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Reformas do PS- 1996-2002 

Carlos Fontes

Introdução

O sistema educativo português vive numa reforma permanente. Cada nova equipa ministerial gosta de deixar a sua marca no sistema. Uns apregoam profundas reformas, outros contentam-se com revisões, mas todos ambicionam mudar tudo. A maioria pretendem "salvar a pátria", mas se limitam a melhor o que está mal no sistema educativo. Tem sido sempre assim desde Abril de 1974.

Uma das últimas tentativas de mudar todo o sistema de ensino foi realizada pelo Partido Socialista (PS), entre 1996-2002, mas como sempre tem acontecido não chegou a ser concluída (ver). 

O Partido Social-Democrata (PSD) que ganhou as eleições em Março de 2002, acabou por suspender a revisão curricular de todo o ensino secundário (Junho de 2002) anteriormente decretada. O novo ministro da educação (David Justino), não tardou em anunciar a sua própria reforma do sistema (fins de 2002). O inicio da reforma do ensino secundário foi marcada para o começo do ano lectivo de 2003/2004 (ver). No ano lectivo de 2003/2004, entrou em funcionamento o 10º. ano dos cursos gerais do ensino secundário com novos currículos e programas. No ano lectivo seguinte, foi a vez de entrar em vigor a reforma do 11º. ano dos cursos gerais e os novos cursos tecnológicos. A reforma aparentemente estava terminada. A avaliação destes dois anos mostrou já com toda a clareza que os problemas do ensino secundário não apenas se agravaram, mas também todo o sistema está agora em ruptura. Entre 2004 e 2005 foi de total desnorte no sistema educativo. Pior era impossível.

Em 2005 o PS ganhou de novo as eleições. Não prometeu nenhuma reforma no sistema educativo, mas como veremos, acabou por provocar uma profunda revolução no sistema. 

Carlos Fontes, 2007

 

Reformas do Ensino Secundário

Após décadas de imobilismo, desde os anos sessenta que o sistema educativo português, tem conhecido constantes reformas, em todos os níveis de ensino. O ensino secundário não foi, como se depreende, nenhuma excepção. Cada Governo, em particular os que se seguiram de forma vertiginosa à "Revolução" do 25 de Abril de 1974, procurou deixar a sua marca na educação. Não raro as escolas foram transformadas em verdadeiros laboratórios de experiências pedagógicas que iluminados dirigentes ministeriais entendiam realizar em Portugal. As reformas eram feitas sem um prévio trabalho de análise e reflexão aprofundada do contexto em que seria aplicadas. Tendência que chegou até aos anos noventa (Grilo, 1992) e para não dizermos até ao presente.

    Ao longo destas décadas, o ensino secundário, tem sofrido profundas mudanças, sendo de registar quatro tendências fundamentais:

    a) O constante aumento de frequência e a heterogeneidade da população escolar. De ensino destinado a elites sociais, nomeadamente na sua vertente liceal, o ensino secundário transformou-se no princípio dos anos noventa, num ensino de massas. As escolas revelaram desde então crescentes  dificuldades em integrar populações com características tão diversificadas. 

   b) A redução do tempo de duração em consequência do aumento da escolaridade obrigatória. A primeira redução ocorreu em 1967, quando a escolaridade obrigatória passou de 4 para 6 anos, provocando a redução do ensino secundário de 7 anos para 5 anos (7º.,8º., 9º. 10º e 11º. Ano). A segunda ocorreu já nos anos oitenta, quando a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº46/86, de 14/10) consagrou um ensino secundário de três anos (10º, 11º. e 12º. ano), após nove anos de escolaridade obrigatória. A presente Reforma aparentemente pretende contrariar esta tendência.

   c) A transformação do Ensino Secundário, num mero corredor de passagem para o ensino superior. Desde os anos sessenta que os cursos secundários que registam maior crescimento, são os que permitem o acesso ao ensino superior. As explicações para este fenómeno complexo, comum à maioria dos países desenvolvidos, são múltiplas. Entre elas registamos algumas que consideramos relevantes para esta transformação: 1. A elevação do nível de vida da população, produzindo um natural crescimento nas expectativas de ascensão social ; 2. A "unificação" do ensino liceal e ensino técnico-profissional (1976 a 1981), o que se traduziu na licealização do secundário ;  3.O descrédito do cursos técnicos de nível intermédio promovidos nas escolas públicas, nomeadamente a partir da década  de oitenta; 4. As elevadas taxas de desemprego entre os jovens, sobretudo entre as raparigas. Este facto estimulou que muitos prosseguissem os estudos, tendo em vista obter melhores qualificações académicas para ingressarem no mercado de trabalho. Situação que se viu favorecida, com o notório abaixamento do nível de exigências para a entrada no ensino superior, no final da década de 80, provocado pela explosão do ensino superior privado.

     d) As constantes tentativas ministeriais para retardarem a entrada nos jovens no ensino superior, conduzindo-os, nomeadamente para os cursos técnicos ou outras vias de formação intermédias. Ao longo das últimas décadas assinalam-se as seguintes medidas: 1. O lançamento do serviço cívico em 1975, destinado aos alunos que tivessem concluído 11 anos de escolaridade e pretendessem ingressar no ensino superior ; 2. A criação de um ano propedêutico, em 1976, pouco depois transformado no 12º. Ano, e cujo aproveitamento era obrigatório para o ingresso no ensino superior; 3. Consagração de um exame nacional destinado a hierarquizar os candidatos ao ensino superior, nas diversas áreas;  4. O lançamento, em 1980,  de uma acção-piloto de qualificação profissionalizante de jovens, que desembocou, pouco depois, numa formação técnico-profissional mais consistente; 5. O  relançamento, em 1983, do ensino técnico-profissional; 6. O lançamento, em 1989, dos cursos tecnológicos nas escolas regulares, e dos cursos profissionais nas escolas profissionais de iniciativa privada, mas apoiadas pelo Estado e a União Europeia; 

 

A Reforma Curricular de 1989

   Na sequência da publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, em 1986, começaram a ser estudas um conjunto de medidas que se traduziram, em 1989, numa ampla reforma do ensino básico e secundário. O contexto político, nomeadamente devido à entrada de Portugal na CEE, era particularmente propício à introdução de grandes mudanças no sistema educativo, o que surge reflectido no diploma que determinou a reforma curricular  (Dec.-Lei nº286/89, de 26/8). A mudança era imperiosa, mas os receios eram enormes quanto à questão da identidade nacional. No ensino secundário foram formulados um conjunto objectivos, que podem ser assim resumidos:

   a) Combate ao insucesso escolar, nomeadamente o resultante do abandono escolar antes da conclusão da escolaridade obrigatória. Neste sentido, declarou-se que a avaliação devia de ser formativa, pois só esta favorecia a autoconfiança dos alunos. Reforçou-se as estruturas de apoio educativo, tendo como objectivo equilibrar a diversidade de ritmos e capacidades dos alunos; Diversificou-se as componentes formativas, em várias dimensões, por forma a corresponder aos interesses dos alunos, sem esquecer o prosseguimento dos seus estudos.  

   b) Relançamento de uma via credível ao ensino superior, através da criação de cursos tecnológico nas escolas regulares, e de cursos profissionais nas escolas profissionais, então criadas através de protocolos entre Estado e entidades privadas. A diversificação da oferta do sistema  educativo formal apenas depois do 9º. Ano de escolaridade, não era nova, e já se verificava anteriormente à LBSE (Azevedo,1994). Então, após o primeiro ciclo do ensino secundário ou ensino secundário unificado (após 9 anos de escolaridade obrigatória) o sistema de ensino oferecia três vias: profissional, técnico - profissional e de ensino ou vocacional. A grande novidade em 1989 foi os meios envolvidos na criação do ensino profissionalizante como uma alternativa credível ao ensino superior. O Ministério da Educação fez neste campo passar a ideia que o país via neste ensino uma verdadeira revolução.    

   c) Criação de uma área de inovação curricular - a Área-Escola - destinada a fomentar as práticas de interdisciplinaridade entre os  professores, na realização de projectos em comum, por iniciativa dos alunos. Todo o currículo foi, explicitamente concebido, de forma a estimular projectos interdisciplinares.

    d) Criação de uma área de formação pessoal e social, tendo em vista, contemplar a tão apregoada formação cívica.

     Mal havia sido concluída a reforma, com a entrada em funcionamento do novo currículo do 12º. ano, vários estudos constatavam já que a mesma havia falhado nos seus objectivos. 

 

Avaliação Educativa

   Ao longo da década de noventa foram-se acumulando dados que mostraram o profundo falhanço reforma. A maioria era consensual nas seguintes aspectos:

      a) As elevadas taxas de insucesso escolar, em todos os níveis de ensino mantinham-se muito para além das que seriam admissíveis, a nível europeu;

      b) O ensino secundário mantinha-se como um simples corredor de passagem para os estudos superiores;

      c) Os cursos tecnológicos das escolas regulares, eram na maior parte dos casos apenas frequentados por alunos oriundos dos grupos sociais mais desfavorecidos, apresentavando em geral elevadíssimas taxas de insucesso. Os professores encaravam-nos frequentemente como uma versão simplificada dos cursos gerais, destinada aos alunos com menores capacidades. Eram na prática formações de segunda oportunidade.

        d) Os cursos profissionais oferecidos pelas escolas profissionais, embora revelassem elevadas taxas de ingresso na vida activa, apresentavam custos exorbitantes por aluno. A sua dependência era total dos subsídios do Estado e da União Europeia. Para cúmulo estes alunos, quando prendiam prosseguir os estudos, apresentavam uma deficiente preparação comparativamente com aos seus colegas dos cursos gerais do ensino regular .

        e) As principais inovações pedagógicas, como a "Área-Escola", ou a nova disciplina transversal como a de Desenvolvimento Pessoal e Social (DPS), revelaram-se um completo fracasso. A maioria das escolas não as implementaram, ou quando o fizeram foi de uma forma circunstancial.       

        f) Paralelamente, a formação contínua dos professores, incrementada depois 1991, apresentava também resultados bastante negativos. Alguns relatórios de avaliação oficiais são unânimes  em reconhecer é imperceptível a sua eficácia na melhoria da qualidade do ensino.  A formação ministrada está, em geral, desligada do contexto das escolas e das suas necessidades específicas.

        

O Novo Contexto Político

   A reforma de 1989 foi feita durante o período em que partido do governo (PSD) possuía uma confortável maioria absoluta (1986-1995) e o país registava elevadas taxas de crescimento económico. Esta reforma registou então uma larga participação dos professores. Nas eleições de Outubro de 1995, um novo partido ganha as eleições (PS), mas não obteve a maioria absoluta. Situação que voltará a verificar-se nas eleições de 1999. O ministro da educação no primeiro mandato - Marçal Grilo - há muito que era considerado um reputado analista do sistema educativo, declarando-se com frequência contra as reformas educativas, ditadas por razões conjunturais (Grilo, 1992). Guilherme d`Oliveira Martins, sucedeu-lhes em 1999, na pasta ministerial. Pouco depois entra Augusto Santos Silva que não chega a aquecer o lugar. Teoricamente todos são defensores de uma perspectiva  gradualista nas alterações do sistema educativo e defendem a autonomia das escolas e o reforço do papel dos professores na educação.     

    A reforma que desde 1997 começou por ser empreendida, destacou-se por ser feita sobretudo por via administrativa, longe da discussão com os principais interessados. Professores, alunos e pais acabam por sentirem-se pouco informados e arredados das medidas que são a ser tomadas.  Há pois uma clara intenção de envolver o mínimo de interlocutores possíveis: Aparentemente estamos perante uma acção típica de um governo autoritário, que concebe as reformas educativas como uma tarefa de especialistas, reduzindo os professores a meros executantes.

 

A Reforma de Secretaria

   Desde 1997 que de forma gradual o governo tem vindo a introduzir um vasto conjunto de medidas que configuram uma nova reforma feita através de expedientes essencialmente  administrativos. Neste sentido tomou medidas que alteraram profundamente o quadro legal em áreas como: 

   a) A "autonomia das escolas", num documento que transfere para as escolas responsabilidades, sem os correspondentes meios financeiros;

   b) O regime disciplinar nas escolas, onde enreda o professores em morosos procedimentos burocráticos na aplicação de sanções disciplinares, numa altura em que a violência atinge chocantes dimensões;

   a) Os currículos alternativos, primeiro no ensino básico (1997), e agora também no ensino secundário. 

   Durante o ano de 2000, foram sendo anunciadas uma série de medidas, que pretendiam ser apenas uma "revisão curricular", que desde 1997 estaria a ser preparada, abrangendo em particular o ensino secundário. Esta "revisão curricular" implica as seguintes medidas:

    a)  Reorganização dos tempos lectivos (duração das aulas, carga horária semanal, duração dos períodos, etc)

    b) Reorganização dos cursos gerais e cursos tecnológicos e respectivos currículos ;

    c) Reorganização dos programas das diferentes disciplinas;

Informação a Conta Gotas

A documentação referente ao novo currículo do ensino secundário, incluindo os respectivos programas, foi surgindo de forma espaçada de modo a impossibilitar uma visão de conjunto das alterações que se pretendiam introduzir. 

    O primeiro documento digno desse nome -a "Proposta de Revisão Curricular do Ensino Secundário -, foi enviado para as escolas em Novembro de 1999. Trata-se de um texto sintético que pretende compendiar uma "revisão participada do currículo" que o Departamento do Ensino Secundário (DES) teria desenvolvido "formalmente" desde Fevereiro de 1997. Esta ampla participação foi prontamente contestada pela esmagadora maioria das associações representativas dos professores, alunos e pais. Facto que terá pesado, na recente decisão do Ministro da Educação, em adiar a entrada em vigor da Revisão Curricular de Setembro de 2001 para Setembro de 2002. 

    A fundamentação da "revisão curricular" é feita neste documento de uma  forma sumária e circunstancial. O objectivo explicito da revisão é o de adequar melhor o currículo existente, às finalidades consignadas na Lei de Bases do Sistema Educativo e ao processo de mudança que se verifica a nível nacional e internacional. A revisão é pois um "Ajustamento" imposto pelas circunstâncias. Aponta-se todavia algumas ideias que não sendo novas, reforçam linhas programáticas anteriores: a) O combate ao insucesso escolar, a prioridade das  prioridades; b) A diferenciação entre cursos tecnológicos e cursos gerais; c) A diversificação das ofertas formativas, de forma a que este nível de ensino seja cada vez mais encarado como terminal; d) A criação de um 13ª. Ano, destinado a facilitar as mudanças de entre os cursos;  e) A consagração de uma pedagogia de projecto, tendo em vista estimular práticas de interdisciplinaridade; fe) O incentivo à interligação entre as escolas e a comunidade, nomeadamente através de parcerias.

    Após este documento, seguiu-se um quase vazio de informação, apenas cortado com algumas declarações pontuais por parte de responsáveis ministeriais. As novidades eram poucas, e regra geral. pouco precisas.

 Divulgação dos Programas

    Durante o ano de 2000 os projectos dos novos programas começaram a ser divulgados unicamente através da Internet, sendo fixando um prazo de 15 dias para a sua discussão pública neste meio. Estamos perante uma forma de divulgação que merece alguns reparos: 

    a) Há uma evidente tentativa de limitar a participação de todos os interessados. Situação agravada pelo facto da página do Ministério ser de difícil acesso a não iniciados em informática. Na melhor das hipóteses, trata-se duma atitude provinciana face às Tecnologias de Informação. Na pior, somos levados a pensar que estamos perante mais uma manifestação características de certas elites culturais de países semi-periféricas, que se julgam detentoras da verdade, e olham com desconfiança para tudo o que seja discutirem em público as suas ideias. É sintomático que não tenha passado pela cabeça de ninguém no Ministério da Educação que, nem todos os portugueses possuem acesso à Internet. Para cúmulo nem sequer se darem ao trabalho de elaborarem um calendário provisório da edição dos diferentes projectos de revisão curricular, pondo assim de sobreaviso os potenciais interessados. Os projectos aparecem quando calha, por mera rotina burocrática. 

    b) A análise dos projectos que tem sido divulgados, revela desde logo que a elaboração dos programas não obedeceu a qualquer orientação. Não existe uma estrutura comum ao diferentes programas, nem sequer ao nível da terminologia utilizada. É evidente que cada programa foi tratado de uma forma individualizada, sem ter em conta a sua articulação global. 

 

   Em 2002 era por demais evidente, a forma leviana como os iluminados reformadores do Ministério da Educação haviam preparado e dirigido a reforma (Mais). A sua suspensão em Junho acabou por ser sentia como um alívio por professores e alunos. Não será tempo de se pedirem responsabilidades?  

Carlos Fontes, 2002

Continuação

Carlos Fontes

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