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Crónicas da Emigração

 Belarmino Duarte Batista

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PROFISSÃO : MOTORISTA DE PRAÇA

APONTAMENTOS de VIAGENS A FRANÇA

Viagem aos Alpes – Meribel, Isere . Fins de Fevereiro de 1969

Mais um Inverno está quase passado . As turbulentas aguas do Rio Zêzere que nos passa aos pés já acalmaram ; agora a agua ainda ludra do Inverno vai aclarando como que clarificada pelas neves da Serra da Estrêla que tambem se vão diluindo a pouco e pouco e se juntam agora em estado líquido, ao caudal que tem o seu início nos sítios dos cantaros da mesma Serra.

O tempo começa a querer aquecer e com  ele tambem os animos desses poucos que ainda restam e esperam por mais uma abalada para terras de França, lá mesmo  no coração dos Alpes , precisamente no famoso cenário do Vale de Isere, próximo da fronteira Italiana.

Não for a essa circunstancia  de irem para uma região montanhosa, não estariam eles já aqui neste vale do Zêzere, mas sim lá naquele vale do Isere.

Porém com o mês de Março á porta, á mesmo que partir, pois a ânsia  de amealhar mais uns milhares de Francos arde-lhes no coração.

Contactam-se os companheiros da época passada. Arranja-se uma carrada para o carro do Dominguiso, localidade de onde são a  maioria, portanto vão com ele e sobram apenas dois para mim o, que não é suficiente. Há que procurar mais três passageiros, ou pelo menos dois, para eu poder efectuar a viagem .

Entretanto aparece mais outro, que vai pela primeira vêz, levado por estes companheiros o que prefaz três. Contacto um amigo meu que vai para Chanpagnole, Departmment do Jura , já mais a  Norte e que já não é a primeira vez que viaja comigo. Á falta de mais alguem , decido arrancar com aqueles quatro companheiros, na esperança de uma gorjeta um pouco maior, para compensar a falta de outro passageiro, podendo assim eles viajar um pouco mais confortáveis. Para mim também era mais conveniente , pois viajava com o carro mais leve mas não era esse objectivo que os clientes tinham em mente, mas sim o de poderem economizar mais uns escudos e para mim também não é o que mais me importa , habituado como estou a viajar com o carro carregado, como um ouriço cacheiro, como se costuma dizer .

E assim  lá partimos novamente a uma sexta feira, sempre á sexta feira… o emigrante quer aproveitar todo o tempo possível para estar junto da família e assim é sempre á sexta feira o dia escolhido, para chegarem sábado durante a noite ou Domingo de madrugada e assim poderem recomeçar o trabalho á segunda feira.

Para nós, motoristas de praça, não é grande dia, seria melhor um dia antes, pois viajando no fim de semana, apanhamos sempre mais transito, alem de que, havendo qualquer azar ou avaria é sempre mais difícil, senão impossível , encontrar  assistência , as oficinas estão fechadas, os bancos igualmente e em caso de acidente ou avaria  tudo isto é necessário, oficina para arranjar o carro e banco para cambiar dinheiro, se os francos que levamos não são suficientes.   

 Para mim o problema  mais frequente era o pára-brisas partido e acontecendo a um Sabado de tarde ou ao Domingo, so havia uma solução: ou viajar com ele partido.

Se as convicções do tempo o permitissem, ou esperar até segunda feira.

Voltando ao seguimento da viagem aos Alpes , lá partimos naquela ultima sexta feira do mês de Fevereiro, eu e o meu colega Tó do Dominguiso, este com um motor

Novo no Mercedes, que ia fazer a rodagem naquela viagem.

O itnerário era sempre o habitual até à fronteira francesa; Vilar Formoso, Salamanca,Valadolid, Burgos, Victoria, San Sebastian  e  finalmente  Irun e Hendaya, na fronteira francesa. So se mudava de itnerário em Bayone.

Consoante o destino a tomar, ou se seguia pela Nacional 10 para Bordeus,  pela 117 para Pau, ou pela 124 para Dax.

Nesta viagem seguiriamos pela 117 rumo a Pau, Toulouse,Narbone, Nimes, Valence, na direcção de Grenoble e depois a subida para os Alpes.

As horas de partida eram sempre pela manhã o mais cêdo possível, mas neste caso chegaram-se as 9 da manhã e nos ainda na nossa aldeia.

As despedidas da mulher e dos filhos eram sempre chocantes e lagrimosas, assim como as dos pais, aqueles que ainda os tinham, não contando os amigos que se iam encontrando, tudo isto leva tempo.

E estes companheiros eram todos casados, deixando para traz mulher e filhos em Portugal, pelo facto da região onde trabalhavam não ser propícia a ter a família junto deles. Por um lado não podiam trabalhar mais do que 8 ou 9 meses devido ao clima, por outro nestas estancias de turismo de inverno não se encontrava acomodação acessível com

facilidade. O que há mais é Hóteis e isso é caro para  emigrantes.

Por outro lado os filhos andam na escola em Portugal e perderem-na era outro ponto a ter em consideração pelos pais, por todas estas razões estes compatriotas nunca levavam as famílias.

Porem com o decorrer do tempo, ultimamente alguns  se decidiram a mudar de ideia e começaram a chamar as famílias para junto de si.

A educação  portuguesa dos filhos, foi pormenor a  esquecer, pois o viver isolados da família foi o factor que  os  levou a tomar esta decisão.

Assim partimos da aldeia já sol alto, já  quase 9  horas da manhã quando partimos do Dominguiso, com um dia maravilhoso de sol primaveril a evaporar aquela marzia da manhã ainda humida, dos princípios de Março.

Apesar do bom tempo , os dois levava-mos as 5 ou 6 malas de viagem do porta-bagagem (tejadilho) bem cobertas e amortalhadas com um oleado, o que fazia com que as pessoas olhassem para nós com curio-sidade, dizendo talvez para com eles proprios…gente que vai para França; experientes como estavam a vêr estas abaladas.

Assim seguimos rumo á Guarda e Vilar Formoso, onde tivemos conhecimento  de que mais três carrinhas da área, tinham seguido de manhã muito cêdo, ao abrir da fronteira (7 da manhã), com pessoal para a mesma região. Foram eles o Zé Correia do Tortosendo, o Alfredo Gerónimo da Coutada e outra carrinha de Peraboa. Portanto tinham saído da “Cova da Beira” 5 transportes com emigrantes para a mesma região. Estes eram transportes clandestinos, que por não serem carros de aluguer, não podiam fazer estes serviços, perante as autoridades portuguesas, por isso tinham que partir durante a manhã muito cedo, para evitarem as Brigadas de Transito. Aliáz todos nós eramos clandestinos, até mesmo os que tinhamos automóveis de aluguer, uma vez que tinhamos que levar também pessoal a mais, para poder-mos tirar

algum lucro, por conseguinte tinhamos que fugir tambem á Polícia. Seguindo viagem…as paragens seriam sempre as mesmas  como atras refiro  e pelo mesmo motivo, quando não houvesse nenhum azar de maior. Paravamos para se substituirem uns pneus , por uns novos Michelins, depois mais tarde para se comer da merenda, mais algum tempo depois já pelo meio da tarde, para se beberem unas cervezas até

que alcançasse-mos Irum  e já mais pela noite adiante, para um café e um conhac para passara a moleza.

Quase sempre companheiros levavam uma garrafa com qualque coisa ,como vinho do Porto, aguardente ou até vinho normal para irem bebendo  pela noite fora , para irem  molhando a garganta , como eles diziam, garrafa que era passada de uns para os outros como que se fosse uma só família. (Quem não conhece estes portugueses para a pinga…)

 Mas voltando ao seguimento da viagem ao Val do Isere, lá arrancamos por aquela Espanha fóra  com um dia esplendido, com o meu amigo Antonio do Dominguiso a ter medo de acalcar no acelerador, porque o carro tinha precisamente levado um motor novo e eram os primeiros kilómetros que fazia. Como porem a estrada em Espanha é bastante boa e salvo poucas excepções quase toda plana, digo-lhe que não tenha medo de carregar no pedal um pouco mais, pois desde que não força-se o motor não haveria perigo nenhum 

de chegar  aos 100 km /hora desde que as condições o permitam.

E assim aconteceu, o Tó começa perder mais o medo de carregar no acelerador e até quase se esquece que o carro tinha levado um motor novo. O andamento agora era o normal das outras viagens, pois não era a primeira vez que viajavamos juntos.

Com uma carrada só de homens e veteranos da emigração, a viagem corria com satisfação e frequentes paragens para umas “cervezas”, pois viajavamos em Espanha

praticamente o dia todo. Como saímos já tarde da nossa aldeia, ia-mos um pouco atrasados em relação ao ritmo normal das outras vezes. Assim quase sempre ia-mos comer á noite, já proximo da fronteira francesa ou na zona Basca de Alsassua ou S. Sebastião; mas desta vez estava-mos a comer já quase noite, nas proximidades de Victoria, portanto com um atraso de 2 a 2 horas e meia em relação ao usual. Mas com malta desta, não há que ter receio; parece que ainda  agora estou a saborear  os “tordos”que o meu amigo João Mango alcunho como o João era conhecido e chamado, pois ele não se preocupava com isso, tinha levado para a merenda. Da minha parte ajudei-me a dois, com dois papo-secos e um traçado de vinho com gasosa e fiquei mesmo bem disposto.

Os outros companheiros ofereceram-me presunto, galinha etc, mas o meu amigo João diz-me; que a comam eles; agarra-te aos tordos que estes não aprecem todos os dias. E o João tinha razão, pois desde que vim para o Canadá nunca mais os vi, quanto mais comê-los.

Merenda comida, já quase noite, apenas com uns ténues clarões de raios de sol a perderm-se no horizonte da planície espanhola, lá para os lados de Portugal e da nossa Serra da Estrela, que quase já não se viam e lá arrancamos deixando para traz aquele pôr de sol daquela  tarde de primavera, que parece que ainda agora estou vendo na minha imaginação... mais uns minutos e… era noite.

Prosseguindo a nossa jornada até ao cruzamento de Alsassua, Pamplona, San Sebastian e atingimos Irun já passava das 11,30 da noite.

A paragem habitual para atestar de gasoleo, que era mais barato em Espanha, verificar o oleo, a agua, os pneus, isto para os  Mercedes ; para nós uns cafes que nos dariam mais alguma  reacção para enfrentar-mos a Alfandega francesa e depois o sono durante a noite, se o  não tirassem na  fronteira com as bebidas e outros alimentos que levava-mos!…

Chegamos á fronteira já passam 20 minutos da meia noite.

Pagamos as taxas respectivas, tiramos o seguro para 3 dias e segue-se a habitual  rusga  alfandegária; na mala de traz e debaixo dos bancos, as pilhas electricas dos dois guardas relampejam por todos os cantos. Não há problemas de maior desta vez e lá seguimos  contentes por não fazerem abrir mala nehuma.

Rumo a San Jean de Luz, Bayone e aqui tomamos o rumo da cidade de Pau, que são mais 107 Kms. A noite adianta-se e o sono e o cansaço como é natural, começam a apoderar-se da malta  e de mim também, mas o nosso objectivo é atingir Pau e depois dormir o resto da noite, ( que já não podia ser muito) até de manhã.

O meu amigo João Mango com quem se podia viajar por menos qualquer coisa, não só pelos tordos que levou para a merenda, mas pela boa camaradagem que fazia, pois não deixava dormir ninguem com as suas anedotas…mas sempre olho bem aberto , a dizer-me: ”Ó Belarmino, parece que já vás a esquecer-te do pedal”! Olha aí um “deixavô”(2cv) como a malta chamava ao Citroen de 2 cavalos; passa-me já  “esse tipo”isto é um Mercedes, dizia ele. Duma vez anterior a esta, este amigo João com os seus incitamentos, ia-nos levando á morte na estrada de Beaune-Dijon.

Dois camiões, um á minha frente, outro em sentido contrário, este ainda a uma distancia razoável, eu afrouxo um pouco para não ultrapassar o que ia á minha frente e deixar passar o outro que vinha em sentido contrário, quando o João se apercebeu da minha intenção e diz-me como era seu habito;

“é pá,  passa-me  já esse gaijo, isto é um Mercedes…”

Eu embarco no palavriado do João… e foi um milagre  não ter-mos ficado esmagados entre os dois camiões; ele até se inclinou para a frente, como que a querer dar mais embalagem ao carro, com aquele jeito que é normal das pessoas nervosas.

Nervoso fiquei eu, sem uma pinga de sangue, como se costuma dizer  e respirando fundo disse ao João: é pá, cala a boca ,, que eu nunca mais me levo no teu palavriado, tanto faz falares como estares calado, viste o que nos ia acontecendo em me levar pelo que tu dizes? O meu amigo João não disse meia, esfregou a cabeça e calou-se.

Aquele susto ficou-me para emenda; parece que ainda agora me estou vendo a encolher-me agarrado ao volante do 220-D. Saliente-se que aquela situção de perigo, poderia ter sido minimizada por qualquer um dos camionistas, pois se qualquer um deles afrouxasse  um pouco, eu sairia daquela situação de perigo sem problema nenhum, assim passamos por entre os dois camiões, com o espaço de uma agulha, com o da frente a businar e a fazer-me sinal de luzes, mostrando um e outro não terem consideração pela vida dos outros. Asneiras e êrros  todos nós as fazemos e importa que as perdoemos uns aos outros.

Enfim… são estupidezes que nunca esquecem.

Voltando novamente ao seguimento da viagem, ao deixar-mos Bayone pela route national 117, as luzes da refinaria de gaz despertaram-nos um pouco, até que finalmente atingimos a cidade de Pau, já passava das 2 da madrugada. Passamos a cidade e já á saída onde existem uns parques de estacionamento, junto de umas grandes arvores onde os autocarros tinham também a sua paragem, aí abancamos para dormir um pouco. Por volta das 5 horas, já com a manhã á vista, sentimos pessoas falar junto dos carros, o que nos despertou e acordámos, quando verificamos que falavam português. Eram compatriotas nossos que ao esperarem o transporte para o trabalho, viram os Taxis portugueses e já não pararam de espreitar em volta dos carros. Após alguma conversa com os mesmos, lá seguimos novamente após aquelas 3 horas de repouso a enganar o sono. Fomos parar em Tarbes, já com os Pirineus á vista lá no fundo todos cheios de neve e aí lavamos a cara numa fonte e fomos depois tomar um café lá mais á frente á saída da cidade.

Seguindo na direcção de Toulouse, antes de chegar-mos a esta cidade toma-mos a route 622  para Auterive seguindo sempre em frente para apanhar-mos a 113 para Carcassone, Narbone, Béziers, Montpellier, onde á altura chegava já a Auto-estrada.

Aqui e antes de entrar na cidade, metiamo-nos na Auto-route para passar-mos Montpellier e saía-mos  logo na primeira saída a seguir á cidade para  evitar-mos o movimento da mesma e de pagar a portagem, seguindo novamente pela 113 na direcção de Nimes e Avignon para tomar-mos a N 7 para Valence e depois Grenoble, onde  chegamos já á tardinha, por volta das 5 e tal da tarde e parámos num estacionamento junto a uma das pontes do Rio Isère.

Aqui comemos  mais qualquer coisa, da merenda…claro e seguimos, pois a noite já se estava a aproximar e queria-mos chegar quanto mais cêdo melhor, tanto mais que aqui

já era zona de montanhas e neve. Aqui já existia outra auto-estrada para Chambéry, construída para os Olimpícos de 1964(?) e foi essa mesmo que seguimos, na direcção de Albertville, Moutiers , cá no fundo do vale e por fim a pequena povoação e estancia de turismo de Inverno, Meribel onde chegamos mesmo já ao anoitecer, mas ainda com claridade suficiente para se verem os cristais de gelo transparentes como o vidro, que vinham dos telhados das casas até quase tocar o chão. E tudo isto já no mês de Março!

Para nós apesar de Beirões, próximos da Serra da Estrela, nunca tinhamos visto coisa igual .Acontece que ao chegar-mos a Meribel um dos passageiros que já lá tinha

trabalhado mais anos, diz-me que siga que ainda não era ali, o local para onde iam, que era mais para a frente. Entretanto sigo com atenção e após alguns minutos percorridos verifico que a povoação tinha acabado e estavamos já seguindo noutra direcção e chamei a atenção do nosso amigo Zé Guerrilha, do Dominguiso, que era o nosso guia no local, visto ter trabalhado lá o ano transacto ou seja em Outubro e como era zona de montanha , boa parte do Outono e Inverno, os nossos compatriotas não podem trabalhar, pois quase todos trabalhavam no “batiman”ou seja, construção civil. Parei naquela estrada estreita, cheia de neve e gelo e nisto aparece em sentido contrario um jeep de tracção ás 4 rodas, equipado com grossas correntes em todas as rodas e teve que parar para poder passar com segurança. Aproveitamos a oportunidade para lhe procurar-mos, onde era  o Hotel … não me recordo do nome, e diz-nos que já tinhamos passado Meribel  que já ficou para traz e já ia-mos a caminho de Courchevel.

Lá recuámos os carros umas boas centenas de metros, com um companheiro a pé, na traseira do carro para avisar algum outro que viesse, visto não poder-mos fazer inversão de marcha numa estrada tão estreita e toda coberta de neve e gelo, viramos num desvio e lá seguimos novamente, mas não sem uma risada  por todos e chatiarem o nosso amigo Zé,  pois não conheceu a terra onde esteve á 5 meses atras. E agora a dizer-nos… parece que é aqui para cima.  Não admira, pois a zona estava toda coberta de neve e quem não está familiarizado com a paisagem, torna-se dificil por vezes identificar um local.

Chegados finalmente ao destino, cada um lá se arrumou como pode num velho Hotel que servia de residência para os emigrantes que ali trabalhavam na construção de novos edifícios. Alguns, de diferentes localidades e até nacionalidades, ali tinham a sua cama e os haveres que tinham deixado a época anterior, 3 ou 4 meses atras; outros lá se ajeitaram de qualquer forma até passar a noite. Para nós, motoristas de praça, foi-nos arranjada uma cama e havia outra vaga, que era de um Argelino que ainda não tinha regressado, para o companheiro dos tordos, João Mango, que seguia comigo para Champagnole, no Jura.  O meu colega Tó do Dominguiso, ainda estava resolvido a ficar, mas  ao pegarmos nos cobertores que ali estavam em monte, verificamos que estavam todos cheios de pó ou cimento, sei lá… que ao desdobrá-los encheram o pequeno quarto, todo de nevoeiro. Ao vêr aquilo, disse para os companheiros que não valia a pena ficarmos,  iriamos cá para baixo para a vila de Moutiers e iriamos dormir num hotel.

Eles concordaram e agradecemos aos companheiros a boa vontade, pois nada mais nos poderiam fazer, tinham que sujeitar-se ás condições que encontravam .

Por aqui poderemos avaliar a vida do emigrante, que viajava a só, sem a familia; chega ao local de trabalho e encontra um velho colçhão e uns cobertores, tudo sujo e tem que sujeitar-se ao que encontra.

Entretanto eu tinha já esvasiado o radiador do meu carro, para não gelar durante a noite e tive que por agua novamente. Descemos a montanha, uns 5 ou 6 kms, pois estavamos lá no alto da povoação de Meribel e viemos para a vila de Moutiers, que era cá em baixo no vale. A temperatura lá em cima é de gelar, abaixo de zero não sei quantos.

Chegados a Moutiers, dirigimo-nos para o centro da vila  para procurar-mos hotel , o que raramente os motoristas de praça faziam, mas nestas circunstancias não haveria outra alternativa, pois para seguirmos viagem, era já tarde e não chegariamos ao destino do meu cliente João sem passar quase outra noite na estrada e isso era para nos quase impossível. O nosso plano era deixa-lo no lugar e seguirmos viagem depois.

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Entretanto passavam já das 10,30 da noite e encontramos um hotel , com uma grande porta de vidro, onde estava sentada a uma secretária escrevendo, uma senhora (senhora? Bruxa)já dos seus 50 e poucos anos.

Batemos á porta delicadamente e aguardámos que a dita senhora nos abrisse a porta. Porem ela fez que não  ouviu… e batemos novamente e acontecesse a mesma coisa. Até que batemos com mais força e só então a dita senhora se resolve a levantar a mão e fazer o gesto, que “não”. Nem sequer teve a coragem de olhar para nós; e continuou a escrever. Ficamos desapontados e pensámos que estavamos a ser descriminados, sofrendo mais um efeito racista , pois tinhamos parado em frente da porta e ela viu que eramos emigrantes, pela cor dos carros e matricula ou até pela nossa maneira de ser.

O meu amigo João, ficou furioso e dasabafou; só me apetecia meter o pé á porta e lá lhe chamou alguns nomes, aquela  p… em francês.

Arrancamos e fomos procurar outro hotel; encontramos outro, um pouco inferior, género de pensão, via-se pela apresentação, onde ainda havia luzes acesas e uma porta aberta, que dava acesso para dentro do prédio.  Batemos á porta algumas vezes e igualmente ninguém respondeu. Isto eram já mais de 11,30 da noite.

Acabamos por dormir assim ali mesmo em frente, todos dentro do carro do Tó do Dominguiso, que tinha mais espaço. Nós os dois motoristas, ficamos nos acentos reclináveis da frente e o nosso companheiro João, ficou no acento de traz. Valeu-nos os cobertores que cada um de nós, motoristas, leváva-mos sempre, pois a noite naquelas paragens é fria, quase a 10 abaixo de zero essa noite.

Acordamos com tudo branco da forte geada que caiu essa noite e lá seguimos de manhã rumo ao Deparment do Jura, onde ia ficar o João.

Ainda disse ao meu companheiro Tó do Dominguiso, que se não quisesse ir comigo que poderia seguir, pois indo comigo iria andar mais duzentos e tal  kilómetros, mas ele recusou e acompanhou-me sempre o resto da viagem. Era assim a camaradagem.

E lá seguimos naquela manhã de primavera francesa, na direcção de Anecy, ao longo da fronteira Suiça, não muito longe do Lago Geneve em direcção a Champagnole, cidade capital do cimento. Chegamos á hora do almoço e como o companheiro João Mango, não é daqueles que chupa pelo caroço, como se costuma dizer, lá nos levou ao restaurante, onde encontramos mais um português, que era do Barreiro, que ali estava comendo.

Lá deixamos o João e partimos; os dois taxis vazios, deixando Champagnole, (que nunca me esquece, tinha sentido único giratório á volta da cidade) por volta das 2 da tarde, seguindo na direcção de Lons le Sonier, Clermont Ferrand, aqui tomando a N-89 que nos leva a Bourdeux. Entretanto chegamos a Brive já noite, visitei o meu irmão José, como de costume quando passava no local e dissemos-lhe que tinhamos que partir e seguir viagem durante a noite, porque eu sabia que não tinha acomodação para os dois; havia um divãm onde eu costumava dormir. Porem leváva-mos a ideia de ir dormir ao hotel, o que realmente aconteceu, para  depois fazermos a viagem numa só tirada, no dia seguinte.

Eram 1.200 Kms de Brive á Covilhã e se não dormisse-mos aquela noite, seriam 3 noites seguidas a dormir no carro… e por 10 Francos, dormir e pequeno almoço (café e croiassant) lá ficamos no Hotel du Commmerce.

 Na manhã seguinte fresquinhos quem nem uma alface, deixamos Brive com um dia de sol lindo, fomos encontrar um pouco de nevoeiro cerrado, mais abaixo no Vale do Correze, (Terrason? não me recordo bem do nome) por alturas da fabrica do papel e um cheirinho bastante forte áquela hora da manhã.  Porem ao aproximar-nos de Perrigoux, o sol voltou a aparecer, oferecendo-nos uma paisagem verdejante naquela manhã primaveril. Passamos Bourdeux, a capital vinícula de Gironde, por volta das 10,30 e fizemos as rectas de Landes, sem problemas, pois durante a noite e pela manhã, a floresta Landesa é muito propícia ao nevoeiro, sempre a pizar os 100 kms horários como era nosso hábito e antes das duas da tarde estavamos a passar a fronteira de Espanha. Comemos alguma coisa no café em frente á fronteira, ponto obrigatorio dos taxis portugueses, parece que ainda agora estou a saborear aquela sopa de pescado que tanto gostava e sabia tão bem ao fim de alguns dias de comer só de merendas!…Continuando a apertar durante todo o dia, para podermos chegar a Vilar Formoso antes de fechar a nossa fronteira, (á meia-noite) caso contrario teriamos que passar outra noite esperando pelas 7 da manhã , assim fomos passando Victoria, Burgos, ( breve paragem para uma bebida) Valadolid, já a tarde a desaparecer e Salamanca, já passava das 9 da noite, portanto ainda com tempo suficiente para percorrermos os cerca de 120 kms que faltavam, caso não houvesse azar nenhum .

É interessante salientar que, quando chegávamos a Salamanca , era como que já estivessemos em Portugal, a ideia de que faltava apenas a ultima etapa, davanos essa sensação. E finalmente …Vilar Formoso, quase 11 da noite, os " nuestros irmanos Espanoles" mandaram-nos seguir; na Alfandega Portuguesa  as habituais burocracias do preenchimento do formulário de entrada, da Pide e a habitual olhadela do funcionário alfandegario para dentro do carro, abrir a mala atras, nós já faziamos isto sem ser necessário dizer nada e o sinal  com a cabeça,( a esta hora da noite já não apetece falar muito) a significar,  podem seguir.

E assim chegavamos ao nosso Portugal.  

Uma arrancada até á estação de serviço da Sacor para atestar de gasóleo, que em Portugal era mais barato devido ao imposto que pagavamos e um telefonema para casa, para dizer á esposa que já tinhamos chegado e ela participar á do outra colega a mesma coisa e se não houver atraso nenhum devermos estar em casa entre a 1 e 1,30 da manhã.

Tomamos a estrada do (contrabando, como lhe chamavam) do Sabugal, Terreiro da Bruxas, Caria, Peraboa, Ferro, Tortosendo e finalmente a estrada do Vale do Zezere, para o Dominguiso, terra do meu companheiro António e a minha aldeia, Peso. Passava da 1 da manhã, a luz do meu quarto estava acesa e a porta de entrada ao cimo das escadas abre-se…um abraço e um beijo de quatro dias de saudade, esperam-me, a tensão da esposa , (de 23 anos de idade) alivia-se. Uma boa sopa esperava-me também, pois era isso que nos apetecia depois de quatro dias de comida secas das merendas.

A minha esposa maldizia esta vida de preocupação e foi isto um dos motivos da minha (nossa) vinda para o Canadá.

Entretanto era terça-feira e normalmente outro serviço se aprontava para  a sexta-feira; para outro destino, para outra parte da França ou Alemanha ou Luxemburgo… havia que contactar pessoas de diferentes localidades vizinhas, pois o mercado local não sustenta a família. Era assim  a vida do motorista de praça da pequena aldeia beirã, nas décadas de 1960 / 70.

 Belarmino Duarte Batista

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