Carlos Fontes

 

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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PORTUGAL  
 

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( VI )

Só Pode ser Culpado !

Desde 1974 nunca houve em Portugal um político que desperta-se tanto ódio como José Sócrates. Desde 2004, quando se afirmou com líder do PS, passou a ser alvo de uma campanha sistemática nos jornais e nos canais de televisão que procuram mostrar que o mesmo era um mau carácter e corrupto.

Os principais orgãos de "informação" em Portugal controlados por grupos estrangeiros (angolanos, espanhóis e suíços), apostaram nesta campanha, cientes que um governo de direita, mais liberal, os favorecesse nas privatizações

O Passos Coelho, lider do PSD, deu-lhes essa garantia, e por isso não admira que a totalidade destes orgãos de informação seja afecta a este partido.

Apesar deste ódio todo e dos rios de dinheiro gastos em ataques na comunicação social contra José Sócrates, a verdade é que o mesmo ganhou duas eleições legislativas, uma em 2005 com 45% dos votos e outra em 2009 com 36,5%. É incrível que o tenha conseguido, se tivermos em conta estas campanhas, alguns aspectos da sua personalidade e da sua política.

 

  É Político

Ao longo da história os políticos foram quase sempre associados à corrupção. Depois da crise de 2008, nos EUA, também os banqueiros passaram ser identificados como tais. Actualmente a ideia que todos os políticos e banqueiros são corruptos reúne  um largo consenso na sociedade portuguesa. Neste contexto é preciso dizê-lo com clareza ninguém pode aceitar que Sócrates possa estar inocente. As provas são portanto desnecessárias, dado que o julgamento na opinião pública já está feito à partida.

 

 
Não se cala

Vários estudos mostram que os portugueses, depois da independência do Brasil (1822), tornaram-se "pessimistas", descrentes em relação ao seu futuro (Decadentismo). Depois da humilhação inglesa do Mapa Cor de Rosa (1890), sentiram-se que pouca já valiam no contexto internacional. A ditadura (1926-1974) estimulou uma mentalidade avessa ao protagonismo individual e colectivo. O "bom português" devia ser discreto ou calado e brando nos costumes. O país devia fechar-se sobre si próprio, e manter-se "orgulhosamente só" (Salazar).

José Gil, em Novembro de 2004, publicou a conhecida obra: - Portugal, Hoje: O Medo de Existir -, onde dá conta da persistência desta mentalidade avessa à exposição e confronto público de ideias, preferindo a intrigalhada, os jogos de bastidores, a boataria, maledicência, etc.

Sócrates, neste contexto nacional, como político só podia ser encardo como um "estrangeiro". Não se cala, afirma as suas ideias e convicções. Nada mais irrita o português comum, educado nos valores salazarentos, do que alguém que seja afirmativo, assertivo como hoje se diz.

Depois de regressar de Paris, em Março de 2013, a RTP, convidou-o para ser mais um dos seus muitos comentadores . O facto provocou um verdadeiro sobressalto colectivo, à porta deste canal televiso concentraram-se bandos de manifestantes reclamando o seu silêncio. A imprensa afecta ao PSD e CDS exigiu que se tomassem medidas para o calar. 

Depois da sua prisão, a 21 de Dezembro de 2014, jornais, televisões, comentadores e dirigentes dos partidos políticos, juizes, procuradores, em coro, apelaram a que José Sócrates ficasse em silêncio enquanto era insultado na praça pública.

 

 

É ateu

O Corão é muito claro sobre os ateus: devem ser exterminados, porque não sendo tementes de Deus, não são controláveis. O Tribunal do Santo Ofício era igualmente implacável com os ateus. A Igreja Católica portuguesa nunca escondeu o seu ódio a Sócrates, não apenas pelo seu ateísmo, mas porque autorizou o casamento de pessoas do mesmo sexo e aprovou a lei do aborto, entre outras malfeitorias. 

 

  Atacou as Corporações

As corporações começaram a ser extintas em Portugal no final do século XVIII, mas mentalidade corporativa nunca desapareceu. A ditadura a partir de 1933 instaurou uma forma de organização política baseada em corporações fechadas sobre si próprias, avessas à mudança. Uma política que persistiu até aos nossos dias. Os governos de José Sócrates afrontaram o poder de alguns destas corporações, nem sempre da melhor forma. Alguns exemplos:

a) Universidades. Foi-lhes imposta uma avaliação internacional, que as obrigou a relacionarem-se com as suas congéneres internacionais, dando conta da sua atividade.

b) Professores do ensino não superior.

c) Juízes. Sentiram-se particularmente atacados em muitos dos seus privilégios, nomeadamente na questão da "férias judiciais".

d) Militares.

e) Jornais e jornalistas. 

 

  Provocou uma Crise Mundial

Uma multidão de comentadores nos jornais e canais de televisão são consensuais em lhe atribuir a culpa da crise de 2008 nos EUA, mas sobretudo o excessivo endividamento público e privado não apenas em Portugal, mas também na Irlanda, Grécia, Espanha, Itália, França, Hungria, Islândia, Reino Unido, etc.

O problema do euro, a especulação financeira internacional, a falta de respostas da União Europeia face à crise das dividas soberanas, tudo isto e muito mais é culpa exclusiva de Sócrates.

Embora só tenha estado à frente do governo durante seis anos (2005-2011), comentadores como Medina Carreira, Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, Santana Lopes atribuem-lhe a responsabilidade por todos os problemas do país desde o Condado de Portucalense (século IX).

 

  Não é Miserabilista

Durante o primeiro governo de Sócrates, a direita portuguesa elegeu, em 2007, como o melhor português de sempre, o ditador Oliveira Salazar. As livrarias encheram-se de biografias e livros exaltando as virtudes do ditador, nomeadamente a forma "despojada", "remediada" como vivia e obrigava a população portuguesa a viver.

Sócrates era acusado por jornais e canais de televisão, como não seguindo as virtudes de Salazar, vivendo uma vida recatada e frugal, dedicando-se como fazia o ditador ao cultivando couves e criação de galinhas na sua residência oficial em S. Bento.

No confronto com Salazar, as casas em Sócrates em Lisboa e Paris tornaram-se rapidamente no melhor dos exemplos da luxuria deste político. 

Passos Coelho, lider do PSD, procurou mostrar-se à altura do exemplo de Salazar. Afirmou ao "Financial Times" que mesmo depois de ser primeiro-ministro ninguém o tira de viver num bairro de subúrbio, em Massamá (Queluz, Sintra), sujeitando-se todos os dias a engarrafamentos no IC19. Que contraste com Sócrates, que escolheu viver bem no centro de Lisboa.  

Não foram apenas as casas de Sócrates que chocaram muitos portugueses, foram também as viagens. Salazar a única vez que foi ao estrangeiro nunca passou de Badajoz (Espanha), e só o fez para se encontrar com outro ditador - Francisco Franco. A imprensa não perdoou a Sócrates não só que tenha viajado pelo mundo ao serviço de Portugal, mas também que tenha feito férias no Quénia com os filhos (primeira quinzena de Agosto de 2005). Salazar passava as suas férias em Portugal e várias vezes na sua terra.

 

  Tem Amigos Generosos
   

É Transmontano e Beirão

José Sócrates foi registado, em 1957, em Vilar de Maçada (Alijó), um facto que o torna desde logo suspeito para a direita portuguesa católica. O nome "maçada" é uma palavra de origem judaica, que alude a uma tragédia: a fortaleza de Massada, na região do Mar Morto, onde os Zelotes se refugiaram e resistiram durante anos aos romanos, terminado num suicídio colectivo (ano 73).  A Covilhã onde viveu durante a sua infância e juventude situa-se numa região, onde as presença judaica foi fortíssima. 

Como é sabido, as grandes comunidades de portugueses judeus concentraram-se sobretudo em Trás-os-Montes e na Beira Interior, onde viveu José Sócrates. A Inquisição portuguesa e espanhola perseguiu e matou milhares de transmontanos e beirões. 

Dadas estas raízes culturais compreende-se agora porque a direita portuguesa não o suporta, corre-lhe nas veias sangue de "judeu".

 

  É Filósofo

Sócrates carrega o peso do seu próprio nome. Sócrates, o ateniense, no ano 399 a.C., foi condenado à morte por se recusar a trair as suas convicções. 

Uma das convicções de Sócrates, o José, era a importância da educação (Paideia) para mudar a sociedade portuguesa. Coerente com esta ideia, é unanime que nunca se investiu tanto na educação e na ciência em Portugal como durante os seus governos. 

Se era difícil à direita em Portugal aceitar esta firme aposta na educação e na ciência, ainda mais difícil se tornou aceitar que um ex-primeiro-ministro fosse estudar filosofia política para Paris.

O caso tornou-se num verdadeiro acontecimento nacional. José Sócrates trouxe à ribalta o problema filosófico do Sócrates ateniense: a consciência do limites do próprio saber, é a primeira etapa para atingir o verdeiro saber ("Sou sei que nada sei".).

A mensagem de José Sócrates dificilmente podia ser compreendida pelos "sofistas" portugueses, que não conseguem perceber que alguém que tenha sido primeiro-ministro ainda possa aprender algo sobre política.  O que se tornou ainda mais incompreensível foi que ele tenha contraído um empréstimo bancário para poder durante um ano estudar filosofia, a coisa mais inútil que se possa imaginar.

Os muitos jornais e jornalistas que se debruçaram sobre Sócrates estudante de filosofia em Paris, esqueceram-se da filosofia, e centram a sua atenção sobre o que ele comia, onde o fazia, as roupas que vestia, marcas, os passeios que dava e por aonde, etc. Sócrates, o ateniense, não teria dúvidas em afirmar que o nível intelectual que estas criaturas conseguem atingir é semelhante ao das bestas.

O resulta da reflexão filosófica em Paris, a obra - A Confiança no Mundo (Sobre a Tortura em Democracia),-, publicada em Outubro de 2013,  o único interesse que despertou na imprensa foi sobre o número de folhas, tiragens, o tipo e corpo da letra,  editora, distribuição, os exemplares autografados e  para quem, etc. O Sócrates, ateniense, embora mantivesse a mesma apreciação sobre as bestas, certamente seria assaltado por a questão do seu discípulo Platão: a inteligência é ensinável ?

 

  É Desportista

 

  Obreiro

Passos Coelho, o actual primeiro ministro, quando comparado com José Sócrates, mais parece um merceeiro ou um agente liquidatário do que um político. Não tem ideias, nem projectos mobilizadores.  Fica para a história como o que mais património publico delapidou aos desbarato vendendo a estrangeiros, sem que nada tenha criado a não ser um aumento brutal do endividamento que ultrapassa os 130% do PIB.

- É Sócrates ? Se é certo que após a crise mundial de 2008 o endividamento do país subiu para 90% do PIB, também o é, que deixou uma impressionante obra feita em multiplos domínios. Facto que o tornou lhe provocou um ódio demencial em vastos sectores da sociedade portuguesa avessos à mudança. 

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Carlos Fontes

 

 

A entrevista de Sócrates à SIC, 3/02/2015

Tinha viagem marcada, de Paris para Lisboa, para quinta-feira. Mudou para sexta-feira à tarde e voltou a mudar para sexta-feira à noite. Como justifica estas alterações? Admite que possa ter levantado suspeitas à investigação


Na 5ª feira, das 17 às 19 horas, participei num seminário académico na escola doutoral de Sciences PO. Essa foi a razão pela qual mudei o regresso de Lisboa de 5ª para 6ª feira. Já na 6ª feira, a alteração do meu voo de regresso a Lisboa deveu-se à deslocação do meu advogado a Paris para uma reunião comigo que não estava inicialmente prevista. Francamente, não percebo que suspeitas essas alterações possam justificar. A verdade é que eu voltei, não fugi! Quando vejo invocarem o "perigo de fuga" como um dos fundamentos da minha prisão preventiva o que me parece é que alguém está a esforçar-se muito para não ver o óbvio: eu vinha a entrar, não ia a sair! Se este fosse um processo normal, guiado pelo bom senso, qualquer suspeita, mesmo disparatada, sobre a minha alegada intenção de fugir teria morrido aí.

A insistência nesse absurdo "perigo de fuga" mostra bem o espírito que anima esta investigação e as suas presunções. Vejam bem: ao invocarem o "perigo de fuga" como um dos fundamentos da minha prisão preventiva, o que os magistrados que dirigem este processo estão a dizer é que acreditam que havia um sério risco de ficar uma cadeira vazia no meu comentário semanal na RTP! Podemos avaliar a credibilidade da ideia fazendo um esforço para imaginar a cena, com o "pivôt" da RTP a anunciar: "Senhores telespectadores, esta semana não há comentário. O ex-primeiro-ministro, que costuma estar aqui todos os domingos, fugiu!". Mas há alguém de bom senso que possa acreditar numa coisa destas?! Nunca fugi de nenhuma dificuldade; sempre as enfrentei. 

No dia da sua detenção o seu advogado enviou, de Paris, um email ao director do DCIAP. De que se tratava? Que consequência teve esse email?


Às 15h54 do dia 21 de novembro (horas antes da minha detenção à chegada ao aeroporto, com todo aquele espectáculo mediático), o meu advogado enviou um e-mail ao Diretor do DCIAP comunicando a minha vontade  de ser ouvido neste processo o mais rapidamente possível (depois das buscas em casa do meu filho e da notícia da detenção de pessoas que me são próximas não era preciso ser adivinho, nem ter informações privilegiadas, para calcular que havia um processo contra mim). O texto do e-mail diz expressamente: "ele (José Sócrates)... dispõe-se a comparecer (...) onde e quando for determinado para ser ouvido".

Isso mesmo foi reiterado pelo meu advogado por contacto telefónico no mesmo dia, tendo o Diretor do DCIAP garantido que iria transmitir imediatamente o pedido, por mensagem telefónica, ao Procurador Rosário Teixeira. 

Estas diligências, obviamente, deitam por terra o que ainda pudesse restar da tese do "perigo de fuga". O que provam é o contrário: a minha inteira disponibilidade para colaborar com a Justiça e para vir ao processo prestar todos os esclarecimentos. O que é absolutamente extraordinário é que esse e-mail, enviado às 15h54 do dia 21, só tenha sido oficialmente recebido às 16h04 do dia 25, já depois de decretada a prisão preventiva, sustentada, entre outras, nessa alegação absurda do "perigo de fuga". Esse pequeno truque - ignorar o e-mail e sustentar o perigo de fuga - é muito revelador. Ainda estou à espera que o sr. Diretor do DCIAP se digne explicar o que se passou. 

Tentou, de alguma forma, evitar ser detido à chegada a Lisboa?


À chegada a Lisboa foi-me imediatamente comunicada a minha detenção e nada podia ser feito para a evitar. Depois, foi aquele circo mediático que estava montado e que todos puderam ver. A verdade é esta: a minha detenção nada teve a ver com Justiça, mas com espectáculo. Não se tratou de cumprir um qualquer objectivo jurídico legítimo mas teatralizar politicamente uma acção judicial. 

Retenho desses episódios um momento particularmente impressivo e significativo: a manifestação organizada por um Partido de inspiração fascista, ou nacionalista, cujos manifestantes ruidosamente aplaudiam as decisões do Juiz e do Procurador. Pela minha parte, eu, que nunca fui aplaudido por fascistas, o que vejo nestas decisões é um abuso. Um abuso das regras e do Direito. E, fiel à boa tradição democrática, considero o abuso contra qualquer cidadão uma ameaça aos demais. 

A sua defesa tem insistido que não existem fortes indícios de crimes no processo. Ma há uma pergunta que toda a gente faz: será possível imaginar que a justiça prenda alguém sem provas minimamente sólidas? Ainda para mais se esse alguém foi um primeiro ministro deste país?


Compreendo bem a pergunta sobre se é plausível que as autoridades tenham prendido um ex-primeiro-ministro sem terem nas mãos provas minimamente sólidas ou sem possuírem pelo menos fortes indícios da prática de crimes. Mas a verdade é que foi isso que aconteceu. Bem sei que as pessoas tenderão a pensar: "se ele está preso, é porque alguma coisa deve ter feito". E é evidente que a investigação joga com isso e com as "fugas" selectivas ao segredo de justiça para obter a condenação antes mesmo da sentença. Mas é cada vez mais claro que neste caso se prendeu para investigar.

O que aconteceu aqui foi uma total precipitação de quem estava tão cego pela sua intenção persecutória ou tão convencido da sua teoria e das suas presunções que avançou sem provas ou sequer fortes indícios de quaisquer crimes. Aliás, as próprias "fugas" ao segredo de justiça, apesar do enorme esforço dos jornais do costume, mostram que este processo assenta muito mais em teorias e presunções do que em provas e indícios concretos. É por isso que esta prisão preventiva é abusiva, desproporcionada e ilegal. A minha esperança é que se perceba que, neste caso, salvar a face da Justiça não é o mesmo que salvar a face do Ministério Público. Salvar a face da Justiça é ter a lucidez e a coragem de garantir, neste como em todos os casos, o respeito integral pelos direitos fundamentais e pelo Estado de Direito. 

Enquanto Primeiro-ministro alguma vez tentou beneficiar empresas ou empresários com os planos de investimento lançados pelos seus Governos? Em concreto, ajudou, de alguma forma, os negócios do Grupo Lena, mesmo depois de deixar o Governo? Se o fez recebeu algo em troca?


Nunca, em nenhuma circunstância, durante todo o tempo em que exerci funções governativas, tomei qualquer iniciativa, directamente ou através de terceiros, para favorecer as empresas do Grupo Lena ou do meu amigo Carlos Santos Silva. Não tenho nada que ver com a vida empresarial dele, ele nunca me pediu nada enquanto fui membro do Governo. A nossa relação fraterna é pessoal não é profissional. 

Conheci os administradores do Grupo Lena como participantes em comitivas empresariais no contexto de visitas de Estado, em acções de diplomacia económica. Estive com eles, por essa altura, uma meia dúzia de vezes, sempre em encontros sociais. Tenho por eles e pelo seu grupo empresarial a maior consideração mas nunca, em todo o tempo em que fui membro do Governo, nem eles, nem ninguém por eles, me pediram seja o que for. 

Aproveito para esclarecer, já que isso tem sido maldosamente referido, que o projecto do Grupo Lena de construção de casas na Venezuela foi integrado no convénio comercial celebrado entre Portugal e a Venezuela em 2010 nos mesmos termos em que o foram outros projectos pendentes de várias empresas. O Governo português, como é prática na política de diplomacia económica, empenhou-se na concretização desse projecto da mesma forma que se empenhou noutros, sem qualquer discriminação ou favorecimento. 


É verdade que em Setembro de 2014 telefonou para o vice-presidente de Angola a interceder pelo Grupo Lena? Organizou ou tentou organizar um encontro entre as partes? Qual a razão?


Quanto ao telefonema para o vice-presidente de Angola, é verdade que, já neste último verão, vários anos depois de ter saído do Governo, num almoço com o meu amigo Carlos Santos Silva e um dos administradores do Grupo Lena, foi-me perguntado e pedido se podia diligenciar para que essa empresa fosse recebida pelo sr. vice-presidente de Angola. Acedi ao pedido por mera simpatia e fiz esse contacto com gosto, sem nenhum interesse que não fosse ajudar uma empresa portuguesa, como, aliás, fiz com outras.  

Afonso Camões, então administrador da agência Lusa, admitiu que o avisou em Maio de 2014 que estava a ser investigado. Qual foi a sua reacção e o que fez com esta informação?


Tenho bem presente essa conversa com Afonso Camões. Na altura, reagi a ela com o desprezo e a indiferença que sempre me mereceram os boatos e os rumores. Não lhe dei mais importância que isso. No entanto, essa conversa ganha, hoje, outra relevância, tendo em conta o que entretanto se passou. Desejo contar essa pequena história mas quero fazê-lo, em primeiro lugar, no sítio próprio: no processo, já aberto, de violação do segredo de justiça. Tendo já comunicado à Sra. Procuradora Geral esta minha disponibilidade, aguardo que me convoquem para prestar declarações. 

Mas não disfarcemos. O facto mais importante é a denúncia que Afonso Camões fez, que é gravíssima. Ela significa que, ao menos neste caso, as violações do segredo de justiça vieram precisamente daqueles a quem compete fazer justiça e aplicar lei. 

Quanto às "fugas" mais recentes ao segredo de justiça - que continuam de forma sistemática, incluindo sobre o teor de escutas políticas que seria suposto estarem guardadas num cofre por serem irrelevantes para o processo... - já que me perguntam por factos, deixo aqui alguns: 

1º facto : este processo está à guarda do Procurador e do Juiz.

2º facto : todas as "fugas" ao segredo de justiça, como se vê, têm sido favoráveis à acusação.

3º facto : um director de jornal escreveu expressamente num editorial que os jornalistas obtêm informações deste processo junto dos próprios responsáveis pela investigação.

4º facto : o jornal "Público", na sua edição do dia 20 de janeiro de 2015, na pág. 7, numa notícia sob o título "Director do JN foi à PGR falar sobre contactos com Sócrates", garantiu, preto no branco, que obteve informações sobre o conteúdo de certas escutas não junto da célebre "fonte conhecedora do processo", nem da enigmática "fonte judiciária", mas de "fonte judicial". 

Quatro factos. Perante estes factos, o que me espanta mais é o silêncio. Este silêncio é verdadeiramente impressionante. Mas se pensam que o silêncio conduz ao esquecimento estão equivocados. Há questões graves demais para serem silenciadas. 

O seu advogado, João Araújo, tem a convicção de que o procurador Rosário Teixeira e o juiz Carlos Alexandre foram fontes de informação de órgãos de comunicação social. Tem a mesma opinião? Baseada em que factos?


A questão das violações sistemáticas do segredo de justiça não pode ser dissociada da questão das minhas intervenções públicas. Sou obrigado a defender-me na praça pública porque é também na praça pública que estou a ser acusado e julgado. Era o que mais faltava que eu tivesse de assistir em silêncio à divulgação criminosa de informações manipuladas e objectivamente difamatórias sem fazer nada em defesa da minha honra e do meu bom nome. E não é só a violação do segredo de justiça, são as mentiras : malas de dinheiro que iam para Paris; o milhão descoberto num cofre que nunca foi meu; e agora um fundo que eu teria para "esconder" os imóveis que nunca tive. Tudo invenções e mentiras.

E não aceito a confusão, completamente abusiva, entre a minha resposta às notícias difamatórias que são publicadas e um suposto "perigo de perturbação do inquérito", que também é invocado como fundamento para a minha prisão preventiva. Como se o inquérito fosse muito beneficiado com as "fugas" selectivas favoráveis à acusação e prejudicado pela apresentação de esclarecimentos favoráveis à defesa! Talvez o espanto não nos tenha, ainda, permitido apreciar a beleza da posição do Ministério Público: face a reiterados crimes de violação do segredo de justiça, de teor sempre favorável à acusação, parece que o Ministério Público acha que o que realmente perturba o inquérito é o exercício legítimo do direito de defesa da honra. Logo, a seguirmos esse raciocínio, a defesa do arguido é, em si, "perturbadora". Lindo!

O ideal do Ministério Público será, portanto, o de um processo onde o arguido esteja em respeito, viradinho para a frente, sem se defender. Porque defender "é perturbar". E, antes de perdermos o pé nesta vertigem que nos obriga a viajar já tão para lá de tudo o que é aceitável na lealdade processual democrática, talvez convenha lembrar o nosso estimável Ministério Público que o que perturba, de facto, o inquérito são as constantes violações do segredo de justiça. Ora, nada disto é aceitavel, sobretudo quando uma pessoa é constantemente bombardeada com estas "fugas" ao segredo de justiça.

Sejam claros: só há verdadeira perturbação do inquérito, susceptível de justificar uma medida restritiva da liberdade, quando há um risco real e concreto para a produção ou conservação da prova, não quando o visado por notícias difamatórias vem a público prestar simples esclarecimentos, mesmo que possam incomodar a versão da acusação. 

Em declarações anteriores confirmou que "face a algumas dificuldades de liquidez que atravessei em certos momentos (...) recorri várias vezes a empréstimos que o meu amigo Carlos Santos Silva me concedeu para pagar despesas diversas". A PGR disse, em comunicado, que o inquérito está a investigar "operações bancárias, movimentos e transferências de dinheiro sem justificação conhecida e legalmente admissível". Consegue justificar todos esses movimentos suspeitos? Tendo admitido dificuldades de liquidez, por que razão optou por um estilo de vida tão dispendioso?


Tínhamos de acabar aqui: no meu "estilo de vida", que dizem "dispendioso", na crítica de costumes e no julgamento moral que inspira desde o início toda a campanha do "Correio da Manhã" contra mim. Não admito, nem alimento, esses julgamentos. Nem sequer para comentar a mesquinhez dos que acham que é um "luxo" tirar um mestrado em Sciences Po ou ter filhos a estudar numa escola estrangeira. 

Quanto aos movimentos financeiros alegadamente "suspeitos", já expliquei o essencial que havia a explicar: o engº Carlos Santos Silva fez-me empréstimos que sempre tencionei e tenciono pagar. Essa é a verdade e não constitui crime, nem aqui nem em lado nenhum do Mundo.

 Por outro lado, ao contrário do que se pretendeu fazer crer, não há nenhuma contradição entre a existência desses empréstimos e o outro que também contraí, e entretanto paguei, junto da Caixa Geral de Depósitos. Tal como o facto de ter tido dificuldades de liquidez num certo período da minha vida não significa que não tivesse um horizonte financeiro, pessoal e familiar, compatível com o meu nível de despesas.

Mas, já agora, sem querer "perturbar" esta tão interessante discussão das várias teorias sobre a minha vida pessoal e financeira, talvez valha a pena recordar que estamos no âmbito de um processo criminal, que é suposto investigar crimes e sustentar-se em factos, não em opiniões sobre a vida dos outros.

Por isso, pondo de lado as teorias, as presunções, a coscuvilhice e os julgamentos morais que têm enchido as páginas dos jornais e animado tantos comentários, e tendo eu já respondido a tantas perguntas, há talvez uma pergunta a que a acusação deveria nesta altura responder: afinal, onde é que estão as famosas "provas" ou os "fortes indícios" dos crimes que me imputam?

E, ao certo, de que crimes concretos é que estamos a falar? É essa a resposta que falta. E, enquanto faltar, nem esta prisão preventiva se justifica nem este processo pode ter futuro. 

Para além de preparar a sua defesa, como ocupa o tempo na cadeia?


A prisão é uma coisa séria e tenho sobre ela muita coisa a dizer. Mas deixemos isso para outra altura. Tenho demasiado respeito por quem aqui está para me entregar ao exercício "voyeurista" da descrição do quotidiano prisional. Deixemos isso para os "tablóides". 

Tem recebido muitas visitas na cadeia. Sente, ainda assim, que alguns amigos se afastaram?


Não, não senti que os amigos se afastaram. Eles sabem da monstruosa injustiça que foi cometida e o seu significado político. Tenho comigo os meus amigos de sempre e os que sempre quis ter.", José Sócrates

 
 

Notas :

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