, virando á direita sempre ao longo do rio, novamente “a direita passando por um grande bairro habitacional e assim estamos á saída da cidade hevitando o movimento.

Uma vez na Nacional 620 era só rolar até que chegou a hora do almoço (da marenda, claro) a meio caminho para Valladolid (no habitual parque de estacionamento) . Depois de uma breve paragem para aliviar a bexiga e tomar umas bebidas, pois o dia está quente, já passado de Victória , começámos  a aproximar-nos da zona montanhosa  das Astúrias, já á tardinha quase ao pôr do sol, sem problemas.

O transito nesta zona já é mais intenso, não só porque apanha o transito do Sul de Espanha, mas igualmente porque é uma zona mais desenvolvida com mais industria,

com o Rio Bidassoa ao nosso lado direito, todo cheio  de espuma , das fabricas do papel, ao ponto de se não ver a água , certamente suja de outros poluentes, aproximamo-nos de S. Sebastião, já noite fechada.

Já não vamos fazer nenhuma paragem, porque já não existem muitos lugares de paragem propícios para comer da merenda outra vez.

Chegados a Hendaia a habitual, paragem para desentorpecer as pernas, verificar o óleo do carro, encher o depósito de gasóleo e verificar o carro para a viagem nocturna que se aproxima . O problema da Alfandega é lembrado; O ti Antonio  leva alguns enchidos, presunto e azeite, como de costume leva também algumas garrafas de bebida, assim como a Ana, embora menos.

O outro casal  não leva nada que possa causar problemas.

Põem-se algumas garrafas por cima do banco de traz, junto ao vidro da retaguarda, (meu lugar preferido, raramente era visto) cobertas com alguma roupa de criança e assim rumamos á fronteira francesa. As habituais perguntas  e rusga no carro, abrem-se as portas de traz e do porta-bagagem , para não causar desconfiança e não hove problemas .

Na questão do meu pagamento da taxa do TVA, paguei por dois dias, não mencionado que ia á fronteira Suiça, pois neste caso seria mais caro, mais vinte ou trinta francos. (tentava-se a sorte)

Não houve problemas.  Andamos mais algumas dezenas de Kms, para passarmos S.Jean de Luz e afastarmo-nos da zona fronteiriça onde a fiscalização é sempre mais activa e comemos mais alguma coisa antes de nos aproximarmos da floresta landesa.

Parámos para jantar (da merenda, claro) eram já 9 da noite e planeava rolar mais uns Kms e parár para descansar um pouco,  lá para as 11 da noite. Porem ao entrarmos na floresta landesa, começa a aparecer o habitual nevoeiro e quanto mais avançávamos, mais cerrado o nevoeiro, já não conseguia ler os números dos marcos kilométricos na berma da estrada. Entretanto o ti Zé Paulo, como cautela, tinha se sentado no banco da frente ao meu lado, no fim do jantar, trocando pelo ti Antonio, para poder controlar melhor o sono, meu e dele.

Entretanto com o nevoeiro cada ves mais intenso, o ti Zé Paulo não se calava para eu encostar o carro pois o nevoeiro estava a tonar-se muito perigoso, principalmente para mim que tinha conduzido todo o dia. Eu respondia, que ainda ia bem, quando visse que me dava o sono eu encostaria. Já por experiência, tinha-me posicionado atras de um camião que rolava nos 70/80 km/hora  o que não era mau, para a circunstancia e assim me guiava bem na estrada. Entretanto no banco de traz já tudo dormia, como era hábito nestas viagens e o motorista é que tem que se controlar, mas neste caso o ti Zé Paulo não cerrava olho, o que ajudou bastante, continuando a dizer-me” ó Belarmino o melhor é parar-mos, não sei como consegues ver a estrada, basta um pequeno descuido e já está”.

No entanto lá continuamos uma vez que com a atenção que eu levava na estrada e o facto de ir atras do camião, não levava sono nenhum. Entretanto o ti Zé Paulo não se cansava de me dizer para encostar. Pensei que se consegui-se passar Bourdeux antes de parar e ainda durante a noite, seria bom porque evitava o transito da manhã e pararia só depois da passar a cidade. A ideia deu resultado, (quase) o camião parou a uns 10 ou 15 kms de Bourdeux, num desses parques dos restaurantes na berma da estrada e eu resolvi parar também para descansar . Quando acordei eram 5 da manhã e fizemos a travessia da cidade sem problemas, tomando o rumo da estrada National 89  rumo a Brive, (onde tinha um irmão) e chegamos já passava das 9 da manhã e Clermont Ferrand.

Em Brive não parei porque aquela hora não estava ninguém em casa e tinhamos ainda muitos Kms a percorrer por estradas de traçado montanhoso. Já perto do meio dia e estavamos com o Pui de Dome  à vista , essa pequena montanha solitária que nos aparece ao longe com o que um obstáculo pela frente, e a seguir Clermont Ferrando a cidade da Michelin  e a seguir Vichy  a estancia de banhos famosa pelas suas aguas minerais.

Aproveitamos para mais um ataque á merenda, que agora custava já mais a ingerir, mas era assim a vida de emigrante. Já com o estomago mais refeito, aí vamos agora num area mais plana e suave , tendo deixado para traz a zona de montanha.

De Vichy tomei uma estrada secundária  para Digoin e daí a nacional 79 para Macon, (para evitar ir a Lyon) depois Chalon, com uma tarde quente de primavera,  Dole e Besançon, onde chegamos já de noite com transito intenso, mas eu conhecia já o itnerário e depressa me encaminhei para a fronteira Suiça seguindo a placa de Neufchatel e a seguir a de Pontarlier que nos levava á pequena localidade de Métabief, (que era o destino da Ana) mesmo na linha de fronteira com a Suissa. Estrada de montanha e áquela hora com bastante transito nos dois sentidos e ao aproximarmos  mais da zona montanhosa  a estrada apresenta um traçado bastante  curvado e com inúmeros resguardos de avalanches e desmoronamentos de pedras, com redes nas encostas e diques de cimento.

No entanto a sinalização era boa , com reguardos e balizas para sinalizar a via, embora  com bom pizo, a via não era assim muito larga, com altas barreiras íngremes e perigosas.

Para mim, sendo duma região serrana, apesar disso mesmo assim sentia a sensação do perigo do trajecto, pois tinha condições mais alpinas do que a nossa Serra da Estrela .

Mesmo nesta época do ano, meadas de Março existem ainda traços bem visíveis do clima de Inverno, bem diferente do nosso. Pequenas quedas de agua saltando  ao lado da estrada pelas encostas abaixo, sítios com bastante neve ainda, nos locais menos expostos ao sol. Gostaria de ter feito este percurso durante o dia, mas foi impossível, porque tinhamos planeado ir dormir a casa do nosso amigo Antonio Carvalho em Gray.

A Ana e os demais admiram-se como eu consegui descobrir e chegar a uma terra tão pequena no meio da montanha, localidade que nem sequer vinha mencionada no mapa oficial  Michelin ; tinha que me socorrer de um outro mapa regional, que nós motoristas da emigração adquiríamos para podermos localizar pequenas povoações, que não vinham nos mapas normais.

Entretanto chegamos a Pontarlier e é preciso deixar a estrada de Neuchatel – Bern  e apanhar a direcção de Lausanne, rumo ao Sul e a seguir á que ir com atenção pois Métabief  não será muito distante. Rolando mais alguns Kms e eis que chegamos á terra desejada, só que não se via ninguém na rua.  Fomos andando devagar até que um homem sai de casa para o carro e aproveitei a oportunidade para lhe mostrar o endereço e  usar o meu pouco francês para o fazer entender que procurava aquela morada.

Indicou-nos para a saída da povoação e que era no café “tal” disse o nome, o que me deixou um pouco perplexo, pois ao falar de café, não era isso o que eu procurava, mas lá segui e parei nesse café, que por sinal já estava encerrado, quem não conhece estas pequenas povoações de França, onde toda a gente se mete em casa, apesar de serem apenas 8,30/ 9 da noite. No andar superior do café havia luz, mas entretanto tinha dado uma olhadela em volta da casa para ver se via algum sinal do endereço que procurávamos

e eis que com uma pilha que levava vi um Jornal do Fundão no peitoril duma janela nas traseiras do prédio, sinal de que ali vivia um “beirão”. Entretanto alguém vem á rua e que por sinal era homen da Ana, que estava esperando e deu conta de nós . A razão porque ele estava no andar superior foi porque residia na parte traseira do prédio e os proprietários convidaram-no a esperar pela esposa junto com eles.

Isto era um sinal de que o homem era considerado pelos donos do estabelecimento.

Deixada a Ana e criança, tirada a bagagem, ela era quem levava mais, agora o Mercedes já ia mais leve, despediamo-nos e arrancámos imediatamente, pois os planos era de irmos ficar em casa do nosso amigo António, que  planeou dormida para todos e a esposa já estava esperando por nós. Chegamos a Grey já passava das 11 da noite.

A esposa do ti Antonio tinha á nossa espera uma panela de sopa, que foi a melhor coisa que nos podia ter dado, pois no fim de 2 dias de comer da merenda, a sêco, claro, aquela sopa sabia mesmo bem. Eles não moravam mesmo dentro da cidade, mas numa pequena povoação nos arredores de Gray, mesmo ao lado da Igreja, portanto acordamos domingo de manhã ao som dos sinos da mesma, esses mesmos sinos que nos faziam lembrar os sinos da nossa aldeia, a 1.700 kms de distancia, (parece que ainda agora os estou a houvir) e depois de tomarmos o pequeno almoço e prepararmos para o resto da viagem, vimos as pessoas juntarem-se no adro da Igreja, conversando, tal como na nossa terra e assim partimos naquela manhã de Domingo com sol primaveril, atravessando toda a França, até á fronteira marítima de St. Malo, o que não era muito habitual, atravessar a França no sentido Este – Oeste.

O nosso itinerário foi o seguinte: Gray – Dijon - Avallon - Auxerre-Orleans - Le Mans, (célebre pelo seu circuito automobilistico, "24 horas de Le Mans”) - Laval - Rennes-Dinan - e finalmente St. Malo e depois o aeroporto de Dinard, onde o ti Zé Paulo e esposa apanhariam o  pequeno avião para a ilha de Jersey.

O termos dormido numa cama a noite anterior, depois de 2 dias e uma noite

sempre na estrada, foi reconfortante para nós e assim durante todo o trajecto, já com o Mercedes relativamente leve, fizemos a viagem sem problemas, com muito bom tempo e um sol maravilhoso, mantendo um andamento certo, pois por ser Domingo o transito não era assim muito  intenso. Aqui e alem  emigrantes portugueses ao verem o taxi português, conhecido pela cor, preto e verde-mar, acenavam-nos e olhavam admirados. Ainda me lembro, na area de Orleans, de um grupo de 3 portugueses, que passeavam ´a beira da estrada, ao verem-nos um deles grita, (como que a dizernos, eu sou do Norte,) “ó car…lho”. São coisas que nunca esquecem.

Assim chegamos a St. Malo já noite e imediatamente nos dirigimos na direcção do aeroporto de Dinard, mas por pouca sorte o avião tinha partido mesmo a alguns minutos atrás. Assim tivemos que procurar alojamento para passar a noite, pois o ti Zé Paulo não era dessas pessoas que olhava assim tanto para o dinheiro. Segunda-feira de manhã, lá fomos para o aeroporto para tomarem o avião que saía ás 8,30 e de seguida, me mêto ao caminho sem perder tempo, agora já com aguaceiros que apanhei toda a viagem ao longo da costa cantábrica (?) com rumo a Rennes-Nantes-La Roche-La Rochelle-Saintes e Bordeus. De aqui em diante era já para mim terreno conhecido. Passei a noite nas carreteras de Espanha, dormindo logo ali em frente ao Hostal de Pancorvo depois de ter comido umas batatas fritas com polho assado  no respectivo restaurante e ás 5 da manhã a Polícia de transito, toca a corneta para acordar os motoristas dos grandes camiões que  ali pernoitavam igualmente e batiam nos vidros dos veiculos para terem a certeza  que acordavam os mesmos. Era assim nesta época o bom serviço nas estradas de Espanha.

 Andando todo o dia, cheguei á fronteira de Vilar Formoso ao princípio da tarde, chegando á minha aldeia ainda a tempo de jantar com a família.

 Belarmino Duarte Batista.

 

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