Carlos Fontes

 

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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PORTUGAL  
 

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( II )

Informação ou Linchamento na Opinião Pública ?

A prisão do ex-primeiro-ministro de Portugal parece ter despertado em muitos portugueses o sentimento de festa vivido nos antigos Autos de Fé realizados pelos Tribunal do Santo Ofício. Sinal dos tempos?

Uma das questões mais interessantes neste caso está no facto de três jornais e um canal de televisão, num regime democrático ocidental, terem realizado campanhas sistemáticas de linchamento de um político junto da Opinião Pública. Durante largos anos de forma impune fizerem insinuações, lançaram suspeições, promoveram a devassa da vida privada, atacaram o carácter do visado, de modo a consolidarem na opinião pública a ideia de o mesmo era culpado por todos os crimes de que o acusavam. O caso merece ser estudado.

1. Ataque ao Homem

O jornal Correio da Manhã, o promotor mais consistente destas campanhas, assentou a sua estratégia no  "ataque ao homem" (ad hominem ), isto, é mostram que Sócrates era "mau carácter", "mentiroso", "vingativo" e sobretudo "corrupto", de modo à sua descredibilização. Nos títulos "bombásticos", para serem exibidos como cartazes propagandísticos, fazem-se insinuações, embora as noticias no seu interior  terminem invariavelmente com a frase - "este facto carece de confirmação". O importante todavia não era a noticia, mas sim o título escolhido de modo a passar uma dada mensagem.

Sócrates não aprendeu "inglês" na escola, mas à mesa de um restaurante no bairro da boémia de Lisboa.

A prisão de Sócrates, por alegados indicios de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada, foi apresentada como a confirmação que das acusações que o jornal lhe fazia.

 

Edifício do Tribunal da Inquisição de Évora

2. Tribunal do Santo Ofício de Évora

Talvez não tenha sido por acaso que tenham levado o ex-primeiro-ministro de Portugal para Évora. A história tenebrosa da inquisição na cidade, parecem mostrar que escolha deste local não terá sido feita ao acaso.

Foi nesta cidade que em 1536 a Inquisição em Portugal estabeleceu a sua primeira sede (2). A Universidade de Évora, criada em 1563 pelo cardeal D. António (1512-1580), Inquisidor-Geral (1539-1580) e Pior do Crato, formou até à sua extinção (1759) gerações de inquisidores do país.

Antes mesmo deste tribunal existir muitos portugueses foram daqui enviados para serem julgados no Tribunal do Santo Ofício de Llerena (Badajoz,Espanha),  com base em meros indícios ou provas obtidas sob tortura. Mais

A Inquisição só foi extinta em Portugal a 31/3/1821, moldando a longo dos séculos uma mentalidade que sustentou entre 1926 a 1974 uma das mais longas ditaduras da história da humanidade.

A grande diferença está que antes as vítimas eram julgadas pela Igreja Católica, hoje pelos jornais e canais de televisão. Muitos jornalistas e comentadores encarnam as figuras dos antigos inquisidores, tão bem descritos por Dostoievsky, no romance Os Irmãos Karamazov.

As próprias investigações policiais, como vimos, são realizadas em interligação com os orgãos de comunicação envolvidos no linchamento das vítimas. Antes de serem julgadas, a maioria das vítimas já teve a sua sentença proferida nas páginas dos jornais e canais de televisão.

2.1. Braço Secular

O Inquisidor não necessitava de apresentar os fundamentos da acusação, muito menos revelar a identidade dos que o acusavam, a qual devia se mantida no mais absoluto segredo. 

Em segredo, inquisidores  e o Estado (o braço secular), a cujos membros os inquisidores davam ordens, trocavam  informações e decidiam, como bem lhes aprouvesse a gravidade da culpa do acusado. A função dos inquisidores é acusarem, cabendo à justiça a execução das respectivas penas. A morte dos acusados eram da competência dos oficiais de justiça.

A Inquisição foi extinta em Portugal, em 1821, mas não deixa de ser significativo como certas práticas inquisitoriais persistem na sociedade portuguesa, embora com algumas mudanças próprias do tempo.

A função dos antigos inquisidores é cada vez mais desempenhada pela "comunicação social", que após terem acusado alguém, entregam o condenado à justiça para que aplique a respetiva pena.

A imprensa após ter feito a acusação continua ter acesso a toda a informação sobre o acusado. Este todavia se quiser saber do que é acusado tem que ler os jornais ou ver os canais de televisão onde os acusadores divulgam os fundamentos daquilo que o acusam. Neste aspecto, o caso de José Sócrates é paradigmático da sobrevivência dos métodos inquisitoriais.

Depois da prisão de Sócrates, a 21 de Novembro, a imprensa em Portugal começou a divulgar partes do processo onde consta  a matéria de que é acusado, mas este é mantido em segredo sobre as acusações que lhe são feitas na praça pública. 

2.2.  Cárceres de Vigia

Na Inquisição de Évora, como nas restantes, o acusado era metido cárceres onde era permanentemente vigiado, não apenas pelos guardas, mas também por outros presos "voluntariosos" que se prestavam a este serviço. Nenhuma intimidade lhes era permitida, de modo a provocar a sua despersonalização e resignação.

 A comida e o modo com comia, os gestos que faziam, o que diziam, todos os mais pequenos detalhes eram importantes para confirmar a culpabilidade dos presos. Informação que depois se mostravam irrelevante para a decisão do Grande Inquisidor.

No Estabelecimento Prisional de Évora, a comunicação social, com a colaboração dos serviços prisionais, os guardas e provavelmente também de presos, permitem-nos saber todos o detalhes do que José Sócrates faz nos cárceres.

Nenhum  detalhe é omitido aos jornalistas, arvorados em inquisidores dos novos tempos:

- O que Sócrates come, a sua saúde, a temperatura e condições higiénicas da cela, os exercícios físicos que pratica, os livros que lê, os estados de alma que revela a sua caligrafia, o aparelhos electrónicos que possui (televisão, etc), as visitas que recebe, a hora que se deita e a que se levanta, as vezes que vai à casa de banho, se toma banho com água quente ou fria, os sistemas de vigilância existentes, etc., etc. Nada escapa aos zelosos jornalistas-inquisidores !

O jornal Correio da Manhã, vai mais longe e afirma conhecer melhor o que se passa com os arguidos do "Processo Sócrates" do que os próprios serviços prisionais, a Polícia Judiciária ou o Juiz encarregue do caso.

 

 

A edição do Correio da Manhã do dia 8 de Dezembro de 2014 é um caso paradigmático da cumplicidade entre a imprensa e a "justiça". O jornal denuncia a falta de zelo dos carcereiros, e o laxismo dos responsáveis pelas prisões, o que poderá colocar em causa a acusação. Como obtém esta "informação"? Gratuitamente ou anda a corromper os guardas, inspectores e juízes ?

 

 

2. 3. Guardiões dos Inquisidores

 

Desde a criação da Inquisição em Portugal até à sua extinção, em 1821, foram muito poucos os católicos portugueses que denunciarem os crimes cometidos pelos inquisidores. A esmagadora maioria não apenas apoiava a ação da Inquisição, mas exigiu sempre maior severidade da mesma.

 

Os católicos portugueses não criticavam os excessos da Inquisição, os seus crimes e arbitrariedades. As suas criticas dirigiam-se contra a "falta" de relatos de prisões, torturas e escassez de autos de fé. Apelavam constantemente aos inquisidores para aumentarem o número de autos de fé, para não deixarem nenhum suspeito sem ser preso, expropriado dos seus bens, torturado e queimado vivo num espectáculo público.

 

Nos nossos dias, também jornais, revistas e canais de televisão em Portugal, criticam abertamente inspectores e juízes quando os mesmos não acusam pessoas à mais leve suspeita, ou quando os prendem não os humilham o suficiente. Sócrates e os seus alegados cúmplices, para o Correio da Manhã, por exemplo, ainda não foram humilhados em público ou mal tratados o suficiente pelo sistema prisional. Os responsáveis por esta falta de zelo punitivo, acusa os jornal, estão "feitos" com Sócrates e os seus comparsas...

 

O Correio da Manhã, sempre atento a tudo que acontece com Sócrates e os seus alegados cúmplices, denunciou o responsável pelos calabouços da Polícia Judiciária por estar a boicotar o processo.

 

2.4. Simbólica dos Processos e Condenações

 

A justiça em Portugal afirma-se simbolicamente herdeira da mais pura tradição inquisitorial, para a qual o rigor dos símbolos faziam parte integrante da própria punição.

 

O juiz e o inspector encarregue da investigação sobre o alegado crime de corrupção de Sócrates, manifestaram idêntico cuidado com os símbolos, ligando-o desde logo à Inquisição de Évora.

 

Processo do Marquês. Porque foi que a polícia deu o nome "Processo do Marquês" às investigações sobre Sócrates?

 

O nome "Processo do Marquês" remonta ao século XVIII. No início de dezembro de 1776, como escreveu Rui Tavares (Publico,1/12/2014 ) apareceu um cartaz junto à casa lisboeta do cardeal da Cunha, arcebispo de Évora, ex-inquisidor-mor, ex-presidente da Real Mesa Censória, um dos homens que mais cargos e benefícios receberam do governo do Marquês de Pombal. Nele se dizia que chegara a hora de mudanças políticas, que ocorram pouco depois. A 24 de Fevereiro de 1777 falecia o rei D. José. O ex-inquisidor fez questão de dizer ao poderoso Marques de Pombal que o seu "reinado terminara". Chegara a hora dos que haviam sido perseguidos tomarem o poder. O ex-ministro do Reino foi acusado de corrupção e enriquecimento às custas do tesouro público, sem esquecer todos os seus abusos de poder e repressões ferozes. Após ter sido publicamente humilhado, a rainha D. Maria I, atendo à elevada idade do Marquês de Pombal acabou por o libertar.

 

Ao escolherem este nome, os novos inquisidores quiseram desta forma associar Sócrates ao Marquês de Pombal, identificando-se eles próprios com o Intendente Geral da Polícia Pina Manique, o reinado da rainha D. Maria I e o despertar da Inquisição e as suas arbitrárias condenações. Entre muitos figuras que na época foram acusadas contam-se José Anastácio da Cunha (matemático) ou Flinto Elísio (poeta).  É esta memória de regresso ao passado inquisitorial que se pretende agora recuperar.

 

Braga. A equipa de inspectores da autoridade tributária que vigiou os suspeitos e ouviu as escutas era de Braga. Não se trata de uma mero capricho, mas de mais uma escolha se reveste de um enorme simbolismo. Foi a partir de Braga, que no dia 28 de maio de 1926, que o general Gomes da Costa, chefiando uma denominada "Junta de Salvação Pública", marchou sobre Lisboa para instaurar uma ditadura militar. Embora tivesse sido afastado do poder em Julho de 1927 e desterrado para os Açores, a ditadura essa perdurou até ao 25 de Abril de 1974. Em Portugal abundam saudosista dos tempos da ditadura.

 

Generosidade. O Correio da Manhã, porta-voz do juiz e do inspector encarregue do caso, afirmou que o que os levou a suspeitar que Sócrates era um corrupto foi a questão da generosidade.

 

Trata-se de uma questão central na filosofia de Sócrates, o ateniense. O generoso está entre o devasso ( perdulário, dissipador) e o egoísta (ferreta, unhas de fome, etc). Acontece que o amigo de Sócrates, o ex-primeiro ministro foi segundo o inspector da polícia portuguesa muito generoso para com ele, nomeadamente emprestando-lhe uma casa em Paris. Dado que nenhum ser humano é suficientemente generoso para apoiar o seu amigo como terá feito o amigo de Sócrates, temos que concluir que ambos estão a mentir.

 

Moral da história: devemos desconfiar da generosidade alheia.  Hobbes tinha razão: os seres humanos são intrinsecamente maus, e sem uma ditadura que os ponha na ordem, matam-se entre si.

 

3. Diversão

Os espaços onde existiam as prisões do Santo Ofício, e sobretudo os seus Autos de Fé, eram locais privilegiados de diversão pública, convívio e negócio.

Os Autos de Fé eram espectáculos muito populares. Quando ocorriam, multidões anónimas, excitadas pelos padres, entravam numa verdadeira catarse colectiva, que se expressava através de injurias, agressões ou em cenas que procuravam ridicularizar as vítimas de  alegados crimes. O ambiente era de festa

Primeiros autos de fé em Portugal

O primeiro auto de fé português, ocorreu em Lisboa a 26 de Outubro de 1540. O segundo, contou já com a presença do rei (D. João III) que fez rasgados elogios.

"Neste auto tão elogiado pelo rei, a turba apinhou-se nas ruas, insultou os condenados atirando-lhes pedras na cara. Somente cordões de soldados impediram que o povo invadisse a praça. Enquanto os relatores liam as sentenças, prosseguiam sem cessar as manifestações de ódio contra os condenados. Quando um deles, já amarrado em seu poste, ousou fazer caretas e esgares interpretados como "irreverentes", teve a cremação saudada com urros, enquanto os rapazes e as mulheres da Ribeira a golpes de paus e ferros, conseguiram arrancar-lhe um olho. Todos contribuíram atirando pedras e pregos que lhe abriram a cabeça e rasgaram-lhe os lábios.

A diversão durou uma hora, ao cabo da qual a fé triunfou"., in, Luiz Nazário - Autos-de-Fé como espetáculos de massas. 2005.

A comunicação social, após Sócrates ter sido transferido para o estabelecimento prisional de Évora (24/11/2014), sob o pretexto de informar a opinião pública, procurou estimular no local um clima de festa e de celebração pela sua prisão. 

"Reportagens em directo" transmitiram para todo o país bandos de jovens excitados celebrando a captura do "monstro". Dando ao ato uma dimensão sagrada, o canal de televisão SIC classificou os ajuntamentos de "romaria". A verdade é que a maioria dos eborenses fazia questão de registar o ato e aparecerem na televisão como testemunhas do acontecimento.  Francisco Rici fez o mesmo na matança de portugueses em 1680, na Praça Maior de Madrid. O desfile dos condenados e a diversão público, está lá tudo registado.

Numa cena semelhante às que ocorriam nos autos de fé ou nos anos trinta do século XX na Alemanha, quando  grupos de jovens insultavam os judeus por diversão, os jovens de Évora divertem-se às portas de um estabelecimento prisional em divertidas cenas, indiferentes ao que está em causa.

Imagens como estas tem percorrido o mundo, ilustrando a completa ausência de consciência cívica de muitos jovens portugueses para os quais tudo se torna motivo de diversão. Nem sequer se apercebem do significado político e moral dos seus gestos, fazem-nos apenas por um impulso mimético.

Seguindo um longa tradição de humilhar todos aqueles que serem indiciados de terem cometido um crime, os jovens eborenses dando largas à sua imaginação fabricam bonecos com a figura de Sócrates para o GOZO ser completo. Pratica muito frequente nos antigos pelourinhos, onde os presos eram amarrados, agredidos e insultados pela população. Ninguém quer ficar à margem deste divertimento.

O Correio da Manhã tem convocado para a porta da prisão de Évora uma vasta panóplia de imbecis. No dia 28/12/2014, trouxe para o local "Mestre Alves", o bruxo de Barcelos, que ali mesmo matou uma galinha preta, lançando uma praga a todos os que "traíram Sócrates". O CM garantiu que o bruxo foi contratado por amigos de Sócrates. 

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"Melhor Prenda de Natal. Porreiro Pá"

"Não quero o Sócrates como Vizinho"

Os grandes Autos de Fé, como o que ocorreu em Madrid, em 1680, onde foram sentenciadas 108 pessoas, a maioria das quais portuguesas, eram grandes acontecimentos públicos que requeriam uma decoração própria. O que tem acontecido em Évora não é um caso único, mas a regra. Á falta de uma decoração feita por iniciativa oficial, os moradores locais por sua iniciativa não deixaram também de decorar o local com cartazes e outros elementos evocativos à prisão de Sócrates.

Cartazes colocados nas varandas fronteiras à prisão são alvo de longos comentários jocosos, nada que os regimes fascistas em todo o mundo não o tenho feito com os seus presos. O "inimigo" deve ser sempre ridicularizado, é uma das ideias milenares da propaganda.

O espectáculo montando à porta da prisão de Évora, não deixou de contar com a presença lucida de um "general palhaço", que veio dizer que tantos palhaços ali andavam a encontrar-se para se rirem de um homem que é indiciado, mas que ainda  não foi acusado em tribunal de nenhum crime. O "Correio da Manhã" (11/12/2014) noticiou a presença do palhaço, mas não o que ele disse.

Bruxaria na cadeia de Évora Serviço foi encomendado por uma pessoa próxima de José Sócrates, garante o 'bruxo' de Barcelos. Mestre Alves, o 'bruxo' de Barcelos, esteve este domingo à porta do Estabelecimento Prisional de Évora. Falou com os jornalistas e, de seguida, matou uma galinha preta junto à cadeia. Deixou também um papel, no qual estava escrito: "As pessoas que traíram José Sócrates sofrerão as consequências". Segundo o próprio Mestre Alves, este serviço foi encomendado por uma pessoa próxima do antigo governante.

Ler mais em: http://www.cmjornal.xl.pt/nacional/portugal/detalhe/bruxaria_na_cadeia_de_evora.html
 
Mestre Alves, o 'bruxo' de Barcelos, esteve este domingo à porta do Estabelecimento Prisional de Évora. Falou com os jornalistas e, de seguida, matou uma galinha preta junto à cadeia. Deixou também um papel, no qual estava escrito: "As pessoas que traíram José Sócrates sofrerão as consequências".

Ler mais em: http://www.cmjornal.xl.pt/nacional/portugal/detalhe/bruxaria_na_cadeia_de_evora.html
 
Mestre Alves, o 'bruxo' de Barcelos, esteve este domingo à porta do Estabelecimento Prisional de Évora. Falou com os jornalistas e, de seguida, matou uma galinha preta junto à cadeia

Ler mais em: http://www.cmjornal.xl.pt/nacional/portugal/detalhe/bruxaria_na_cadeia_de_evora.html
 

Repetem-se as cenas hilariantes como as que ocorriam entre os que assistiam aos antigos Autos de Fé na Praça do Giraldo: Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto foi visitar Sócrates à prisão de Évora .  Jornalista do Correio da Manhã: "Podemos perguntar-lhe quem veio ver?". Pinto de Costa: "Olhe, venho ver se está aí alguém da sua família".(Expresso,16/12/2014).

Instrumentalização Política de Crianças

 

 

Estimulados por jornais Como o Correio da Manhã e o canal de Televisão TVI à porta da Prisão de Évora sucedem-se as cenas mais inacreditáveis, num estado de direito.

No dia 21/12/2014, um grupo de treinadores e dirigentes do Clube Desportivo Juventude S. Pedro de Barcelos levou um grupo de jovens, incluindo uma criança para se fazerem fotografar junto da prisão e dessa forma aparecerem na comunicação social. Os jovens foram desta forma instrumentalizados por quem os deveria defender.

Os responsáveis por esta ação violaram de forma grosseira o direito das crianças e dos adolescentes ao respeito pela sua inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Ao envolverem crianças e adolescentes em atos vexatórios contra pessoas indiciadas, presas preventivamente sem sequer terem sido a acusadas, os responsáveis do clube desportivo Barcelos estão a atentar contra a dignidade daqueles que deviam proteger.

As crianças e jovens foram desta forma incentivadas a desrespeitarem publicamente instituições e um direito fundamental de um estado de direito: o direito à presunção da sua inocência.

Este direito não só está consagrado no direito português, mas também da União Europeia e está inscrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, no seu artigo XI, 1, dispõe: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.

Face a esta situação, o mínimo que se poderia esperar nos responsáveis máximo do Estado português, incluindo o Ministro da Educação era a condenação destas cenas bárbaras.

Fizeram-no sem antes terem pedido autorização aos pais, e eventualmente sem terem medido as consequências do aproveitamento político que estas imagens poderiam ter. Imbecis ou estúpidos?

 

Imbecis ? Estúpidos?

A diversão dos jovens de Évora às portas de uma prisão, onde se encontra preso preventivamente um ex-primeiro de Portugal tem sido objecto de inúmeros comentários. Qual o perfil psicológico destes jovens?

Imbecis (3). A maioria dos comentadores afirma que se tratam de jovens imbecilizados, sem qualquer consciência política, como a que revelaram os grupos de extrema-direita em Lisboa (fanatismo ideológico. Fazem aquilo que os induzem a fazer, não pensam.

Produtos de uma sociedade sem valores. Um grupo alargado de comentadores, afirma que se tratam típicos produtos de uma sociedade de consumo de massas: jovens para os quais o único critério que avaliam todas as coisas e os movem a agir é o da diversão que podem ter. Pouco importa o que esteja em causa.    

O filósofo Giancarlo Livraghi, teria seguramente interpretado estes comportamentos como manifestações de pura estupidez, que considerou a fonte principal das grandes tragédias humanas. Estupidez que Carlos Maria Cippola (1922-2000), com rara argúcia definiu as 5 leis fundamentais, e o levou a tipificar o estúpido como aquele que causa mal aos outros, prejudicando-se a si mesmo (" Allegro ma non troppo”,1988). O que se tem passado à porta da prisão de Évora tem oferecido excelente material de estudo a todos os que se dedicam à imprescindível ciência da estupidologia em Portugal.

A utilização de crianças nestas fotografias, como a que aparece na selfies do Clube Desportivo Juventude S. Pedro de Barcelos, mostra claramente que as mesmas já começaram a ser instrumentalizadas para objectivos políticos. Na página do Facebook deste clube desportivo, os comentários que acompanham a foto, mostram claramente que os adultos que acompanharam instrumentalizaram os jovens pretendiam humilhar José Sócrates. O plano agora é não apenas do foro da estupidez, mas também da criminalidade.

 

4. Negócios

O Tribunal do Santo Oficio estava longe de se limitar a julgar apenas matéria de crenças religiosas. Um dos seus aspectos mais relevantes era o negócio que os saques dos bens da vítimas lhe rendiam, assim como  os negócios que lhes estavam associados, nomeadamente nos Autos de Fé.

Os comerciantes de Évora, junto ao estabelecimento prisional, manifestaram à comunicação social que o negócio estava florescente. Formularam, como os seus conterrâneos no passado o fizeram à Inquisição, o desejo de que o "homem" que estava ali preso permanecesse o máximo de tempo possível, tendo em vista a rentabilidade da sua presença.

As televisões assentaram arraiais nos estabelecimentos locais, procurando medir o valor da faturação. Um possível indicar para medir empiricamente as suas audiências. A única coisa que verdadeiramente lhes parece importar.

As televisões e os jornais dão conta que famílias inteiras, à semelhança dos antigos Auto de Fé que ocorriam na Praça do Giraldo, ocorrem hoje às portas do estabelecimento prisional para a assistirem ao espectáculo.

Alguns comerciantes mais engenhosos já criaram jogos sobre a corrupção em Portugal, aproveitando o local para promoverem os seus produtos.

5.1. Natureza Corrompida

Cada coisa tem a sua natureza, mas quando a mesma se começa corromper (degradar), começa a gerar-se outra coisa, distinta da anterior. A mudança começa por ser imperceptível, até que que da corrupção nada restar do que antes fora. Os inquisidores formados na Universidade de Évora, dominavam estes conceitos aristotélicos, amplamente desenvolvidos na "Física" e em  "Geração e Corrupção".

A missão sagrada do "Santo Ofício", consistia justamente em identificar os sinais da corrupção, em especial os vicios, comportamentos e pensamentos desviantes, evitando que neste processo de degradação num ser humano se pudesse gerar um ser inumano. A condenação à morte dos acusados era a última medida que restava aos inquisidores para evitar a sua completa degradação.  

Neste sentido, é de louvar o trabalho da comunicação social em Portugal, que de forma sistemática desde 2004, tem feito um santo trabalho inquisitorial, identificando os sinais de degradação na natureza (ainda humana?) de José Sócrates.

A sentença do Supremo Tribunal de Justiça, no dia 3/12/2014, veio confirmar aquilo que a imprensa há anos vinha dizendo, ele não é apenas um ser corrompido, mas também corruptor. Procurou de formas ainda desconhecidas alterar a natureza de outros seres humanos, corrompendo-os.

 

5.2. Natureza maligna

Os inquisidores de Évora, como os outros pelo país, não se contentavam com condenar a vítima, nem sequer a rebaixar em público, havia que mostrar publicamente que a mesma é má por natureza, e fazê-la assumir em publico esta culpa.

A seguir a Sócrates ser preso, o atual primeiro ministro Passos Coelho (PSD) veio logo a público afirmar que a sua natureza era distinta do seu antecessor. "Os políticos não são iguais". O combate, afirmou depois, agora é exterminar a corrupção dos que são da natureza do Sócrates.

Na Região Autónoma da Madeira, onde Alberto João Jardim (PSD)  sempre primou pela transparência dos seus governos, esclareceu melhor o seu pensamento: Ele e os seus ministros e secretários de estado tem uma qualidade que os distinguem de Sócrates e dos seus governos: “Os membros do Governo não têm preferências, não são amigos de A ou B e não precisam de favores de C para financiar isto ou aquilo a título de empréstimo ou de avanço” (Congresso do PSD-Madeira, 10/1/2015).

Sócrates, segundo Passos Coelho, distingue-se de todos outros políticos por que tem preferências (escolhe), tem amigos (não é isento) e vive de empréstimos ou de avanços (aceita luvas). O problema de Sócrates é ontológico: é corrupto por natureza.

Esta era a razão porque o cristãos-novos tinham que ser exterminados, estava inscrita na sua natureza o mal. Hitler seguiu o mesmo raciocínio em relação aos judeus e a todos os que se lhe opunham.

O Correio da Manhã, no dia1/12/2014, que na "prisão de Sócrates" desde que o mesmo entrou nela começaram os desacatos. A sua natureza maligna contaminou o estabelecimento prisional. Duas forças policias, a Polícia Judiciária e a Policia de Segurança Pública andaram à pancada " (2/12/2014). A prisão deixou de ser do Estado e passou a ser dele.

A malignidade intrínseca de Sócrates, segundo relatou o Correio da Manhã, provocou um sobressalto em Évora, e muitos foram para junto da prisão manifestarem a sua indignação por ali o terem colocado. A sua maldade é contagiosa. Os assassinos que estão nesta prisão não os incomoda, Sócrates sim. 

A maldade intrínseca de Sócrates levou-o a rodear-se de uma corte de corruptos, vigaristas e drogados.

5.2. Animal Feroz

A existência de sangue impuro era o principal argumento usado pela Inquisição para afirmar que os cristãos-novos só na aparência eram humanos, estavam machados, corrompidos pela impureza. Nesse sentido, nunca poderiam ser salvos.

No caso de Sócrates, a imprensa de extrema direita retirou-lhe a própria condição de ser humano: Sócrates é um "animal feroz", o seu lugar é numa jaula (revista Focus, 2004).

É interessante reparar que esta classificação zoológica acabou por ser usada por toda a comunicação social, nomeadamente pelos seus comentadores tanto de esquerda como de direita. A matriz do discurso inquisitorial, como veremos, regressou em força a Portugal.

"O Diabo", um pasquim de extrema-direita foi um dos jornais que ajudou a popularizar o qualificativo de "animal feroz".

O espanhol ABC, entre outro, fez eco da condição de "animal feroz" do ex-primeiro-ministro de Portugal. 

Face à perigosidade do "animal", depois da sua prisão em Évora, os serviços prisionais entenderam que o mesmo devia ter uma guarda própria, não  apenas para o defender de si próprio, mas também da ferocidade das outras feras que estão enjauladas e que já estão a ser contagiadas com a sua presença.

6.  Pecado Original

Tertuliano  (c. 160-c. 225), mostrou como a beleza era marca do pecado original. Foi por essa razão, explicava, que o vestuário foi criado para a ocultar. Os inquisidores do Santo Ofício sempre mostraram uma especial fúria persecutória com os belos corpos, dados os instintos libidinosos que provocavam, caminho certo para a perdição. O melhor era o seu extermínio, e a exaltação dos feios, os humildes que se vestiam de roupas andrajosas.

Nada disto passou percebido à imprensa portuguesa que descobriu que Sócrates foi convidado em Paris ( a cidade da moda e da perdição), para ser modelo. Um fato que é só por si uma revelação, das muitas que a comunicação descobre sobre Sócrates, e que explica muito do ódio patológico que desperta numa parte da população, sobretudo masculina.

A revista "Nova Gente" revelou que Sócrates antes de ser preso, não só vivia em Paris uma vida de luxuria (pecado mortal), mas também foi convidado para modelo. A "beleza" que os costureiros franceses viram nele ameaçava tornar-se um problema para os mostrengos em Portugal, se não o conseguissem prender. As "suas" mulheres só assim podiam ficar a salvo.

7. Vícios

O primeiro Livro das Denúncias da Inquisição em Portugal começou a ser escrito na cidade de Évora, em 1536. Toda a população portuguesa foi convidada a denunciar alguém. O livro como sabemos foi depois, em 1537m continuado a escrever em Lisboa. Calcula-se que mais de 40.000 pessoas tenham sido denunciadas à Inquisição entre 1536 e 1821, criando entre os portugueses uma propensão para acusarem alguém. Entre os principais crimes que os inquisidores farejavam contavam os vícios.

É verdadeiramente fascinante registar a enorme quantidade de vícios que dominam completamente a ação de Sócrates.

a) Vício da Luxuria

Viveu sempre acima dos seus rendimentos. Este é o maior dos seus vícios, mas também aquele como mostrou Adolf Hitler, aquele que mais eficaz na propaganda, porque desperta nas "massas" sentimentos de inveja e ódio.

 

A revista Focus, a 15/9/2004, durante a campanha eleitoral devassou  vida privada de Sócrates procurando fazer passar a ideia que era um "animal feroz" dominado por velhos vícios, só sustentáveis pela corrupção. 

Santana Lopes, candidato da direita, na televisão procurou transformar as insinuações da revista em factos.

b) Vícios Carnais

Durante a campanha eleitoral de 2005, a imprensa de direita sustentou que Sócrates, qual Alcibíades, entregava-se aos prazeres da carne com o ator Diogo Infante. Santana Lopes, o candidato da direita, cavalgou neste tema da homossexualidade. A questão volta a ser evocada quando a imprensa refere que o "animal feroz" foi colocado na prisão de Évora na "ala feminina". A prisão é apenas para homens.

c) Explorador de Mulheres

Sócrates não é apenas apontado como "belo", dominado pela luxuria e vícios carnais, mas também explorador de mulheres. Explorou a mãe, a ex-mulher e a atual namorada.

D) Outros Vícios

Na vasta colecção de vícios que dominam Sócrates a imprensa aponta, entre outros, a droga e ser benfiquista. Aa melhor prova do seu último vicio está no fato, de na sua vida devassidão, não conseguir largar o seu clube, desfazendo-se das acções do mesmo (revista VIP).

8. Humilhação Pública

A humilhação pública era o rituais por excelência da Inquisição. Antes de ser justiçado, o preso devia de expiar a sua culpa em pública, submeter-se às injúrias, escárnio da assistência do espectáculo que era montado.

A justiça em Portugal, entre a chegada de Sócrates ao aeroporto de Lisboa, quando foi detido, e a sua ida para Évora montou um espectáculo permanente de humilhação pública.

Membros do movimento de extrema direita, informados da prisão de Sócrates, festejaram de forma efusiva a sua condenação pública, com o mesmo entusiasmo que antes o faziam os que assistiam aos autos de fé.

As acções contra Sócrates de Mário Machado (MM), o seu lider histórico do PNR, são largamente publicitadas nos jornais Sol, Correio da Manhã e "I", os mesmos que fazem uma campanha sistemática contra o ex-primeiro-ministro.

MM tem sido sucessivamente preso por participação em assassinatos, roubos, sequestro, ofensas corporais graves, etc.

 

Auto de Fé de 1680. Pormenor do célebre quadro de Francisco Rici, no Museu do Prado. A humilhação pública dos condenados, a maioria dos quais eram portugueses, era motivo de diversão.

Auto de em Lisboa. Em Évora, os auto de fé, eram realizados na Praça do Giraldo, onde o Conselho das Cousas de Fé tinha a sua sede.

A humilhação pública não é uma prática que só os portugueses se possam orgulhar de terem no país. Évora, património da humanidade, tem infelizmente por todo o mundo muitos outros exemplos semelhantes, embora numa escala  superior, mas com idêntica finalidade.

Os eborenses se quiserem continuar com estas práticas basta apenas pesquisarem nos arquivos do Santo Oficio de Évora, onde podem encontrar um vasto leque de opções de humilhação de pessoas condenadas por simples denúncias de vizinhos ou familiares.

A forma como os jovens de Évora participam nestes manifestações de humilhação pública, sem o mínimo sentido crítico, levanta o problema da interiorização e habituação às mesma no seio das escolas. As praxes humilhantes a que são submetidos milhares de estudantes portugueses predispõem-nos a encararem como normal que um ser humano possa ser destituído em público da sua dignidade.

Jovens universitários portugueses expondo-se publicamente a atos de humilhação. O "humilhado, como diria Wilhelm Reich, manifesta nestes comportamentos o orgulho na sua condição de ser inferior". cfr. Wilhelm Reich -"Escuta, Zé Ninguém" (http://www.culturabrasil.org/zip/zeninguem.pdf )

 O Tribunal da Relação de Évora, recorde-se que em 2008, confirmou a condenação de seis jovens acusados de co-autoria de um crime de ofensas à integridade física qualificada e um outro de coacção. Em causa está uma praxe na Escola Agrária de Santarém. Uma das jovens foi "barrada" com excrementos de porco na face, pescoço, peito e cabelos, e obrigada a fazer o pino sobre um bacio cheio de bosta.

A humilhação pública continua na moda na China. O Estado Islâmico transformou-a numa arma de combate contra os países democráticos ocidentais, contaminados por falsas religiões e os direitos humanos. A barbárie parece estar de volta.

A cenas de humilhação pública constituem uma longa tradição chinesa. Na imagem podemos ver policias desfilando pela rua com mulheres suspeitas de prostituição (Novembro de 2006, Guangdong, China).

A prática da humilhação dos presos políticos é corrente em todas as ditaduras, aconteceu assim, por exemplo, na Alemanha durante o nazismo,  na antiga União Soviética ou na ditadura em Portugal entre 1926 e 1974.

Durante o regime nazi não foram apenas os judeus os exterminados e humilhados, os prisioneiros do Partido Social Democrata (SPD) foram forçados a segurar um cartaz que onde se podia ler: "Eu sou uma pessoa consciente, chefe de partido/SPD/chefe de partido." Campo de concentração de Dachau, Alemanha, entre 1933 e 1936.

9. Manuel dos Inquisidores

Quando NICOLÁS EYMERICH, escreveu em 1358, o MANUAL DOS INQUISIDORES, estava longe imaginar que as suas recomendações seriam não apenas seguidas pelo Santo Oficio em Portugal entre 1536 e 1821, mas continuaram aqui a ser praticadas quase dois séculos depois da inquisição ter sido extinta.

A cultura inquisitorial está profundamente entranhada cultura portuguesa, para este facto a Universidade de Évora deu um decisivo contributo ao formar gerações e gerações de inquisidores.

Segundo a doutrina de Nicolás Eymerich sobre o acusado deve partir-se do principio que o mesmo é culpado, alguma coisa o mesmo deve ter feito para ser a denunciado ao Santo Ofício.

Entre os que se oferecem para testemunhar devem apenas ser aceites aquelas sobre as quais haja também alguma suspeita, pois temorosos das suas vidas não se irão arriscar a defender aqueles cuja vida e bens já pouco valem.

As melhores testemunhas são os  hereges que estiverem contra o acusado, nunca a favor, só desta forma se poderá saber a extensão da culpa do acusado.

O testemunho dos que defendem o culpado de pouco vale, pois é seguro que tentarão ocultar a sua culpa.

Quem deve ser torturado? -O acusado que forneça diferentes respostas acerca das circunstâncias, negando o facto principal. Defender-se é já a prova de culpa. Devem ser torturados também os que tenha fama de hereges e contem com pelo menos uma testemunha contra si.

10. Testemunhos

Ao longo dos séculos muitos foram os que denunciarem as atrocidades da Inquisição em Portugal, pagando frequentemente com a própria vida.

10.1. Denúncias Anónimas

A sociedade portuguesa está dividida quando ao modo como se faz aqui justiça, usando processos  próprios da inquisição. Uns aplaudem, como aplaudiam os romanos no circo os gladiadores que se mantavam na arena, outros manifestam-se indignados como a humilhação pública que se alimentam jornais como o Correio da Manhã. As caixas do correio enchem-se de cartas, como a que a seguir se reproduz, revelando a doença bipolar em que tudo isto está a descambar. 


 
"Justiça e vingança (1)
 

A detenção do antigo primeiro-ministro José Sócrates levanta questões de ordem política, de ordem jurídica e de cidadania. Mais do que a politização da justiça, ela alerta-nos para a judicialização da política que está em curso no nosso país.

José Sócrates acabou, enquanto primeiro-ministro, com alguns dos mais chocantes privilégios que havia na sociedade portuguesa, sobretudo na política e na justiça. Isso valeu-lhe ódios de morte. Foi ele quem, por exemplo, impediu o atual Presidente da República de acumular as pensões de reforma com o vencimento de presidente.

A raiva com que alguns dirigentes sindicais dos juízes e dos procuradores se referiam ao primeiro-ministro José Sócrates evidenciava uma coisa: a de que, se um dia, ele caísse nas malhas da justiça iria pagar caro as suas audácias. Por isso, tenho muitas dúvidas de que o antigo primeiro-ministro esteja a ser alvo de um tratamento proporcional e adequado aos fins constitucionais da justiça num estado civilizado.

É mesmo necessário deter um cidadão, fora de flagrante delito e sem haver perigo de fuga, para ser interrogado sobre os indícios dos crimes económicos de que é suspeito? É mesmo necessário que ele, depois de detido, esteja um, dois, três ou mais dias a aguardar a realização desse interrogatório?

Dir-me-ão que é assim que todos os cidadãos são tratados pela justiça. Porém, mesmo que fosse verdade, isso só ampliava o número de vítimas da humilhação. Mas não é verdade. Há, em Portugal, cidadãos que nunca poderão ser humilhados pela justiça como está a ser José Sócrates: os magistrados. Desde logo porque juízes e procuradores nunca podem ser detidos fora de flagrante delito.

Em Portugal, poucos, como eu, têm denunciado a corrupção. Mas, até por isso, pergunto: seria assim tão escandaloso que um antigo primeiro-ministro de Portugal tivesse garantias iguais às de um juiz ou de um procurador? Ou será que estes, sim, pertencem a uma casta de privilegiados acima das leis que implacavelmente aplicam aos outros cidadãos?

A justiça não é vingança e a vingança não é justiça. Acredito que um dia, em Portugal, a justiça penal irá ser administrada sem deixar quaisquer margens para essa terrível suspeita. 

Carlos Alexandre - Está há vários anos no Tribunal Central de Instrução Criminal e por lá ficará o tempo que quiser, pois os juízes são inamovíveis. Tempos houve em que um juiz não podia permanecer num tribunal mais do que seis anos (era a regra do sexénio) e, por isso, recebia um subsídio para a habitação. Porém, desses tempos, só resta, hoje, o dito subsídio, bem superior, aliás, ao salário mínimo nacional e totalmente isento de impostos.

Duarte Marques - Este deputado do PSD veio manifestar publicamente júbilo pela detenção e humilhação pública de Sócrates, com o célebre ‘aleluia’. Era evitável a primária manifestação de ódio quando até a ministra da Justiça nos poupou ao habitual oportunismo político. Talvez mais cedo do que tarde se cumpra a sentença de Ezequiel: "Os humildes serão exaltados, e os exaltados serão humilhados.

António Marinho e Pinto. 24-11-14 "

 

10.2. Vítimas

Apesar da repressão inquisitorial em Portugal, muitos foram os que nos deixaram testemunhos do modo de agir do sistema que a Igreja Católica e o Estado português montaram para amordaçar os "hereges" e os "corrompidos".

"Prende-se para melhor se investigar. Prende-se para humilhar, para vergar. Prende-se para extorquir, sabe-se lá que informação. Prende-se para limitar a defesa: sim, porque esta pode "perturbar o inquérito". Mas prende-se, principalmente, para despersonalizar. Não, já não és um cidadão face às instituições; és um "recluso" que enfrenta as "autoridades": a tua palavra já não vale o mesmo que a nossa. Mais que tudo - prende-se para calar. E - suprema perfídia - invoca-se, para assim proceder, as regras do Direito, a legitimidade da democracia. "As instituições estão a funcionar."

E do segredo de justiça. Prende-se, também, de uma outra forma - na prisão da opinião pública. Sim, há o segredo de justiça, mas esse só a defesa está obrigada a cumpri-lo. Nem precisam de falar - os jornalistas (alguns) fazem o trabalho para eles. Toma lá informação, paga-me com elogios. Dizem-lhes o que é crime conhecerem, eles compensam-nos com encómios: magnífico juiz; prestigiado procurador; polícia dedicado e competente. Lado oculto e podre, é certo. Mas há quanto tempo o conhecemos? Há quanto tempo sabemos que a impunidade de quem comete esses crimes está sustentada na intimidação e na cumplicidade? Sim, na intimidação, desde logo.

O recalcitrante sabe que arrisca uma campanha negativa na imprensa, senão mesmo uma investigação. E sabemos como pesa a simples notícia de que se está sob investigação. Mas, também, a cumplicidade. Digamo-lo sem rodeios: o "sistema" vive da cobardia dos políticos, da cumplicidade de alguns jornalistas; do cinismo das faculdades e dos professores de Direito e do desprezo que as pessoas decentes têm por tudo isto. De resto, basta-lhes dizer: "Deixem a justiça funcionar." Sim, não se metam nisto. É verdade que, há muito, alguns desafiam o sistema e dizem abertamente que a justiça foi ultrapassada. Bem o vemos. Mas, e se foi ultrapassada por aqueles a quem confiamos a nossa liberdade? Sim - pergunta clássica - quem nos guarda dos guardas? Silêncio. "As instituições estão a funcionar.", José Sócrates, carta publicada no Diário de Noticias, 4/12/2014

Em Construção !

Carlos Fontes

   
   

Notas:

(1) Esta mensagem foi precedida de uma outra:

" Reenvio conforme recebi. Cada um que tire as suas ilações.

Juiz Carlos Alexandre, o obreiro Vendido

Quem é Carlos Alexandre?
É o juiz que ilibou o CDS no caso dos sobreiros.
É o juiz que ilibou Oliveira e Costa e os outros amigos de Cavaco no caso BPN e que não investigou nem levou a julgamento os responsáveis do mesmo.
Foi ainda Juiz vendido de nome Carlos Alexandre, quem interrogou Salgado, notificando-o na sua casa, deixando-o depois sair sob caução, e que ainda não prendeu, nem vai prender, ninguém do BES.
Tudo o que investiga sai, como que por magia, no Sol, no Correio da Manhã e na TVI, todos com ligações a Felícia Cabrita, que consegue sempre a primazia das informações e a quem não investiga por indícios de fuga ao segredo de justiça.
Isto não é Jornalismo. É Prostituição!
Juiz de coragem, como muitos lhe chamam?
Este "Juiz" com a detenção de José Sócrates, acabou de garantir a sua grande "reforma Vitalícia"!
Tirem as vossas ilações."

 

(2) Bibliografia básica sobre a Inquisição de Évora:

 

- Coelho, António Borges - Inquisição de Évora, 2 volumes, Lisboa, Ed. Caminho, 1987

- Coelho, António Borges - Clérigos, Mercadores, Judeus e Fidalgos, Lisboa, Ed. Caminho, 1994

- Tailland, Michèle Janin-Thivos - Inquisicion et Societé au Portugal. Les Cas du Tribunal d`Évora, 1660-1821. Centro Calouste Gulbenkian. Paris. 2001

- Lopes, Bruno - Família e Transmissão de cargos no Santo Ofício: o meirinho de Évora...

- Crespo, Hugo Miguel - André de Resende na Inquisição de Évora e a Apologética Antijudaica: ciência teológica, doutrina e castigo (1541)...

- Espanca, Túlio - “A Inquisição em Évora”, in A Cidade de Évora, n.º 47. Évora: Câmara Municipal de Évora, 1964

- Cosme, João dos Santos Ramalho - A Vila de Mourão na Inquisição de Évora (1552-1785)....

 

(3)" imbecil é uma pessoa que precisa de alguém em quem se apoiar, alguém que possa usar como muleta, que possa te auto afirmar e isto é algo muito pessoal e feito por cada um à sua maneira. Logo, acredito que podemos pensar na existência de vários tipos de imbecis e até na 'imbecilidade personalizada' - aquela, com um toque pessoal que lhe agrada"., Fernando Savater - Ética para um Jovem.  

 

Jorge Bucay, em “Quando me conheci” (Editora Sextante,2011), definiu três tipos de imbecis:

 

 a) imbecil intelectual – É aquele que acredita não ser capaz, duvida de seus conhecimentos e até mesmo da própria inteligência. Vive perguntando aos colegas de trabalho: “Como sou? O que devo fazer? Para onde devo ir? O que você faria em meu lugar?”;

 

 b) imbecil afetivo – São aquelas pessoas que precisam a todo o momento serem amadas na empresa, querem que alguém lhes diga o tempo todo que é querida, adorada e o quanto são bons naquilo que fazem.";

 

c) imbecil moral – O imbecil moral é aquele que precisa do outro para lhe dizer se está agindo de modo certo ou não. É alguém que precisa que lhe digam o que fazer, como agir e como se comportar; Espelha-se demais no comportamento alheio e acaba virando uma caricatura piorada de si mesmo. Normalmente gruda em alguém para ser o seu guru e se a vítima do imbecil moral não perceber a tempo, pode estar tomando para si um grande problema. Meu conselho, neste caso: se encontrar um imbecil moral à sua frente, fuja, pois no primeiro ato de frustração sua indignação volta-se justamente contra a pessoa que lhe deu a opinião.", síntese de Gisele Meter -Que tipo de imbecil é você?

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