Navegando na Filosofia . Carlos Fontes

 

Qual é a primeira atitude que temos perante as coisas ?

O que distingue a atitude natural da atitude crítica? 

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"É característica do filósofo esse estado de ânimo: o espanto, porque outro não é o princípio da Filosofia; e aquele que disse ser Íris (a Filosofia) filha de Thaumante (o espanto, maravilha), parece que não estabeleceu mal a origem.", Platão, Teeteto, 155 d.

"O espanto sempre foi, antes como agora, a causa pela qual os homens começaram a filosofar: a princípio, surpreendiam-se com as dificuldades mais comuns; depois, avançando passo a passo, tentavam explicar problemas sempre maiores, como por exemplo os que giravam em torno dos fenómenos da Lua, do Sol e dos astros, e finalmente os relativos à génese do todo (Cosmos, Universo). Ora, quem duvida e se espanta, crê ignorar. E por isso, sob um certo aspecto, também o amante do mito é filósofo: uma  vez que o mito se compõem de coisas que nos espantam.", Aristóteles, Metafísica, I,2.

 

Da Atitude Natural à Atitude Reflexiva

  "Já leste a história do Pedro", perguntou Helena a Joana. Esta, limitou-se franzir a testa, mostrando o pouco interesse que tinha pela mesma. Ouvira um resumo, mas pareceu-lhe logo um perfeito disparate. Helena pelo contrário achava-a fascinante.

Contava a história de um rapariga que desde pequena tinha medo de tudo o que não conhecia. Era este o motivo porque ao longo dos anos, procurou meticulosamente fazer sempre as mesmas coisas, repetir os mesmos gestos, e até em manter as mesmas ideias. Esta atitude revelou-se duma enorme vantagem: ela deixara de ter hesitações nas escolhas, antecipadamente já sabia o que queria. Por comodidade habituara-se também a acreditar em tudo o que lhe diziam. Enquanto acreditava não precisava de pensar. Quando inadvertidamente se via envolvida no meio de uma discussão, ficava calada, ciente que as ideias que possuía eram as bastantes para viver. A vida decorria sem imprevistos. Abominava a incerteza e as ambiguidades. As pequenas rotinas do dia-a-dia davam-lhe uma grande segurança interior. Acabou por deixar de pensar, limitava-se a viver como sempre vivera, a acreditar no que sempre acreditara. É certo que às vezes se sentia aborrecida, mas nestas situações dormia. Se não tinha sono, entretinha-se a ver televisão. Muitos anos depois, ao entrar em casa, como desde criança fazia, tocou à campainha. O som soou-lhe estranho. Uma dúvida instalou-se no seu espírito, seria aquela a sua casa?. Numa sucessão de gestos à muito mecanizados, limpou os pés num tapete inexistente, meteu a chave à porta e entrou. Abriu a caixa do correio. Começou a subir a escada, mas esta pareceu-lhe infindável, sentiu-se sem forças para prosseguir. Angustiada, sentiu um enorme vazio à sua volta, nada parecia fazer sentido. Decidiu voltar de novo à rua, olhou primeiro para o número da porta e depois para a fachada da casa, confirmou que não se enganara. Mas a distância a que se colocara permitiu-lhe, pela primeira vez, reparar que a casa ameaçava ruir a todo o momento. Sentiu-se apavorada ao tomar consciência que vivia entre escombros. O mundo deixara de lhe ser familiar. A custo voltou a entrar naquela casa, mais estranha do que nunca. Quando os vizinhos já temiam que algo de grave lhe tivesse acontecido, saiu finalmente à rua. A primeira pessoa com quem se cruzou, foi o talhante do bairro, tendo-lhe perguntado: "Como se pensa tudo de novo?. Como é que é o mundo? Como é que são as coisas? E elas serão sempre da mesma maneira, ou podem variar de acordo com o modo como são vistas e apreendidas?".

Carlos Fontes

Foto: Greg Rakozy

 

 

Outros Textos

 

 

Olympia, de René Magritte

Mas como deve ser caracterizada a atitude que é por essência a atitude originária, o modo de ser histórico fundamental da existência humana? Respondemos: é evidente, por razões de geração, que os homens vivem sempre em comunidades, família, tribo, nação, as quais, por sua vez, estão elas mesmas articuladas, de modo mais ou menos complexo, em diversos grupos sociais particulares. A vida natural pode ser caracterizada como uma maneira ingenuamente directa de viver no mundo, mundo de que possuímos sempre, de uma certa maneira, consciência, enquanto horizonte universal, mas que não é, contudo, temático. Temático é aquilo para o qual se está orientado. A vida desperta consiste sempre em estar orientado para isto ou para aquilo, como um fim ou como um meio, como qualquer coisa de relevante ou de irrelevante, de interessante ou de indiferente, de privado ou de público, de quotidiano ou de novo.

E. Hurssel, La Crise des Scienses européennes et la phénoménologie transcendantale. Paris. Gallimard. 1976,p.361 (adpt.). 

 

 

Conceitos

 

 

Atitude Natural . Atitude Crítica . Atitude Filosófica . Senso Comum .

 

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Síntese da Matéria 

 

Ideias básicas:

1. Embora a capacidade de reflectir seja inerente a todos os homens, nem sempre a estamos a exercitar. Por habito uns fazem-no mais do que outros. Viver e reflectir não são necessariamente sinónimos. 

2. Designa-se por atitude natural, a nossa atitude mais comum que temos perante as coisas, em que nos limitamos a aceitar passivamente aquilo que nos é dado através dos sentidos. Nesse sentido a atitude natural é também designada  por Senso Comum, o primeiro nível de conhecimento.

3. O pensamento reflexivo surge, quando o homem toma uma atitude problematizadora da realidade; Aquilo que era natural, surge de repente como algo estranho, carecendo de ser compreendido e explicitado. Reflectir implica um distanciamento das coisas, para as poder voltar a olhar de outra forma. Designa-se esta última atitude por reflexiva. 

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Pesquisa

 

 

O Homem e o Mundo

A Diversidade das Experiências

Experiência e Saber

Tipos de Saberes Decorrentes da Experiência

Senso Comum

Saberes Disciplinares

Carlos Fontes

10º. Ano - Programa de Filosofia

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