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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

 

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Período Medieval 

Contratos de Servidão

Com uma longa tradição que nos aparece documentada desde a antiguidade clássica[1] , os "contratos de servidão" constituíram até ao século XX, as primeiras formas de fixar as condições da aprendizagem.

A sua forma pouco variou ao longo dos séculos : existiram antes e depois dos Regimentos dos Oficios Mecânicos. Estes contratos de aprendizagem eram firmados entre um mestre e o pai ou o tutor, do candidato a aprendiz, validado perante um notário , e no qual se estipulam as suas obrigações recíprocas. Em Portugal, o primeiro documento que nos atesta a sua existência data apenas  do inicio do século XIV:  O mosteiro de Alcobaça formaliza , através de um seu mestre alfaiate, o compromisso de ensinar um jovem neste oficio . Estes contratos eram firmados entre um mestre e o pai ou o tutor, do candidato a aprendiz, validado perante perante um notário, e no qual se estipulavam as suas obrigações recíprocas.

Chegaram até aos nossos dias inúmeros destes contratos que atestam que a sua prática foi muito generalizada entre os séculos XVI e o  XVIII, variando pouco as condições acordadas.

Em Coimbra no século XVI, por exemplo, os aprendizes que residiam na cidade, continuavam a morar nas suas casas durante o período de aprendizagem, tendo apenas a obrigação de se apresentarem todos os dias ao serviço na oficina do mestre, ou no local de trabalho como acontecia na construção civil. Os que eram de fora da cidade, passavam a viver com a família do mestre respectivo.

O aprendiz não apenas trabalhava nas tarefas próprias do seu oficio, aprendendo deste modo tudo o que com ele se relacionava, mas executava todas as que o mestre lhe solicitava, transformando-se com frequência no célebre moço de recados tantas vezes descrito na literatura que aborda as práticas de aprendizagem. A aprendizagem e a hospedagem que eram dispensadas ao aprendiz, incluía por vezes também certo vestuário, calçado e tratamento por motivo de doença entre 15 ou 30 dias. Se o trabalho do aprendiz era pago pelo ensino que recebia, mas o mestre exigia por vezes um pagamento suplementar.

Vitor Serrão[2] , após uma analise de diversos contratos de aprendizes de pintores de imaginária e das condições que neles fixadas, resume-os assim:

"O mestre pintor comprometia-se a ter o aprendiz a seu serviço entre três e nove anos ininterruptos, obrigando-se em geral a fornecer-lhe cama, comida e agasalho, e ensinando-lhe os fundamentos e a pratica da sua arte, devendo o discípulo , por seu turno, servir o mestre com estrita obediência, ora  preparando-lhe pincéis, e tintas, ora engessando painéis a executar, ora ainda cumprindo outras tarefas de índole servil que o mestre lhe ordenasse; e o pai ou o tutor do discípulo  deveriam pagar ao mestre, no assento contratual , determinada soma em dinheiro".

"O aprendiz, além de cumprir o tempo estipulado de aprendizagem -- variável segundo a sua idade, segundo os seus dotes revelados, ou segundo o critério do mestre pintor --, não garantia só por si uma progressão na hierarquia da profissão, pois teria de se fazer examinar findo o tempo de  servidão".  Os pintores estavam, inseridos nos oficios mecânicos, e obedeciam aos mesmos contratos de aprendizagem comuns a outros ofícios como pedreiros, carpinteiros, livreiros, barbeiros, sapateiros, armeiros, e tantos outros.            

A aprendizagem constituía com frequência uma dura prova ou mesmo um suplicio a que o aprendiz estava sujeito. Vitima de maus tratos seculares por parte do mestre, a sua fuga era uma constante. Os contratos de servidão fixam as penas a aplicar nestas situações. António de Oliveira refere as seguintes: sem virtude dos castigos corporais, os aprendizes se  ausentassem do trabalho, os pais nada teriam a pagar pelas faltas; Contudo, se o aprendiz o fizessem sem motivo justificado, o mestre teria direito a uma indemnização equivalente ao salário de um obreiro, sendo apenas descontados os dias suficientes para que os pais á sua custa o encontrassem, e o trouxessem á presença do mestre.

A aprendizagem fazia-se em regra no seio da própria família, transmitindo-se o oficio de pais para filhos, ou quando isto não acontecia, era o aprendiz que era introduzido na família do mestre e com ele vivia.      

Carlos Fontes

Navegando na Educação

Notas:

(1) Gustave Glotz, na História Económica da Grécia ( Edições Cosmos, Lisboa, 1946), afirma que na Antiga Grécia existia um desenvolvido, e prestigiado sistema de formação profissional. Este tinha surgido em consequência do desenvolvimento das diferentes técnicas, que passaram a exigir uma longa aprendizagem. É neste contexto que surgem os contratos formais de aprendizagem, muitas vezes passados a escrito, onde se fixa todas as condições:obrigações mutuas, remunerações, duração, etc. Neste sistema não faltaram inclusive Concursos de Formação Profissional, onde se apurava o melhor aprendiz.

(2 )  Vitor Serrão, O Maneirismo e o Estatuto Social dos Pintores Portugueses. Imprensa Nacional.1983.