Carlos Fontes

 

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Anterior 

Endividamento Externo de Portugal

 

 
 

A crise económica que ocorreu em 2008, revelou um grave problema da economia portuguesa: o país está a gastar muito mais do que a riqueza que produz. Para manter e melhorar o bem estar das famílias e promover o desenvolvimento económico não pára de se endividar ao exterior. 

As dívidas do Estado, famílias e empresas representavam em finais de 2008, cerca de 300% do PIB.

Um fenómeno comum à maioria dos países desenvolvidos, mas que em Portugal atingiu enormes proporções.

 

 

 1. Endividamento das famílias

No início da década de 90, a percentagem da divida das famílias portuguesas aos bancos representava cerca de 25% dos rendimentos salariais.

O endividamento disparou na segunda metade desta década, e acentuou-se sobretudo depois de 2002, quando foi introduzida a moeda única - o Euro. O acesso ao crédito foi então extremamente facilitado. 

Em 2006, a percentagem de endividamento das famílias portuguesas atingia já os 120% do rendimento disponível, ou seja, o total dos salários num ano não chegavam para pagar os empréstimos.    

A partir de finais de 2008, um número crescente de famílias deixaram de ter rendimentos para pagar os seus empréstimos aos bancos, passando a entregar-lhes habitações e outros bens que haviam adquirido a crédito.

Onde é que as famílias portuguesas aplicaram os empréstimos?

- Aquisição de habitações. A maior fatia dos empréstimos foram aplicados na aquisição de habitação própria. A maioria passou a morar em casa própria, que está a ser paga ao banco.

- Aquisição de bens de consumo. As enormes facilidades de crédito concedidas pelos bancos possibilitaram comprar ou pagar tudo com dinheiro emprestado: automóveis, mobiliário, aparelhagens, roupas, férias, casamentos, funerais, etc., etc. O valor desta fatia no total das dívidas das famílias tem vindo a aumentar.

O sobre-endividamento das famílias constitui uma séria ameaça para a economia de um país, na medida que implica o aumento dos crédito "malparado" e em alturas de crise económica numa diminuição do consumo, que se reflecte de imediato em toda a actividade económica.

1.2. Poupanças

O elevado consumo que se registou a partir da segunda metade dos anos 90, caiu bruscamente no final de 2008, tendo sido acompanhado do crescimento das poupanças das famílias. Recorde-se que entre os países ricos Portugal era daqueles cujas famílias menos poupavam e mais se endividavam. O crédito fácil a isso estimulava.

A crise económica iniciada em 2008 estimulou alguma prudência no consumo e no aumento das dívidas.  

A consequência imediata desta reacção foi que o crescimento económico do país deixou de poder contar com a procura interna (consumo), e está agora dependente do comportamento das exportações das empresas, num mercado global cada vez mais competitivo.  

 

  2. Endividamento das Empresas

O recurso ao crédito pelas empresas aumentou de forma exponencial, não apenas para efectuar investimentos, mas também para as operações correntes de tesouraria, como o pagamento de salários. 

Um número crescente de empresas começou a endividar-se de tal forma que deixou de poder pagar os empréstimos que contraiu.

Após abrirem falência, descobre-se que há muito que os bens disponíveis não chegavam para pagar sequer aos trabalhadores, quanto mais aos bancos.   

A percentagem da divida das empresas representava 100% do PIB em 1998, atingindo os 140% em 2008.

2.1. Empresas Estrangeiras

Numa economia aberta como a portuguesa, é fácil de perceber que largos milhares de empresas sejam estrangeiras. O seu investimento é fundamental para o desenvolvimento do país, nenhum governo pode deixar de contar com as mesmas. 

Muitas delas estão em Portugal há mais de um século, mas a larga maioria entrou nas últimas décadas. 

Em geral instalaram-se aqui porque o Estado lhes proporcionou excelentes apoios ou porque o preço da mão-de-obra é atractivo.

Em situações de crise mundial, ligeira subida dos salários ou simples oportunidades especulativas, endividam-se,  deixam de investir, despedem trabalhadores, descapitalizam empresas e acabam por fechar as empresas.  

O valor do capital de estrangeiros investido ou detido em Portugal, representava em 2008, cerca de 100% do PIB. 

 

  3. Endividamento do Estado

As receitas dos Estado, autarquias, regiões autónomas e empresas públicas, com o desperdício que reina em Portugal, pouco mais dão do que para pagar as despesas correntes. 

Apesar disso, o Estado é hoje chamado a intervir em todas os domínios da vida económica e social, não apenas como regulador, mas sobretudo como garante de um vasto conjunto de apoios e serviços aos cidadãos. 

A despesa pública está sempre a crescer, mesmo quando a riqueza produzida está estagnada.

Autarquias como a Câmara Municipal de Lisboa há muito que as suas receitas não cobrem as despesas, a única forma de continuarem a funcionar e a investirem é contraírem sempre novos empréstimos, re-negociarem dívidas, venderem património para pagarem dívidas, etc. O processo de endividamento prossegue, enquanto não se cortar com a parasitagem e o desperdício.

Défice do Estado  e Divida Pública

Ano  Défice do Estado em % do PIB

Divida Pública em %

2006

3,9 

64,7

2007

3,2

63,6

2008

3,7

66,3

2009

10,2

76,8

2010

9,9

94

2011

4,4

108,3

2012

6,4

123,6

2013

4,9 (previsão do governo)

123,7 (previsão do governo)

O défice do Estado que em 2008 que se situou nos 3,7%, em resultado da crise económica mundial disparou, para 10,2% no ano seguinte

A dívida pública passou de 50,4% em 2000 para 66,3% em 2008, um valor que naturalmente também disparou. 

Um nível de endividamento que não deixará de pesar no valor dos juros dos novos empréstimos, assim como poderá representará um pesado fardo para as novas gerações.  

Ninguém dúvida que os investimentos públicos são fundamentais para melhorar as condições de vida da população e promover o desenvolvimento económico. No entanto, mais investimento público significa mais dívidas.

A maioria dos investimentos públicos são feitos à custa de créditos obtidos nos bancos nacionais e no estrangeiro. 

Ao contrário dos particulares o Estados português não pode abrir falência, tendo portanto de recorrer a vários meios para pagar as suas dívidas aos bancos:  

- Aumento dos impostos directos e indirectos. As classes médias, em regra, são as mais atingidas.

- Venda de património, nomeadamente reservas de ouro, privatização empresas publicas, alienação de propriedades, etc.

- Corte nas despesas e nos investimentos para financiar os juros e o pagamento das dívidas. Um dos expedientes mais usados.    

Estes expedientes tem um elevado custo social e económico, implicando quase sempre o empobrecimento do país, assim como o aumento das desigualdades sociais. 

A única alternativa viável é combater o desperdício do Estado, seleccionar melhor os investimentos, utilizar de forma mais racional os recursos existentes e limitar o endividamento das várias entidades públicas.

 

  4. Endividamento dos Bancos

O aumento do endividamento privado, provocou uma brutal diminuição das poupanças. Os bancos para poderem conceder crédito aos seus clientes, o seu principal negócio, tiveram que passar a contrair empréstimos no exterior. 

As facilidades de crédito que concederam fê-los superarem todas as margens de segurança em termos de endividamento. 

Em 2008, os clientes do BPN quando foram ao banco para levantarem os seus depósitos verificaram que o banco não tinha dinheiro, estava  falido. O Estado português desde então não tem parado de injectar dinheiro neste banco para evitar a sua ruptura falência.  

A única saída possível para este problema é aumentar as margens de segurança dos bancos e as garantias na concessão de crédito (o que implica alguma restrição), estimular as poupanças e exigir uma maior transparência no sistema.

4.1. Fuga de Capitais

Um das principais constatações que se retirou da crise de fins de 2008 é que os bancos, tinham um vasto sistema de desvio para o estrangeiro das poupanças do portugueses, muitas vezes sem conhecimento dos clientes ou do Banco de Portugal (supervisor): 

- Investiam no estrangeiro em negócios de alto risco.

- Investiam em "offshores".

As poupanças deste modo beneficiavam outros países, em particular os EUA.

 

  5. Desequilíbrios da Balança de Pagamentos

A situação é tanto mais grave quando se constata que existe um profundo desequilíbrio na balança comercial de Portugal. O valor do que importamos é superior ao que exportamos.  

Nas importações portuguesas, a energia (petróleo, gás natural, combustíveis sólidos, etc) representam cerca de 50% do valor global, em termos de valor cerca de 6% do PIB (2008). A dependência energética externa de Portugal rondava, em 2005, os 86% da totalidade do consumo. Um valor excessivo que a política iniciada em 2005 está a combater com resultados excelentes. 

O aumento do preço do petróleo reflectem-se de forma imediata na balança comercial. Neste sentido, a única forma de combater o problema é continuar a apostar nas energias alternativas, utilização de transportes públicos e melhoria da eficiência energética.

As exportações portuguesas tem que ser incrementadas, nomeadamente para novos mercados, o que exige uma política activa de apoio às empresas exportadoras, incremento da investigação tecnológica, desenvolvimento da diplomacia económica, etc. Uma estratégia que exige tempo, persistência e importantes recursos económicos e humanos. 

 

  6. Especulação Global

Em Abril do 2010, os países do Euro sofreram uma ataque especulativo global. As agências de rating (americanas: Standard & Poor's, Moody's Investors Service, etc) consideraram de alto risco as finanças da Grécia. O elevado défice do Estado grego, aliado à pouca credibilidade das suas estatísticas, lançou a moeda única numa crise profunda. 

A especulação alastrou a outros países: os elevados défices públicos de Portugal, Espanha, Irlanda, Itália e outros países da Eurolândia, favoreceram os movimentos especulativos, fazendo disparar os juros dos seus empréstimos no exterior, e consequentemente provocando o aumento do seu endividamento. Portugal foi particularmente penalizado.

Desafios

Face à crise económica, não está em questão o aumento dos investimentos públicos, mas sim a sua qualidade.   

 

  Carlos Fontes
   
 
Anterior
 

Para nos contactar: carlos.fontes@sapo.pt