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Aires Augusto do Nascimento

(20/07/1939-)

Codicologia

Texto Distribuído por Aires do Nascimento aos seus alunos de codicologia

"Ciência autónoma do estudo do livro manuscrito, na sua tríplice dimensão de instrumento funcionalmente orientado para a leitura do texto, organicamente integrado em bibliotecas (primitivas ou derivadas – fundos ou colecções), e historicamente situado em comunidades humanas (tecnicamente, comunidades textuais). Estas ficam-nos distantes no tempo e os resultados são marcados pela singularidade. A Codicologia apresenta ao longo de cinquenta anos uma bibliografia que não tem cessado de crescer e que importa conhecer de acordo com interesses mais largos ou mais específicos.

Por três razões básicas e fundamentais: a singularidade do manuscrito, objecto único e nunca passível de repetição (a contrário do livro impresso); a dispersão e vastidão do universo a observar e descrever; a complexidade do objecto de estudo (cultural na sua intenção e processo) e a diversidade de perspectivas de trabalho (filológico, histórico, documental-arquivístivo, estético).

O manuscrito é marcado na sua singularidade, pois é produto de intervenções humanas individuais e únicas (não repetidas) que são irredutíveis na sua própria identidade e apenas são objecto de descrição; é apreensível na sua significação quando percebida na coerência de uma intencionalidade; esta, por sua vez, na falta de dados explícitos, apenas é dedutível a partir de observação e análise realizada por oposições contrastadas em universos gradativamente alargados.

Tais universos são quantitativamente vastos e encontram-se dispersos em distribuição não homogénea e sem equivalências imediatamente reconhecíveis; isso exige um esquema de análise coerente em que os dados possam ser homólogos e sobreponíveis, recolhidos sistematicamente, dentro de um quadro de referência coerente, construído segundo categorias contrastadas e pertinentes; tudo isso implica um trabalho de inventariação que reconstitua os fundos e os relacione com a história cultural das instituições que os formaram.

complexidade do objecto de estudo advém da própria natureza do manuscrito: suporte de textos, superfície programada para leitura, ritualizada segundo tempos e situações diversas, no desenvolvimento de relações geradas pelo texto e pelo livro.

O estudo do livro manuscrito envolve um conjunto largo de operações: a observação, a descrição, a procura de significação de um objecto marcadamente cultural (na intenção, no conteúdo, na estrutura material, na funcionalidade e integração de relações colectivas, na sua circulação e história).

São úteis os manuais de codicologia. São uma tentativa de síntese dos conhecimentos elaborados ao longo de várias décadas por especialistas do livro manuscrito. Criticáveis, na redução que apresentam, são úteis como primeiro enquadramento e ponto de partida para a formação de categorias de análise ou aprendizagem de linguagem específica. Mas, porque cada manuscrito é um pequeno universo, as categorias codicológicas apenas se tornam verdadeiramente apreensíveis quando confrontadas com a realidade. Daí que os próprios manuais não possam dispensar os trabalhos analíticos. Estes são indispensáveis como expressão de uma prática que, pelo próprio confronto que postula, estimula a investigação e gera o verdadeiro conhecimento codicológico. Retiram o seu mérito maior quando conseguem integrar o manuscrito na sua funcionalidade de livro e na inter-relação cultural que lhe está subjacente.

Um conhecimento actualizado da bibliografia codicológica é, pois, necessário e tem de ser obtido através de revistas especializadas, nomeadamente de Scriptorium com o seu Bulletin CodicologiqueScrittura e CiviltàGazette du Livre Médiéval.

Neste mundo em construção, as orientações bibliográficas, organizadas por capítulos de conteúdo, não podem senão ter como intenção de criar familiaridade com o mundo da investigação relativa ao livro manuscrito, dar a conhecer nomes de investigadores e títulos de trabalhos significativos de entre os publicados, e com isso fomentar métodos de análise, ajudar a constituir categorias de referência e de linguagem, de forma a perspectivar uma formação geradora de novos conhecimentos no confronto com a singularidade do códice e em busca do seu valor de significação.

 Procura-se, por outro lado, perspectivar a constituição de instrumentos racionalizados e integradores da realidade codicológica observada e descrita segundo padrões e esquemas reconhecidos pela comunidade científica (codificação de linguagem, catalogação estruturada e estudo específico de problemas codicológicos). Só dessa forma se podem partilhar os conhecimentos obtidos a partir da realidade singular que se descobre no estudo de um códice.

O objectivo maior a ter em vista é efectivamente fazer participar de uma ciência que se vai construindo através da investigação concertada de quantos se interessam pelo estudo do livro manuscrito. A familiarização com a análise de outros é tão necessária quanto a crítica da própria análise é indispensável para a sua estruturação em auto-regulação e em conjugação com o trabalho alheio. Marcam-se com asterisco (*) alguns dos trabalhos mais representativos no universo da bibliografia codicológica.

Desenham-se aqui orientações, necessariamente largas e abrangentes, dirigidas a uma estruturação do saber codicológico. Tenha-se em conta que este apresenta vários níveis complementares.

O primeiro nível, descritivo, é o da Codicografia propriamente dita, que opera sobre um produto concreto, perante os elementos in praesentia, ou seja, com os dados explícitos, e atende predominantemente à observação rigorosa e subsequente codificação e descrição, ou seja, transposição precisa e contrastada, para esquema organizado de conhecimento, dos dados colhidos durante a observação.

O segundo nível é semiológico, forma a Codicologia funcional, que atenta na praesentia in absentia, ou seja, no projecto que dá origem ao códice e o planifica, e desse modo intenta reconhecer as estruturas de significação, interrogando os dados e a sua situação até apreender a intencionalidade de origem, a funcionalidade de leitura proporcionada pelo códice, e bem assim a sua integração no mundo dos utentes (suas leituras e gestos colectivos).

Nem a primeira perspectiva pode fechar-se ao desenvolvimento da segunda nem esta pode dispensar a primeira. Mas é diversa a intervenção de cada uma delas segundo o tipo de análise pretendido e a própria formação do investigador. A descoberta desses níveis e a sua avaliação é uma das componentes da formação codicológica. O seu valor não é de menosprezar quando o objectivo final é contribuir para alargar as fronteiras do conhecimento do mundo do livro manuscrito e participar no trabalho de uma comunidade científica que se interroga sobre o valor de significação do códice na cultura de que fazemos parte. Tal valor sai realçado no momento em que os novos suportes de leitura e de informação entram nos hábitos quotidianos e confere a esses mesmos suportes um acréscimo de funcionalidade que seria estulto não reconhecer e aceitar como presente na cultura do livro desenvolvida ao longo de séculos no mundo ocidental.

Uma e outra perspectiva se ordenam e integram num outro plano, o da Codicologia arquivística ou institucional que tem por objectivo a inventariação, reconstituição e disponibilização de fundos ou colecções de manuscritos, a preservação ou conservação das espécies, a valorização da dimensão cultural do livro manuscrito e bem assim o estudo das instituições a quem pertenceu a constituição do livro manuscrito (scriptoria) e a integração em fundos de uso (bibliotecas).

Enquanto voltada especificamente para o livro de leitura a Codicologia não esquece também o livro documental, ainda que este possa e deva ser objecto de outra disciplina que é a Diplomática: como tal atende-se à contaminação de modelos e à funcionalidade que a estrutura material de códice confere ao conjunto documental, primariamente de valor administrativo e apenas secundariamente de valor cultural. Mantém, por outro lado, uma associação particular com a Paleografia enquanto esta se ocupa da semiografia (análise do traçado), à semiologia (interpretação do valor de comunicabilidade) e à história das escritas, mas, pelo seu lado, a Codicologia atende sobretudo ao efeito de leitura que integra a escrita no códice. Tendo especialmente em conta que o códice é a forma específica do livro na cultura ocidental durante dois milénios, a Codicologia tem o texto como referência directa e examina a funcionalidade dos suportes relativamente à leitura e como tal se encontra associada à Filologia, estudo da transmissão dos textos. A Codicologia situa-se assim em relação multidisciplinar, como o é a do seu objecto de estudo, o códice, forma privilegiada do livro manuscrito no mundo ocidental."

Aires A. Nascimento


 

 

 

 

 

 

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Carlos Fontes

Responsável e autor da rede Filorbis 

 

 

Interesses:

Filosofia, Comunicação, Cultura, Educação e Formação Profissional.

Formação Académica

Licenciado em Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa.

Mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação no ISCTE (Lisboa).

Currículo Profissional

 

Professor do Ensino Secundário em Portugal. 

Foi dirigente no Instituto de Emprego e Formação profissional (IEFP) e no Ministério da Cultura.

Dirigiu e editou diversas publicações.

 

     
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