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Filosofia de John Locke

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A filosofia de Locke está intimamente ligada à necessidade política de encontrar uma resposta para os graves conflitos políticos e religiosos  que devastavam a Inglaterra no século XVII, respondendo à questão: Como devemos viver? Que podemos conhecer e quais os limites do nosso conhecimento?

Não é pois de estranhar que a sua filosofia seja pouco sistemática, revelando mesmo falta de unidade. 

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Locke é um filósofo de transição entre as concepções medievais e as ideias modernas.

Em termos científicos segue as ideias mais avançadas do seu tempo, admitindo a hipótese mecânica e corpuscular. Participa com os seus amigos e colegas na Royal Society, onde se reúnem os filósofos experimentais.

Em termos morais, políticos e na religião, acredita numa lei natural divina. As suas concepções apoiam-se neste campo, na Biblia, em S.Tomás de Aquino e nos teóricos do direito natural. 

Há contudo, um aspecto a que sempre se manteve fiel na sua filosofia: a exigência de uma autonomia radical dos indivíduos. Estes são livres de pensar, julgar e agir por si mesmos. A autonomia do individuo é a sua liberdade e esta nunca deve ser alienada em circunstância alguma, sob pena de se negar aquilo que de mais essencial existe nos seres humanos. A sociedade foi constituida para garantir a garantir. Trata-se de um direito natural inalienável. 

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Ideias Políticas. Locke parte da suposição que os homens no princípio dos tempos (estado de natureza) viviam em plena liberdade e igualdade entre si. Os homens, por conseguinte, nasciam livres, independentes e eram apenas governados pela sua própria razão. O único direito que reconhecem ( o direito natural) é o que os proibe de roubar ou destruir a vida, a liberdade e a propriedade de outros.  Vendo a vantagem em se associarem para resolverem os seus conflitos de interesses e protegerem os seus direitos, estabelecerem um contrato social criando assim uma comunidade (sociedade organizada). Estes homens não eram nem maus (como afirmava Hobbes), nem bons (como defenderá depois Rousseau), mas apenas seres susceptíveis de serem aperfeiçoados. A função do governo, neste quadro, limitava-se a garantir o respeito pelos direitos naturais (a vida, a liberdade e os bens) dos cidadãos.

O bem público deve servir às realizações individuais e não a fins colectivos indefiniveis. Locke é apontado como o principal fundador do liberalismo.

Estas ideias políticas estão, neste ponto, em consonância com as suas teses empiristas. Assim como não existem ideias inatas na mente, também não existe poder que se possa considerar inato e de origem divina, como defendiam os teóricos do absolutismo.

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Separação de Poderes. Locke advoga a separação de poderes, nomeadamente entre o legislativo e o executivo. O poder supremo é o legislativo, mas este está limitado pelos direitos naturais dos cidadãos. A ele compete publicar as leis que protegem a vida, os direitos dos cidadãos. O poder executivo está limitado pelo poder legislativo, mas acima de ambos estão os  direitos naturais dos cidadãos. No caso destes serem violados, estes tem toda a legitimidade para resistirem ao poder constituído.

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Tolerância. Locke defendia que a tolerância era algo intrínseco ao cristianismo, assim como à razão natural. Para sustentar a tolerância na Biblia, faz uma separação entre a "letra" e o "espírito da letra". A Biblia devia ser lida á luz da razão, depurando-a de tudo aquilo que fosse contrário à própria tolerância. Locke, na Carta sobre a Tolerância, irá procurar mostrar que: 1. A perseguição por motivos religiosos é ilegitima, quer seja realizada pelo Estado, quer pela Igreja; 2.O Estado não tem por função ocupar-se da salvação das almas; 3. A Igreja, não tem legitimidade para aplicar sanções e penas que saiam do foro espiritual.4. Em todo o caso, todas as sanções são inúteis neste domínio, dado que não há meios de garantir a adopção de uma dada crença pelos individuos forçados a tal.

A questão da tolerância foi durante séculos tratada como a atitude que os governantes tinham para com as crenças e religiões minoritárias. Defendia-se que a unidade política de um país dependia em grande medida da sua unidade religiosa. 

Ora, Locke advoga de forma inequívoca a separação entre a política e a religião, defendendo que o Estado não se deve imiscuir nas opções religiosas dos cidadãos. Os dois tem domínios muitos distintos e que não são coincidentes. A religião como domínio a salvação pela fé e o culto a Deus e o Estado os interesses civis. A salvação do individuo é distinta da sua utilidade neste mundo. Apesar disso possuem algumas semelhanças.

A Igreja é uma sociedade livres de homens voluntariamente reunidos para praticarem um mesmo culto a Deus e obterem a salvação das suas almas.

A sociedade é também uma associação de indivíduos que fizeram entre si um contrato de reunião.

Mas ao contrário da sociedade, uma Igreja, não pode exercer qualquer tipo de violência sobre os seus membros. Os seus únicos meios de acção são a exortação e a advertência.Também as igrejas se devem tolerar entre si, agir pacificamente e dispensar-se a apelar para os magistrados ( o Poder Civil).

A fundamentação para esta posição, está no facto de Locke sustentar que nenhuma crença pode ser imposta. Não se crê porque se é obrigado, nem porque se quer. A crença, como a salvação da alma só diz respeito ao foro intimo de cada um, onde surge como uma luz interior, uma evidência.

Neste sentido, a manifestação pública de certas formas de culto, podem não ter qualquer correspondência em termos de crença dos que nela participam. A Igreja só pode assim favorecer a comunhão das crenças, mas estas em rigor, estas são  incomunicáveis. Não há meios de saber se os indivíduos acreditam ou não nelas.

A intervenção do Estado está limitadissima na esfera religiosa. O Estado deve apenas limitar-se aos actos de interesse público, isto é, assegurar a ordem e a paz indispensáveis ao bem estar dos indivíduos, a sua prosperidade económica e segurança.  

A tolerância tem contudo limites. Não se pode tolerar aqueles colocam em causa a própria tolerância: os católicos e os ateus. Os primeiros devido à sua obediência ao Papa e à intolerância  que dão mostras para com as outras religiões. Os segundos porque para eles as promessas não têm valor, pondo assim em causa os fundamentos das sociedades humanas.  

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Empirismo. Considerado o pai do empirismo inglês, desenvolveu uma teoria do conhecimento que irá inspirar outros filósofos desta corrente.Para esta corrente filosófica a experiência é a fonte de todo o conhecimento. Ideias básicas sobre o empirismo de J. Locke: 1. Não existem ideias inatas; 2.Nada existe no intelecto que já não exista nos sentidos. O espírito humano está por natureza vazio, é uma tábua rasa, uma folha em branco onde a experiência escreve; 3.Todo o conhecimento depende da experiência, mas também está por ela limitado; 4. As ideias complexas são o resultado de uma combinação de ideias simples, apreendidas através dos sentidos. 5.Embora todos os conteúdos do conhecimento procedam da experiência, Locke admite que há verdades com validade universal que são dela independentes, como a matemática. O fundamento da sua validade reside no pensamento e não na experiência.

Carlos Fontes

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Edições
John Locke - Carta sobre a Tolerância, Tradução Berta Bustorff Silva, introdução e análise de Marcello Fernandes e Nazaré Barros. Lisboa. Lisboa Editora.
John Locke - Ensaio Sobre A Verdadeira Origem Extensão e Fim do Governo Civil. Lisboa. Edições 70.1999
John Locke - Ensaio sobre o Entendimento Humano. 2 vols. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian.1999
John Locke - Dois Tratados sobre o Governo. Martins Fontes. Editorial Lda.São Paulo.1998
John Locke - Segundo Tratado sobre o Governo Civil. Petrópolis. Vozes.
John Locke - Cartas sobre a Tolerância. São Paulo. Icone Editora. 2004
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Comentários

Leroy, André-Louis - Locke, Lisboa. Edições 70.1985.
Jorge Filho, Edgar José- Moral e História em John Lock.São Paulo.Ed.Loyola.1992
Magalhães -João Baptista - Locke. A "Carta sobre a Tolerância no seu contexto Filosófico". Ed.Contraponto.Porto.2001
Michaud, Ives - Locke, Rio de Janeiro.Jorge Zahar Editor.1986
Os Pensadores - Locke, São Paulo. Nova Cultural.1988
Yolton, Jonh W -  Dicionário de Locke. Rio de Janeiro.Jorge Zahar Editorial Lda.1996

 

Carlos Fontes

Pesquisa:

Biografia de John Locke

Carta Sobre a Tolerância

Tolerância- Em torno de um conceito

Do Direito natural aos Direitos Humanos

Tolerância - Uma Perspectiva Histórica

Carlos Fontes

Referências Históricas

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