ABC da Reforma do Ensino Secundário do PS

 

Carlos Fontes

Iniciada em 1997, por um governo do PS foi suspensa em Junho de 2002 por um do PSD ( ver

Apesar de ser escassa a documentação produzida pelo Ministério da Educação sobre esta nova reforma do ensino secundário, nem por isso deixamos de fazer breve inventário.

A . C . D . E . F I . M . N . O . PR . S.   

 

Adiamento.Desde 1997 que uma vasta equipa prepara a reforma do ensino secundário. Quando foi anunciado que o primeiro ano lectivo entraria em funcionamento em 2001/2002, muitos foram os que manifestaram enormes dúvidas. Era evidente que havia um enorme déficit de comunicação com a comunidade escolar. Ninguém sabia exactamente o que se estava a "cozinhar", com excepção de um grupo de iluminados directamente envolvidos na concepção dos documentos de orientação. A primeira leitura que todos fizemos foi a de, mais uma vez, os altos responsáveis ministeriais não pretenderiam discutir estes assuntos fora do seu círculo de confiança.   Quando se tornou inevitável o Ministro da Educação acabou por confirmar que a reforma tinha que ser adiada  porque os serviços ministeriais foram incapazes de informar e mobilizar a comunidade escolar, os estudos ainda não estão completos, etc., etc. Em resultado disto tudo foi marcada uma nova data para o início da reforma no ensino secundário: 2002/2003. O Governo caíu e a reforma foi suspensa em Junho de 2002.

Atraso. Apesar de todos os progressos nas últimas décadas, Portugal continua na cauda da União Europeia em termos de escolaridade. O contraste continua a ser impressionante segundos os dados Eurotast referentes a 1999:

Em Portugal 46% dos jovens entre os 18 e os 24 anos abandonavam a escola apenas com a escolaridade obrigatória, ou nem isso. A média comunitária era de 21%.

O ensino secundário era concluído em média por 71% da população europeia entre os 25 e os 29 anos. Em Portugal só 35% dos adultos dentro desta faixa etária tinham estas qualificações. Nos nas faixas etárias mais avançadas o problema é ainda mais grave: apenas 12% da população entre os 50 e os 64 anos possuía então o secundário completo.

Em Portugal só 10% da população entre os 25 e os 64 anos têm uma qualificação superior. A média comunitária é de 21%. Em Espanha 20% da população possui estudos superiores.

Auto-Emprego. Os cursos tecnológicos, de Nível III, apontam claramente para a possibilidade de findos os quais os alunos poderem criar o seu próprio emprego. A verdade é que no currículo nada está contemplado para apoiar os futuros empresários na criação das suas próprias empresas. Esta é uma das questões ignoradas nos currículos e orientações ministriais. No fundo não é para levar a sério como tantas outras nesta reforma.

Avaliação: Ao contrário do que a Comunicação Social fez inicialmente crer, multiplicam-se nesta reforma os momentos de avaliação dos alunos:

- passam a existir quatro momentos de avaliação,  dois são de natureza qualitativa (no Natal e na Páscoa) e dois de natureza quantitativa (no fim do primeiro semestre e no final do ano lectivo). 

- persistem as provas globais, mas desta vez realizam-se apenas no 11º. e 12º Ano.

- no final dos cursos tecnológicos, os alunos serão submetidos a uma Prova final de Aptidão Tecnológica. 

Perante este quadro é natural que os professores deste nível de ensino continuem, mais uma vez, a privilegiar a mera transmissão de conhecimentos que serão  objecto das diversas provas de avaliação. 

Avaliação dos Programas.  A equipa encarregue da avaliação das propostas de programas tornou público os critérios que presidiram à avaliação: Nos cursos gerais apenas se preocupou com os aspectos formais dos programas, isto é que tivessem uma introdução, finalidades, objectivos conteúdos, sugestões, etc. O significado preciso de cada um destes conceitos ficou a cargo dos autores do respectivos programas. O diálogo entre os autores das várias propostas de programas foi totalmente impossível. Cada equipa trabalhou de forma isolada.  Nos cursos tecnológicos procurou-se que os autores das disciplinas de um mesmo curso dialogassem por forma obter alguns consensos sobre os conteúdos. Os múltiplos instrumentos de recolha de informação e de verificação serviram apenas para amontoar dados, sem nenhuma possibilidade de serem tratados. Estamos pois perante o grau zero da avaliação dos programas. O que apenas confirma aquilo que uma simples análise dos programas no seu conjunto revela.    

Calendário Escolar. A partir do ano lectivo de 2000/2001, o novo calendário escolar já terá três períodos de cerca de 90 dias cada. O ano lectivo começará durante a primeira quinzena de Setembro e terminará na semana antes do Natal.  O segundo período mantém a interrupção de cinco dias por ocasião do Carnaval, mas deixa de estar dependente do feriado móvel da Páscoa. O último período acabará até 30 de Junho. O objectivo é conseguir uma melhor planificação do ano lectivo.   

Carga Horária. Foi fixada  uma carga horária máxima de 30 horas semanais para o ensino secundário, em vez das actuais 33 horas. Espera-se que com esta medida seja finalmente possível o desenvolvimento das actividades extracurriculares, mas para isso é necessário que nas escolas sejam criadas ocupações diversificadas, caso contrário, assistiremos ao simples aumento da frequência dos centros comerciais...      

Competências.A nova reforma exclui do ensino a aquisição de competências profissionais específicas. Mesmos os cursos tecnológicos são meramente exploratórios de  uma dada ocupação profissional. Em muitos casos não passarão mesmo de um simples pretexto. O que se pretende é criar contextos formativos onde os alunos possam adquirir as novas competências transversais reclamadas pela economia actual, tais como: a) capacidade de adaptação a diversas situações; b) capacidade de análise, conceptualização, deliberação e expressão; c) capacidade de trabalhar em equipa; d)pensamento criador, virado para a resolução de  problemas e a inovação. 

Componentes de formação.  Todos os cursos possuem uma estrutura similar: a) uma componente de formação geral; b) uma componente de formação especifica; c) uma área de projecto/projecto tecnológico.

Críticas: Ao contrário do que seria de esperar esta reforma tem sofrido poucas críticas. Eis os principais argumentos contra a actual reforma:

 a) Uma reforma pouco participada. Alunos, professores e sindicatos queixam-se que não foram consultados. O Ministério afirma que em 1997 participaram em debates cerca de 30 mil professores ("Encontros no Secundário"). Apesar do certo exagero de ambas as partes, uma coisa é certa: não era intenção dos responsáveis do Ministério envolverem os professores na fase de concepção e elaboração. Tudo foi aliás conduzido neste sentido;

 b) Manutenção de dois tipos de cursos, um de primeira e outro de segunda. Os cursos gerais  continuarão a ser preferencialmente procurados por alunos com origens sociais mais elevadas, do que os que se dirigirão para os cursos tecnológicos. As taxas de insucesso escolar serão mais elevadas nos cursos tecnológicos do que nos cursos gerais. Esta é a situação actual, e no futuro será provavelmente a mesma. Nada de novo acontecerá neste capítulo. Nada na reforma se aponta capaz de superar os actuais desequilibrios entre os tipos de cursos. 

c) Um ensino teoricamente mais experimental. Uma das intenções mais divulgadas pelos responsáveis do Ministério da Educação é a que a nova reforma irá criar um ensino mais experimental. Reconhece-se que para isso será necessário mudar quase tudo, desde a administração escolar aos métodos dos professores, passando pelo equipamento das escolas à pequenez das salas de aula. Trata-se como é obvio, de mais umas tiradas retóricas e verbalistas que rapidamente serão esquecidas. 

d) Reformas & mais reformas. As escolas ainda estão a construir um polémico modelo de autonomia - em vigor desde Maio de 1998 - e, já se lhes pede que se preparem para uma nova reforma. O sistema de ensino continua a ser uma espécie de laboratório, onde cada  nova equipa ministerial realiza impunemente as suas experiências.   

Cursos Gerais: passarão a existir 7 cursos gerais: 1) ciências naturais: 2) ciências e tecnologias; 3) artes visuais; 4) artes do espectáculo; 5) ciências sociais e humanas; 6) ciências socio-económicas; 7)  línguas e literaturas. Pretende-se que nestes cursos - orientados para o prosseguimento de estudos - os alunos sejam estimulados para a experimentação, a descoberta, a inovação... Nada de novo é apontado. Recorde-se que esta intenção programática, pelo menos desde o século XVIII faz parte integrante de qualquer reforma do ensino.   

Cursos Tecnológicos: passarão a existir 17 cursos tecnológicos. As escolas poderão ainda propor o funcionamento de outros cursos tecnológicos, ou propor, para um dado curso, matérias mais específicas. Cursos tecnológicos propostos: 1) construção civil; 2) electrotecnia/electrónica; 3) informática; 4) mecânica; 5) química e controlo ambiental; 6) equipamento; 7) multimédia; 8) produção audiovisual; 9) administração; 10) técnicas comerciais; 11) acção social; 12) documentação; 13) turismo; 14) serviços jurídicos; 15) desporto; 16) ordenamento do território; 17) ambiente e conservação da natureza; Estes cursos tecnológicos são meramente introdutórios a certas áreas profissionais, e não podem por isso ser confundidos com cursos de natureza profissional. Admite-se todavia a possibilidade das escolas poderem oferecer aos seus alunos uma formação prática num contexto de trabalho, o mesmo é dizer, um estágio numa empresa. Trata-se de uma forma mitigada de formação segundo um modelo próximo da formação em alternância ( a teoria na escola - a prática na empresa).  

O sucesso ou o fracasso desta reforma joga-se nestes cursos. O seu êxito implica entre outras coisas: 

a) uma re-estruturação das escolas de modo a contemplarem na sua organização interna a especificidade  destes cursos. Caso contrário voltarão a ser tratados de forma indiferenciada como acorreu com os actuais cursos tecnológicos;

 b) a mudança da imagem negativa que herdaram dos anteriores cursos tecnológicos. Estes cursos estão à partida marcados pelo estigma da discriminação social. Está bastante enraizada a ideia que estes cursos se destinam preferencialmente a alunos com baixos recursos económicos ou com fracas capacidades intelectuais. Só por ingenuidade esta questão pode ser ignorada; 

c) a abertura da escola à comunidade, nomeadamente para recrutarem professores qualificados para as áreas tecnológicas, o estabelecimento de parcerias, organização de estágios, etc. Este facto implica um novo dinamismo das escolas, mas também de todas as estruturas do ministério. A mudança a ocorrer será neste ponto um verdadeiro milagre.

 d) uma grande flexibilidade entre as ofertas das escolas e as necessidades do mercado de trabalho.Quem fará localmente o levantamento de necessidades? Quais os mecanismo que serão criados para um continuo ajustamento? Estas são duas das muitas questões que ainda não foram discutidas.

Face a este cenário, o mais certo é que fique tudo na mesma. 

Departamento do Ensino Secundário: Basta um simples confronto entre os pressupostos desta Reforma e a estrutura do actual Departamento do Ensino Secundário para concluirmos da sua total inadequação, quer em termos princípios, quer em termos funcionais. A reestruturação do Ministério, empreendida desde finais de 1995, consagrou o principio da homogeneização do tratamento da educação-formação no ensino secundário, acabando com as estruturas que conferiam alguma especificidade ao ensino técnico-profissional no Ministério da Educação. Recorde-se a título de exemplo, a extinção do GETAP-Gabinete para o Ensino Tecnológico e Profissional (criado em 1988 ). Estas medidas são curiosamente contrárias às recomendações feitas em todos os estudos promovidos pelo próprio Ministério da Educação depois de 1997. Todos são claros em afirmar a necessidade de conferir um peso crescente às ofertas ligadas à formação profissionalizante ou mesmo profissionais, as quais requer a existência de estruturas técnicas especificas não apenas no ministério, mas também nas escolas. Estamos perante um erro político, cujas consequências podem contribuir de forma decisiva para o desastre da própria reforma do secundário. 

 

Décimo Terceiro Ano: Todos os alunos que tenham terminado o 12º. ano, num curso geral ou tecnológico, poderão fazer uma ano de reajustes... nas suas opções.  Pretende-se desta forma garantir uma mais fácil permeabilidade entre os dois tipos de cursos. A ideia de uma 13º. Ano tem vindo a ser ultimamente abandonada pelo Ministério da Educação, sendo pouco já os documentos que o referem. 

Director de Curso: Face à diversidade de cursos e projectos, a fim de evitar a total dispersão dos mesmos, admite-se a possibilidade das escolas poderem criar a figura de Director de Curso, que zelaria, entre outras coisas, pela coerência do curso, a articulação entre os professores, os contactos com o potencial mercado de trabalho dos alunos, etc.  O problema está não apenas no perfil deste novo director de curso, mas também das condições que lhe sejam dadas para exercer as suas múltiplas funções de promotor. 

Edgar Morin: A acreditar nas palavras do anterior ministro da educação, Guilherme d´Oliveira Martins, foi o pensador que o inspirou esta reforma. Segundo este filósofo são sete os saberes necessários para enfrentar a nova sociedade, e que as escolas deveriam proporcionar aos seus alunos: a) a prevenção do conhecimento contra o erro e a ilusão; b) o ensino de métodos que permitam ver o contexto e o conjunto, ao invés do conhecimento fragmentado; c) o reconhecimento do elo indissolúvel entre a unidade e a diversidade da condição humana; d) a aprendizagem da identidade planetária, considerando a humanidade como uma comunidade de destino; e) a exigência de afrontar o inesperado e o incerto, como marcas do nosso tempo, devendo preparar-se os cidadãos para responder aos desafios da incerteza; f) a educação para a compreensão mútua das pessoas, próximas e estrangeiras, de pertenças e culturas diferentes, como factor de paz, estudando as raízes, as modalidades  e os efeitos da incompreensão, do racismo e da xenofobia; g) o desenvolvimento de uma ética de género humano, de acordo com um conceito de cidadania inclusiva, respeitadora da dimensão individual, social e da humanidade de todos. Para meditar.      

Educação para a Cidadania. No ensino secundário a opção foi a de criar um programa transversal para ser dado por todos os professores no âmbito das respectivas disciplinas. A intenção é generosa, fica pois ao critério de cada professor desenvolver ou não estas temáticas. Em último recurso cabe ao professor de filosofia  ou ao director de turma.     

Educação Sexual. O programa já foi aprovado na Assembleia da República, a regulamentação respectiva está pronta, ou quase. Trata-se uma "disciplina transversal", podendo ser dada por todos os professores ou por nenhum. Fica ao critério de cada um fazê-lo. Ninguém duvida  é que esta "educação" poderá contribuir para diminuir o número de adolescentes que todos os anos engravidam. Não se pode é esperar milagres.

Entrada em Vigor. Os novos cursos terão início em Setembro de 2002, com os alunos que então iniciam o 10º. ano, seguindo-se em 11º. em Setembro de 2003 e o 12º. em Setembro de 2004. O 13ª. Ano é cada vez mais uma incógnita.. 

Escolas Profissionais. Quando surgiram foram apresentadas como uma verdadeira alternativa às escolas públicas, tinham duas vantagens de peso: a) a ligação ao mundo empresarial; b) a flexibilidade das suas estruturas; Esperava-se delas um crescimento que nunca aconteceu. A sua total dependência face aos financiamentos públicos e comunitários foram tornando a situação incomportável. Os seus alunos que pretendiam prosseguir estudos estavam mal preparados para o fazerem. Não se pode ter tudo.  Está  por estudar o impacto da nova reforma do secundário nestas escolas. O que irão ganhar ou perder?

Essencialismo. Este é o conceito central dos novos programas. Trata-se de reduzir tudo às questões essenciais, desprezando tudo aquilo que é acessório ou atrapalha a compreensão dos alunos ou implica algum esforço acrescido. O ideal é um ensino secundário ao nível do senso comum. Essencialismo ou infantilismo esta é a questão que depois de 2005 começaremos a avaliar.

Flexibilização Curricular.

Formação Contínua dos Professores. A partir do ano lectivo de 2000/2001 deveriam começar a decorrer acções de formação de professores a nível regional, num sistema em rede. Os adiamentos da entrada em vigor da reforma provocaram atrasos neste processo. O grande objectivo é de agrupar regionalmente os professores que nas várias escolas têm problemas comuns e possibilitar que desta forma ( "em rede") que mutuamente se esclareçam...

Formação-Educação. O país é pequeno, os recursos próprios sempre foram escassos, mas o Estado sempre deu o exemplo na falta de racionalidade na utilização dos recursos disponíveis.Esta Reforma, em termos racionais pressupunha uma grande articulação entre as estruturas de formação do Ministério do Trabalho e da Solidariedade (MTS) e o Ministério da Educação. O MTS possui organismos com uma razoável articulação com o mundo do trabalho e uma longa experiência em áreas onde as escolas estão carenciadas, como o levantamento de perfis profissionais, os currículos de cursos, etc, etc.A articulação entre estes dois ministérios seria uma das condições básicas para uma reforma minimamente racional. Mas ninguém espera que tal venha a acontecer. Os interesses particulares pesarão mais uma vez mais sobre os interesses do país. Fatalismo?    

Formação Tecnológica. o modelo de formação centra-se em torno da realização de projectos integradores dos diferentes saberes disciplinares. Estes projectos funcionarão como os meios que permitem materializar os vários saberes, colocar os alunos e professores em trabalharem em grupo, e mais do que tudo, proporcionarem um ambiente de experiências que possibilitem o desenvolvimento das capacidades individuais e colectivas de inovação.  A formação em pelo menos 17 cursos tecnológicos estará,  assim  dependente dos projectos que em cada turma serão definidos. 

Identidade do Secundário. Diz-se que o ensino secundário não possui um identidade própria, nomeadamente quando é comparado com o "ensino liceal"  ou o "ensino técnico-profissional" que o precederam. Nasceu como um mero corredor de passagem para o ensino superior ou um simples certificado de "habilitação escolar" em rápida desvalorização. Não confere qualquer qualificação profissional, nem é garantia de nenhum nível cultural particular. Limita-se a existir. A nova reforma pretende atribuir-lhe uma essência que dê sentido à sua existência. Estamos pois no terreno da ontologia.    

Indicadores. Não existem metas mensuráveis nesta reforma. Jamais sabermos se ficamos longe ou perto dos objectivos quando for dada por concluída a reforma. É sempre possível afirma que sim, como não. 

Insucesso Escolar. As elevadíssimas taxas de insucesso que actualmente se registam no ensino secundário, e em particular nos cursos tecnológicos irão desaparecer, se acreditarmos nas pias intenções dos responsáveis do Ministério da Educação. A receita é simples: aumentam-se as ofertas dos  cursos tecnológicos, diminui-se a carga horária semanal e alteram-se os currículos. Uma análise mesmo que superficial às causas de insucesso escolar, leva-nos a concluir que estamos perante mais uma ilusão .   

Manuais. Os manuais são para muitos dos professores os únicos e verdadeiros programas. A editoras de manuais escolares estão entre as maiores editoras do país. Movimentam anualmente muitas dezenas de milhões de contos  Os autores da maioria dos programas já terão certamente sido contactados para fazerem os novos manuais. Em termos promocionais esta ligação à autoria dos programas costuma render. O ministério promete a publicação de alguns textos para apoio a certas disciplinas ou matérias transversais, embora nada adiante em concreto. Os interesses em jogo são múltiplos e o segredo é a alma do negócio. Talvez por tudo isto o assunto raramente é referido.

Ministério. Não sendo o principal obstáculo à reforma em curso é todavia, como toda a administração pública portuguesa um dos factores que maiores responsabilidades possui no atraso o país. O primeiro-ministro fala em falta de profissionalismo. Outros dirão que estamos perante funcionários e dirigentes há muito instalados e com pouca motivação natural para alterarem seja o que for. A argumentação para o imobilismo é sempre a mesma: "não existem condições", "não está na lei", "não é da minha competência"," não recebi ordens"," está em estudo", volte amanhã", "hoje não posso resolver este assunto, tenho que sair mais cedo", etc. Uma reforma que requer das estruturas do ministério dinamismo, flexibilidade, abertura em relação ao exterior está nas antípodas da sua tradição.É certo que a tradição já não é o que era...  

Noventa Minutos. Prevê-se que as aulas possam ter uma duração de 90 minutos. Oficializa-se assim uma duração que é já corrente em algumas disciplinas de natureza prática. É curioso constatar que esta foi a única medida que até agora suscitou um vigoroso protesto da parte dos alunos.

Novos Programas. Os novos programas serão em princípio adaptados  á natureza de cada cursos. As diversas propostas de programas deverão ser postas à discussão pública até ... Setembro de 2001. Esta data tem sido sistematicamente adiada (www.des.edu-min.pt). O meio escolhido para esta difusão é a Internet. Como nem todos os membros das diversas comunidades escolares têm à mesma acesso, é legitimo pressupor que o objectivo seja mesmo o de evitar a discussão.  

No plano das intenções é afirmado que os novos programas serão menos extensos que os anteriores, concentrando-se nas competências e conhecimentos essenciais.

A leitura das propostas de programas revela claramente dois problemas:

- uma deficiente articulação vertical como o ensino básico e o ensino superior. A maioria dos grupos que elaboram os vários programas esqueceu-se desta questão central. 

- uma deficiente articulação horizontal. Este facto é evidenciado não apenas pela incrível proliferação de finalidades, objectivos e metodologias propostas para as mesmas disciplinas, mas também os mesmos temas em disciplinas diferentes.

A primeira conclusão da análise da revisão curricular é de que não houve qualquer coordenação global. Os programas foram desenhados um a um sem se ter em conta a articulação dos seus objectivos e conteúdos. 

 

Ofertas. Os cursos que cada escola oferecerá ainda estão no segredo dos deuses. Estes serão objecto de uma negociação local que procurará conciliar os vários interesses: os objectivos da escola, as necessidades do mercado de trabalho, as outras ofertas locais de formação, os objectivos do ministério da educação, etc,etc.Requere-se para tudo grande flexiblidade e capacidade negocial. 

Organização das Escolas. Esta reforma do ensino exige para ter algumas possibilidades de êxito, que as organização das escolas seja rapidamente revista. A sua organização continua a ser feita em função dos grupos disciplinares dos professores, e  não dos percursos formativos dos alunos. Os principais Departamentos duma escola secundária devem corresponder aos cursos que são nela ministrados, não aos grupos de profissionais que nela trabalham. Esta organização mais centrada nos alunos não é impeditiva da existência de reuniões de coordenação pedagógica entre professores da mesma disciplina, ou de disciplinas diferentes.   

    

Parcerias: A articulação entre as escolas e as empresas tem aqui a sua palavra mágica. Resta saber quantas empresas (e tipo) estão dispostas a receberem os alunos dos cursos tecnológicos. As condições em que os estágios serão efectuados deixou de ser objecto de discussão. Ninguém parece já acreditar nas virtualidades deste modelo.    

Perfil do aluno no final do secundário. tema omisso nos diversos documentos oficiais. A retórica ministerial esqueceu-se desta questão.   

Pressupostos ideológicos. Nos raros artigos de opinião que tem sido publicados sobre a nova reforma, a crítica mais repetida tem sido a dos seus pressupostos ideológicos igualitaristas. Esta reforma, segundo alguns críticos, ao procurar manter a possibilidade de todos os alunos poderem chegar à universidade, estaria a partir de um falso pressuposto, o de que todos os alunos possuem as mesmas capacidades intelectuais. Este seria o grande erro das nossas escolas, o de procurar eliminar as diferenças "naturais" entre os indivíduos. Neste sentido, o sucesso duma escola mede-se, segundo estes críticos, não por encorajar sob formas diversas que todos os atinjam os mesmos níveis de escolaridade, mas sim, por seleccionar os mais aptos, excluindo os menos dotados e encaminhado-os o mais rapidamente possível para o mercado de trabalho. Outra variação deste tipo de discurso tende a apontar para o preconceito que as "forças políticas de esquerda" possuem em relação às diferenças sociais, uma vez no poder, a sua preocupação é anulá-las no sistema de ensino. O tema não é novo, pelo contrário, alimentou durante séculos o discurso segregador de uma elite provinciana que enquistada no poder procurou por todos os meios limitar o acesso ao sistema escolar da grande maioria da população. 

O que me parece interessante, é o facto desta reforma pretender, ainda que com pouca consistência, substituir o modelo ainda predominante duma escola centrada na transmissão de conhecimentos, instaurando em seu lugar o modelo de um escola aberta à inovação, mais consentânea com o desenvolvimento o capitalismo moderno.

Problemas. Quando o Partido Socialista chegou ao poder em Outubro de 1995, procedeu a um rápido balanço do principais problemas que afectavam o ensino secundário. Os maiores problemas estão detectados pelo Ministério da Educação foram os seguintes:

 " -ausência de definição clara da identidade, dos objectivos e funções do ensino secundário;

  -reduzida  percentagem de frequência de estudantes na faixa etária normal, ao contrário do que acontece na maioria dos países europeus desenvolvido;

 - desequilíbrio entre vias e modalidades de educação e formação;

 - fraca diversificação da oferta, centrando-se o maiores efectivos no cursos gerais;

 - existência de um "novo ensino secundário" (cursos gerais e tecnológicos) resultantes de orientação que sobrevalorizou os conteúdos académicos em detrimento do desenvolvimento de competências e capacidades, acabando introduzir modos de avaliação inconsistentes com os objectivos que se pretendiam atingir;

 - escolas profissionais com enormes fragilidades do ponto de vista institucional e financeiro, sem garantias de integração no sistema educativo e incerteza quanto ao futuro;

 - orientação escolar e profissional longe da integração na vida regular das escolas e reduzidas parcerias".

Alguns destes problemas eram recentes, outros são históricos. Acreditava-se em mudanças rápidas. Mas em educação estas são muito difíceis de acontecerem, nomeadamente em Portugal. Na época a "educação" era tratada como uma "paixão". Hoje é outra coisa qualquer. Tudo muda. O ministério da educação já conheceu desde então três titulares. O que não parece ter mudado são os problemas.           

Projecto. Palavra mágica que passará a articular todo ensino secundário. Todos os cursos serão desenvolvidos em função de projectos, os professores deverão praticar uma pedagogia de projecto, os alunos serão avaliados pela sua participação nos diferentes projectos... 

Prospectiva. Qualquer reforma educativa implica sempre não apenas um diagnóstico duma situação num dado momento, mas também a prospecção do futuro. O que está a mudar e quais são as suas tendências evolutivas? A educação não sendo uma resposta mecanicista a estas tendências, não as pode deixar de ter em conta. Neste aspecto, os mentores desta reforma apenas olharam para o passado, e viram muito pouco daquilo que tem mudado nas últimas décadas: Apenas viram a difusão das tecnologias de informação e comunicação, a preponderância de uma economia de serviços e a escolarização em massa da população. Mas esqueceram de perspectivarem as repercussões de fenómenos como o envelhecimento da população, a elevação estatuto social das mulheres e a sua predominância no ensino, o aparecimento de novos estilos de vida, a consolidação dos grupos intermédios na sociedade, o triunfo da urbanização, a globalização, etc. Não existe sequer um estudo prospectivo nesta reforma. Navega-se à vista.   

Reforma ou Revisão Curricular? O Governo insiste que se trata de uma simples Revisão Curricular. Na prática sob esta designação está a ser feita uma verdadeira reforma do ensino secundário, mantendo formalmente a Lei de Bases do Sistema Educativo.   

Suspensão

A reforma curricular foi suspensa em Junho de 2002.

Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Ninguém pode passar ao lado das TIC. Elas são omnipresentes em todo a Reforma. O Ministério quer tudo a ser veiculado através das TIC. O discurso é conhecido. Basta todavia consultar as páginas na Internet do Ministério da Educação, do Departamento de Ensino Secundário, do Instituto de Inovação Educacional, das Direcções-Regionais de Educação para rapidamente nos apercebermos que as TIC  não são para levar a sério: a informação é escassa e pouco diversificada, e frequentemente está desactualizada.  Se a compararmos estes sites com os de organismos similares na União Europeia, é melhor nem falarmos de apostas estratégicas nas TIC.   

Carlos Fontes. Lisboa, Junho de 2002

 

 Continuação

     Carlos Fontes

Navegando na Educação