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História da Formação Profissional e Educação em Portugal

Carlos Fontes

 

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Período Medieval 

Examinação

É provável que mesmo antes da nacionalidade houvessem regras próprias de reconhecimento de uma dada competência profissional. No entanto, até ao século XVI, a precariedade de mesteirais existentes, não deve ter encorajado os monarcas a manifestarem muita rigidez nesta matéria. As primeiras "cartas de exame" que terão ocorrido, em algumas profissões mais sensíveis, como médicos, moedeiros, carpinteiros navais...

1. Cartas de Exame

As " cartas de exame" dos "fisicos " e "cirurgiões" terão sido as primeiras em Portugal [1]:

"Durante Toda  a Idade Média existiram em Portugal, como aliás por toda a Europa, clínicos de formação escolar, obtida nas escolas  médicas -- de Salermo e Montpellier foram exemplos marcantes -- e, mais tarde nas Universidades. Além destes, havia os que exerciam a profissão sem terem frequentado qualquer  estabelecimento de ensino. Os conhecimentos destes ultimos tinham sido adquiridos única  e exclusivamente pela pratica, obtida , em regra , nos primeiros tempos do seu exercício, junto de um médico "já feito", quase sempre com conhecimentos adquiridos de modo idêntico. Os primeiros  ocupavam uma posição distinta . Mas como os cursos, além de extensos, eram muito dispendiosos, principalmente para os escolares obrigados a sair do seu pais, poucos os podiam fazer. Este Facto fazia com que um grande numero de individuos exercem a medicina sem preparação adequada, com  graves riscos para a saúde publica. O problema dos exames neste domínio adquiriu uma importância crucial."

Nestas cidades, onde a medicina estava mais avançada, cedo se impuseram exames sob controlo régio, como na Sicília , pelo menos desde 1140, e em Aragão e Montpellier,  a partir de 1272, exigindo-se que  todos os médicos formados teriam que ser submetidos a um exame, e nesta ultima data exigia-se mesmo um estagio de seis meses.

Em Portugal, já antes de 1338, segundo esta autora , D. Afonso IV mandou que os  físicos, cirurgiões e boticários  fossem examinados para poderem exercer estas profissões. "Segundo parece , os exames realizavam-se em Lisboa perante Mestre Afonso e Mestre Gonçalo, físicos do rei." Ainda no inicio do século XVI, após cursarem medicina na Universidade, e de obterem o respectivo diploma de bacharéis, os candidatos a médicos deveriam praticar durante dois anos junto de um antigo médico, e por fim submeterem-se à aprovação do físico-mor do reino[2]. Esta prática só terminou em 1559, quando foi reconhecido já nos novos Estatutos da Universidade de Coimbra que o bacharel já diplomado , possuía um documento que o  a "curar, sem necessidade de ser examinado por qualquer pessoa do reino".  No entanto é preciso dizer, que até ao século XVIII, o físico-mor continuou a passar "Cartas de Exame", consagrando assim uma formação pratica em medicina exterior á universidade, uma das cartas foi passada inclusive a uma analfabeta[3].

2. Os boticários que quisessem exercer a profissão, pelo menos desde 1392 eram obrigados a realizarem também um exame[4]. No regimento do Físico-mor de 1448, estabelecia-se a obrigatoriedade de serem examinados os que pretendiam exercer "artes da física ,e de cirurgia". Em 1535, D. João III, reafirma a exigência do exame dos boticários. Ainda no século XVIII, António Lopes da Silva traduzia  o "Exame de Boticário". o que demonstram a importância destes exames do fisico-mor.

Apesar da Reforma do ensino de Farmácia empreendida por Marques de Pombal que procurou acabar com estes exames, eles continuaram, e até foram reforçados em 22 de Janeiro de 1810 , com a abolição da Real Junta Proto-Medicato. Apenas em Novembro de 1836, Passos Manuel acabou com a prorrogativa do fisico-mor credenciar os boticários práticos[5]   

3. Noutros oficios, como as parteiras a pratica era idêntica, sendo estas examinadas pelo físico-mor ou o cirurgião -mor, embora carecessem no século XVI também de uma aprovação camarária quanto á sua vida e costumes: "Porque se soube que uma parteira , numa cidade deste reino, cometeu em seu oficio crime pelo qual foi condenada á morte; e o crime não era errar no oficio, mas na cristandade e maus costumes"[6].

4. Os moedeiros parecem ter constituído até ao século XVI um grupo profissional privilegiado[7]. Desde o inicio da nacionalidade que integravam o séquito do soberano, andando com ele de terra em terra, mas no tempo de D. Dinis estavam já fixados em Lisboa, situando-se a então a "Casa da Moeda" no local onde  mais tarde será instalado os Estudos Gerais.

"O oficio requeria competência especial: mãos hábeis, vigor de pulso para os trabalhos, probidade acima de toda a suspeita. A entrada para o oficio estava sujeita a formalidades, entre as quais o juramento de obediência ás regras, na passagem da condição de aprendiz á de obreiro. No acto da admissão procedia-se a cerimonial que lembrava o da cavalaria. Vestido de suas armas o candidato ajoelhava perante o alcaide, que lhe batia no capacete duas pancadas. O Rito, exaltando a profissão, destinava-se a incutir no neófito o respeito dela e da própria pessoa. Admitido ao oficio, o moedeiro era um funcionário da coroa e não de mediocre importancia"[8].

5. Nos grandes estabelecimentos régios, a prática dos exames foi difundida muito cedo, como aconteceu nos estaleiros régios:

"Nos fins do século XIV existia já nos estaleiros reais um mestre da carpintaria entre cujos encargos se contava exactamente o de examinar os carpinteiros navais e de lhes passar certidão comprovativa. Só depois requeriam ao monarca alvará de nomeação para carpinteiro das "tercenas" . Ao  findar o século XV , era obrigatório  este "curriculum" para todos os mesterais que desejassem servir o Estado. "[9].

Até final do século XV não parece ter existido entre nós qualquer regulamento para o exercicio de uma dada profissão. Apenas encontramos posturas diversas sem qualquer unidade. No entanto, semelhantes "regimentos" foram várias vezes solicitados aos monarcas.

Nas Cortes de 1481, os representantes do Mesteres ali presentes fizeram sentir a necessidade de os mestres dos diferentes oficios serem submetidos a exame, perante membros da mesma profissão, afim de provarem as suas qualificações. Afirmavam que "alviteiros", inábeis, faziam as bestas mancas, e os alfaiates estragavam os panos recebidos para obras, o mesmo acontecendo noutros oficios[10], mas D. João II, tal não entendeu por oportuno realizar.

Carlos Fontes

Navegando na Educação

Notas:

1). Iria Gonçalves, Imagens do Mundo Medieval. Lisboa.

2). A. Tavares de Sousa, A Transferência da Universidade Para Coimbra em 1537 e o Ensino da Medicina, in,A sociedade e a Cultura de Coimbra no Renascimento. Coimbra. 1982

3 ) Adolfo Coelho,

4 ) Guilherme de Barros e Cunha, o Ensino Farmaceutico na Universidade de Coimbra. Sua Criação e Evolução até á Reforma de Hintze Ribeiro (1902),in, Noticias Fermaceuticas. Ano IV.1937-38

5 ) Nem sempre o físico-mor era quem realizava os exames, outros o podiam fazer localmente, na ausência deste.

 6 ) in, Elementos Para a Història da cidade de Lisboa, T.II, pag.73.

7) Descrição Geral e História das Moedas Cunhadas em Nome dos Reis, Regentes e Governantes de Portugal. A.C. Teixeira de Aragão. Livraria Fernando Machado. Porto.19 Ver também Damião de Peres,

8 ) J. Lucio de Azevedo , op.cit

9) Oliveira Marques, A Sociedade Medieval. Lisboa.

10) J. Lucio de Azevedo, ob. cit