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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

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Idade Contemporânea - (Séc.XIX)

Ensino Agrícola

 A evolução do ensino agricola ao longo do século XIX, oscila entre as iniciativas dispersas de divulgação e as tentativas oficiais re constituir uma efectiva rede de escolas agricolas.

Os primeiros projectos de ensino agricola devem-se a Sebastião Francisco de Mendo Trigoso, que em 1815 publica o "projecto de um estabelecimento de escolas de agricultura practica" [1], onde afirma claramente que "Enquanto os agricultores não tiverem uma instrução conveniente , todos os  projectos do governo , todos os melhoramentos  por ele introduzidos serão nulos, ou precários , e muito ruinosos". Durante ano após ano foram inúmeros os diplomas legais que criaram escolas agricolas, mas os resultados  práticos foram sempre nulos.

1. A primeira escola no âmbito do ensino agrícola foi a  Escola de Veterinária, criada em 1830 [2], durante o período Miguelista, e por necessidades da própria guerra. No preambulo do decreto que a institui, explicita-se o motivo da sua criação ao afirmar-se que a mesma era de absoluta necessidade para os corpos de Cavalaria e nas Companhias de Condutores do Exercito, embora pudessem interessar ao pais em geral, na conservação e tratamento do gado cavalar, vacum e lanigero. O Curso tinha a duração de 4 anos, e como a Escola ficava na dependência do Ministério da Guerra. A vida desta Escola foi contudo muito acidentada, e de resultados iniciais quase nulos. Em 1833, aquando da entrada em Lisboa de D. Pedro IV, a sua desorganização era tal, que se tomaram logo medidas para a reformar[3], ficando instalada num novo edificio na Calçada do Salitre, onde se manteve durante bastante tempo. Em 1845 sofre nova reforma, sendo o seu curso reduzido para tres anos[4], em contrapartida subiram condições de admissão: exigiu-se provas de mestria, estudos preparatórios e uma idade não inferior a 16 anos. Nenhum novo aluno se inscreveu. Em 1847 voltou-se de novo á formula anterior[5], passando o curso para 4 anos. O problema de fundo da escola era sempre o mesmo: a sua subordinação ao ministério da guerra, o que por um desinteresse generalizado pelos alunos que não pretendiam seguir a carreira militar[6]. A situação só foi superada em 1853 quando esta Escola foi integrada ( ? ) no Instituto Agrícola de Lisboa[7]

O Ensino Veterinário foi pouco depois ( 1855 ?), dividido em dois graus: o elementar e o superior. O elementar era constituido pelo curso de mestres veterinários, e seria professado em dois anos, nas Escolas Regionais de Lisboa, Coimbra e Évora;O Ensino Superior seria constituído pelo curso de Veterinários Lavradores, com a duração de 4 anos, e seria dado no Instituto Agricola de Lisboa e na Escola Regional de Lisboa. Não há contudo que confundir os projectos com a realidade, como foi o caso.

2. Durante o reinado de D. Maria II, começam a ser ministrados os primeiros cursos de silvicutura nas matas  proximas da Marinha Grande [8]. Algumas iniciativas pontuais procuraram ir mais longe: Em 1836 na Faculdade de Filosofia de Coimbra na 6. cadeira, passava a ser ensinado" Agricultura e Economia Rural e Veterinária"[9], no ano seguinte a Academia Politécnica do Porto passou também a ministrar cursos de Botânica, Agricultura e Economia Rural e Veterinária[10]. Nada de mais concreto fora feito, apenas inumeros decretos sem resultados palpáveis.

3.  A partir de 1852 deu-se um grande avanço neste ensino. Pelo decreto lei de 16 de Dezembro de 1852, era criado o ensino agricola, dividido em três graus:

        - Ensino mecânico das operações rurais e rudimentares, das doutrinas relativas a essas mesmas operações. Este ensino seria confiado ás "Quintas de Ensino" cultivadas por particulares. Em 4 de Janeiro de 1854 [11] , existiam já contratos firmados com particulares para o efeito.

       -  Ensino Teorico-Pratico dos processos agrícolas, assentaria em Escolas Regionais.

       - Ensino Superior , no qual os princípios da ciência agricola seriam apresentados com todo o  desenvolvimento, e seria confiado ao Instituto Agricola de Lisboa.

Este Decreto de Fontes Pereira de Melo teve a grande vantagem de traçar as grandes linhas para o ensino, posteriormente retomadas, mas só teve consequências praticas ao nível da criação do Instituto Agricola de Lisboa.

Em 1862, nas palavras de um escritor da época, o panorama era deprimente: "Não se criaram escolas regionais nos grandes centros rurais do pais, nem se fundaram ou estabeleceram quintas de ensino , nos pontos onde d'eles se carecia. Erigiu-se apenas o Instituto Agricola, no qual , seja dito  de passagem , se não é um estabelecimento modelo no seu género , tem contudo prestado serviços de bastante vulto"[12].

Apesar de tudo, na década de 60, o ensino agrícola começou a dar passos promissores:

As Quintas Agricolas são retomadas em 1862 [13], dando cumprimento ao artigo 32. do decreto de 16 de Dezembro de 1852. São então criadas duas Quintas. Uma Quinta exemplar de agricultura nas propriedades denominadas Granja do marques e Quinta das Merces, pertencentes ao Marques de Pombal, e situadas no concelho de Sintra[14]. Destas Quintas a que primeiro se registou uma actividade pedagógica foi a Quinta Regional de Sintra, onde foi estabelecido o ensino elementar de agricultura [15]. Neste mesmo ano, o ministro Joaquim Tomás Lopo d Avila, determinava que "O numero de alunos do Colégio de Regentes Agricolas da Quinta Regional de Sintra seria reduzido para dez"[16]

O ensino agricola feminino aparece aqui pela primeira vez. Na Quinta das Mercês, que fazia parte da Quinta Regional de Sintra, foi organizado um colégio para a educação agricola de dez raparigas. A par da instrução primaria recebiam uma formação adequada para futuras mulheres de lavradores ou criadas de explorações agricolas[17].

Dois anos depois novas reformas são de assinalar. O Instituto Agricola de Lisboa, passa a denominar-se Instituto Geral de Agricultura, pelo decreto de 28 de Dezembro de 1864, é também criado o curso de engenheiro agricola , mas que nunca registou qualquer matricula, sendo suprimido apenas a 2 de Dezembro de 1886. Em 1866 pelo decreto de 22 de Dezembro de Emidio Navarro, o Instituto passa a denominar-se Instituto de Agronomia e Veterinária.

Até 1886 o Instituto e a Quinta Regional de Sintra foram os unicos estabelecimentos de ensino agricola do pais. No entanto há ainda que assinalar tres iniciativas importantes:

As "Missões" ou "Conferencias", criadas em 1864, destinadas a divulgar os progressos agricolas[18].Apenas em 1870 começaram a ser promovidas[19].

As "Estações Experimentais" foram instituídas em 1869, e tinham como missão de pesquisar e melhorar diferentes técnicas e produtos agricolas nas diversas regiões, assim como divulgar os resultados obtidos junto dos agricultores[20].

Os Bancos de Crédito Agricola e Industrial foram autorizados em 1866, e pretendiam ser uma apoio ao desenvolvimento agricola local. Estes Bancos eram fundados por Misericórdias e outras instituições similares[21].

Os diversos governos esgotaram a sua capacidade de realização neste domínio. Pouco mais fizeram. As iniciativas particulares foram mais longe como se verá. Uma deles em 1883, a do Visconde Visconde Macedo Pinto e de seus irmãos, em Tabuaço, apoia a criação local de uma Escola com um cadeira complementar da instrução primária, onde seriam dados rudimentos de agricultura[22]. Nascia assim uma das Escolas Praticas de Agricultura que registava ainda durante a Republica alguma actividade.

4.  Em 1886 Emidio Navarro dá um novo impulso a este ensino. Começa no próprio Ministério das Obras Publicas, onde cria a 28 de Junho deste ano, a Direcção- Geral da Agricultura, até aí uma simples Repartição da Direcção- Geral da Industria e Comércio. A frente desta Direcção-Geral ficou Elvino Brito, futuro ministro das obras publicas. Esta Direcção era constituída por duas Repartições: Serviços Agricolas e instrução Agricola. O País é então dividido em ? Regiões agricolas, nas quais se criaria, em cada , uma escola pratica de agricultura[23]. No ano seguinte inicia-se a constituição da primeira rede de escolas agricolas do pais:

       - Escola Pratica Central de Agricultura de Coimbra[24]. Em 17 de Outubro de 1899, esta Escola foi transformada na Escola Nacional de Agricultura, designação que se manterá até 1930.

      - Escola Pratica de Viticultura e Pomologia da Bairrada (Anadia)[25], tinha por missão ministrar cursos para operários rurais que pudessem servir como feitores e mestres práticos nos diversos oficios da vinha, da adega e dos pomares. Estes cursos tinha a duração de três anos.

      - Escola Pratica de Torres  Vedras [26], tinha curso para feitores, mestres práticos nos oficios da vinha e da adega.

     - Escola Pratica Agricola de Faro [27], ministrava cursos de 3 anos para operários rurais que pudessem servir como feitores, abegões e mestres dos diverso oficios agrícolas predominantes na região.

      Escola Pratica de Agricultura de Viseu[28]

      - Escola Pratica de Portalegre[29]

Esta rede de escolas em 1888 [30] e 1889 teria um novo impulso, o ultimo do século, com a criação de novas escolas:

    - Escola Pratica Elementar de Agricultura e Frutuaria de Santarém, destinada a formar capatazes, abegões ou mestres práticos nas explorações rurais e leitarias do Estado e particulares.

    - Escola Pratica de Lacticinios de Castelo de Paiva, onde se formaria capatazes mestres práticos para leitarias

    - Escola Pratica da 5. Região Agrícola ( Serra da Estrela ?), e que ficou a dever-se a uma proposta da Escola Pratica de Viseu. Os Cursos tinham aqui a duração de dois anos, em regime interno e externo.

    - Escola Prática de Agricultura de Mirandela[31], e que seria especialmente á sericultura. Nunca chegou a funcionar.

    - Escola Pratica de Agricultura de Santarém, que inicia a sua actividade no ano lectivo de 1889/90, junta á qual passará a funcionar a Escola Pratica de Frutaria.    

5. As reformas talvez mais significativas sob o ponto de vista estrutural, devem-se ao período de 1891 a 1893, onde pontuou Bernardino Machado.

     Em 1891 as Escolas Praticas de Agricultura de Faro , Portalegre, Santarém, Torres Vedras, Bairrada e Viseu são transformadas em Escolas Elementares de Agricultura Pratica, estabelecendo-se para cada, uma dada especialidade: Bairrada e Torres Vedras, a viticultura, devendo preparar capatazes e mestres para os serviços de vinha e adega. Viseu,Ponte de Lima, e Ilha de S. Jorge, o fabrico de Lacticínios; Santarém, a cultura da Oliveira e o fabrico de Azeite; Faro, o tratamento de arvores, pomares e conservação de fruta;

     Neste mesmo ano, a escola Agricola da 5. Região ( Serra da Estrela ) e a Escola Pratica de Agricultura de Mirandela dedicada á sericultura foram extintas. A Escola Pratica de Lacticinios de Castelo de Paiva passou a Frutaria, para apoiar esta nova actividade na região que aqui se começava a desenvolver .  Na escola prática agricola de Santarém foi extinta a escola de frutuaria que funcionava em anexo. Para a frequência destas escolas apenas era exigida uma idade compreendida entre os 12 e os 18 anos, saúde e robustez fisica. Em 1893 ( ? ) passou a ser exigido também a instrução primária.

A Escola Pratica de Agricultura Morais Soares, em Santarém que preparava os regentes agricolas, é reformada sucessivamente em Outubro de 1891, e em 1893. O curso de regentes tinha a duração de 4 anos, exigindo-se para a admissão apenas a instrução elementar, e só em 1893 ( ? ) passará a ser a instrução complementar.

Em 1892 são criadas duas Escolas Praticas de Agricultura, por contrato : A Escola Pratica de Lavoura na Quinta das Cruzes, em Moreira de Lima ( 1. Região),organizada pelo agrónomo Manuel do Carmo Rodrigues Morais, e , a Escola Pratica de Lacticinios,na Povoação da Beira, Concelho das Velas, na Ilha de São Jorge ( 12 Região ), organizada pelo agronomo José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa.

O Instituto em 1891 sofre uma profunda reforma, tendendo nele a acentuar o carácter prático do ensino. Nesta reforma Bernardino Machado é apoiado por Cincinato da Costa, lente deste estabelecimento. O ensino seria teórico e prático em todas as cadeiras. As lições teóricas deveriam , sempre que possível, acompanhar-se de demonstrações, as praticas que eram ministradas por auxiliares sob a orientação superior dos lentes, abrangiam um vasto leque de assuntos, que refletem a complexidade que o ensino agricola começava a adquirir.

O Hospital Veterinario e a Estação Quimico- Agricola de Lisboa, passaram em 1891,a ser considerados estabelecimentos auxiliares do Instituto, vocacionando-se para o ensino, projectando-se pra o efeito aqui criar gabinetes, laboratórios, um museu de máquinas e produtos agricolas, uma leitaria experimental, oficinas ( Vinicola, Oleicola e de destilação), uma sirgaria, um colmeal e uma biblioteca.

Os cursos ministrados por este Instituto eram os seguintes: um curso teorico-prático de 4 anos, seguido de especializações : a carta de Agrónomo implicava o estágio de um ano nas escolas agricolas; a de silvicultor exigia o estágio nas matas de Leiria; os diplomados em medicina veterinária , teriam que estagiar durante um ano no Hospital Veterinário ou na Cutelaria Nacioanal, cumprindo-lhes participar nos trabalhos de banco, assistir ás lições da clinica, exercitar-se na criação e tratamento de gado e proceder aos exames e ensaios que lhe fossem distribuídos. No final do estágio, seguia-se a elaboração de uma memória ou tese.

Uma reforma  do Instituto de Agronomia e Veterinária foi decretada a 4 de Novembro de 1897, seguindo-se outra a 10 de Outubro de 1901, quando são criados os cursos de engenheiros Agrónomos, de Engenheiros Silvicultores e de Médico Veterinário. A 10 de Setembro de 1903, é de Novo Regulamentado este Instituto, mudando a sua designação para Instituto Geral de Agricultura ( ? ).

  As sucessivas reformas do ensino agricola, sem grande coerência, implicaram que a 24 de Dezembro 1901, se procede-se ao uma reforma global, criando-se vários niveis: ensino técnico superior, técnico secundário, profissional geral, profissional especial e ensino primário rural. 

Em construção !

  Carlos Fontes

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Notas:

 [1] Tomo IV, Memórias da Academia de Ciencias

[2]Alvará de 29 de Março de 1830 ( ou 1825 ?)

[3] Portaria de 8 de Agosto de 1833

[4]Decreto de 28 de Abril de 1845

[5] Decreto de 23 de Junho de 1847

[6] José Maria de Abreu, Estudos Veterinários, in O Instituto, Vol.I. Coimbra.1953. pp. 272-274; 320-324; 337-339;

[7] Carta de Lei de 17 de Julho de 1855

[8]. A. Pinto Elyseu, Formação Rural...,1976

[9] Decreto de 5 de Dezembro de 1836

 [10] Decreto de 13 de Janeiro de 1837

[11] J. S. Ribeiro , Vol.VIII, pag.237

[12] in, Archivo Rural, 5. Ano, n.11, 5 de Dezembro de 1862, artigo A Propósito da Reforma do Ensino Agricola

[13]Alvará de 10 de Setembro de 1862 ( Diário de Lisboa, n.207, de 13 de Setembro de 1862

[14] J. Ferreira Gomes, A Educação no século XIX

[15] Decreto de 8 de Abril de 1869 ( D.G. n.80, de 12 de Abril de 1869)

[16] Decreto de 2 de Dezembro de 1869.

[17] J. Ferreira Gomes,  A Educação no Século XIX

[18] Decreto de 29 de Dezembro de 1864

 [19] J. I. Ferreira Lapa, Relatório das Conferencias realizadas em Braga; Morais Soares, in,Archivo Rural

[20] Decreto de 2 de Dezembro de 1862

[21] Lei de 22 de Junho de 1866, de João Andrade Corvo, Ministro das Obras Publicas

[22] O Decreto de 8 de Fevereiro de 1883 ( D.G. n.33, de 13 de Fevereiro de 1883), confirmava que o governo havia aceite o legado deste Visconde e de seus irmãos para custear o referido edificio e a cadeira de agricultura. O Decreto de 5 de Novembro de 1885 (D.G. n.257, de 13 de Novembro de 1885), determinava que o curso a ministrar seria anual

[23] Decreto de 9 de Dezembro de 1886

[24] Decreto de 22 de Abril de 1887. Esta Escola vem substituir a Escola Pratica Central de Agricultura estabelecida provisoriamente na Quinta Regional de Sintra, pelo Decreto de 2 de Dezembro de 1886

[25] Decreto de 30 de Junho de 18887 ( D.G.n.265, de 24 de Novembro de 1887)

[26] Decreto de 30 de Junho de 1887 ( D.G. n.265, de 24 de Novembro de 1887)

[27] Decreto de 3 de Novembro de 1887

[28] Decreto de 3 de Novembro de 1887 ( D.G. n.260, de 18 de Novembro de 1887)

[29] Decreto de 17 de Novembro de 1887 ( D.G.n.263, de 22 de Novembro de 1887)

[30] Decreto de 18 de Julho de 1888 ( D.G. n.44, de 23 de Fevereiro de 1889)

[31] Decreto de 27 de Dezembro de 1889, do ministro Eduardo José Coelho (DG n.11, de 15 de Janeiro de 1890)