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Etnias de Portugal: O caso dos ciganos

Originários da Indía, os primeiros ciganos terão começado a entrar na Europa por volta do século XII. As primeiras notícias da sua presença em Portugal datam da segunda metade do século XV.  

Algumas dezenas de anos depois de se instalarem em Portugal, já os ciganos estavam identificados com a imagem negativa que irá perdurar até aos nossos dias e que continuamente será evocada para os reprimir ou expulsar. A comunidade cigana resistiu a tudo e aqui permaneceu.

Hoje enfrenta um novo e decisivo desafio: a integração imposta em nome do progresso e dos direitos humanos.

 

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Gil Vicente, dedicou-lhes uma peça de teatro - Farsa de Ciganos - representada em Évora, em 1521 ou 1525. Nesta altura, os ciganos são já identificados como comunidade de gente nómada que se dedica a roubar num sítio aquilo que vão vender no outro. Dominam o comércio das cavalgaduras, em especial aquelas que se encontram doentes fazendo-as passar por animais de boa saúde. Celebrizaram-se também por se dedicaram às práticas de feitiçaria, quiromância e cartomância.  

Percorrem o país em bandos (quadrilhas) a que se juntam não raro, outros foragidos às malhas da Lei. 

Evocando tudo isto, D. João III, pelo Alvará de 13 de Março de 1526, proibiu-os de entraram em Portugal, ordenando a expulsão de todos os que aqui viviam. Ao longo dos séculos são inúmeras as leis promulgadas com idêntica finalidade. Sempre mais severas, mas sempre inúteis. Uma das últimas, foi a de D. João V, em 10 de Dezembro de 1718. 

A partir do século XIX, o Estado deixou de colocar a questão da expulsão dos ciganos, passando a considerá-los cidadãos portugueses, embora soubesse que estes se auto-excluem de prestar qualquer serviço à comunidade, nem se manifestam dispostos a aceitarem as suas leis. 

No reinado de D. Maria I chegou a ser recomendado que as crianças fossem retiradas aos pais, de forma a possibilitar a sua integração social. Uma medida que nunca foi aplicada. Os regulamentos policiais ao longo dos tempos continuam a recomendar uma vigilância mais atenta para os membros desta comunidade, um facto que evidencia a sua resistência a uma efectiva integração social.

 

Últimas Décadas

O modo de vida dos ciganos pouco se alterou, enquanto Portugal permaneceu um país essencialmente rural. Os ciganos continuaram a ser nómadas, dedicando-se ao comércio ambulante. 

O abandono dos campos e a concentração da população portuguesa nas cidades, acabou por forçar os ciganos a sedentarizarem-se, tendo a maioria deles fixando-se nas periferias das cidades, onde continuaram a dedicaram-se à venda ambulante, nomeadamente de produtos contrafeitos. 

As tradicionais tendas foram substituídas por bairros de barracas. As carroças puxadas mulas foram substituídas por carrinhas. 

Apesar de tudo, os ciganos continuaram a resistir a todo e qualquer processo de integração. As crianças, sobretudo as raparigas, continuaram a não frequentarem as escolas. A escola continua a ser vista como uma ameaça à própria sobrevivência das tradições e unidade da comunidade cigana.

Nos anos oitenta do século XX, um crescente número  de ciganos envolvem-se no comércio de droga. Famílias e famílias de ciganos e não ciganos são destruídas por este negócio que marcará esta comunidade. Este comércio acaba por reacender por todo o país as manifestações racistas tendo como alvo os ciganos. 

Mudança ?

Face ao eclodir de "milícias populares" para lincharem estas comunidades ciganas, em 1991, o governo português lança finalmente um vasto programa de apoio à sua integração social. 

1. Habitação. O realojamento destas comunidades em bairros construídos para o efeito, está  longe de ter contribuído para a sua efectiva integração. Por todo o país, nomeadamente em Lisboa, os maioritariamente habitados por ciganos estão transformados em locais de grande violência, assistindo-se à rápida degradação dos imóveis e vandalização dos equipamentos colectivos dos bairros. 

A maioria dos ciganos vive actualmente em bairros sociais, mas recusa-se a pagar as rendas (simbólicas), assim como a água, electricidade, etc. O que acaba por tornar a situação insustentável ao fim de alguns anos. Calcula-se que em 2008 ainda existam em Portugal cerca de 4.000 ciganos a viverem em barracas, em especial no Alentejo.

2. Subsídios. A instituição, em 1996, do "rendimento mínimo garantido" (actual RSI), foi uma das medidas governamentais de maior alcance para combater a pobreza, nomeadamente entre os ciganos. Em Agosto de 2008, mais de 35 mil ciganos recebiam este subsídio. Para além deste apoio prestado pelo Estado português, os ciganos recebem igualmente de outras instituições, como a Igreja Católica, inúmeros outros apoios, nomeadamente financeiros.

Estes subsídios não têm produzido qualquer mudança na pobreza declarada desta comunidade, pois a quase totalidade dos seus membros, por mais apoios que receba, continua a declarar-se ano após ano sem rendimentos, nem meios de subsistência próprios. 

3. Actividades. A maioria dos ciganos são feirantes, percorrendo as feiras com as suas carrinhas. Uma pequena minoria continua a dedicar-se à produção de cestos e recolha de sucata (interior da região Norte e na Região Centro), assim como à venda e criação de cavalos (Norte e Alentejo). 

A esmagadora maioria não paga impostos, não tem actividades declaradas, nem sequer possui carta de condução apesar de conduzirem carrinhas de mercadorias. Calcula-se que cerca de 4.200 ciganos continuem a ser nómadas, não tendo uma residência fixa  em Portugal. (Dados de 2008).   

4. Educação. O realojamento e os apoios financeiros permitiu que a partir da década de 90 do século XX, muitas crianças ciganas passassem a frequentar as escolas, uma exigência  para a atribuição do subsídio estatais às famílias. 

A verdade, é que pouco depois também se constatou que os resultados da sua escolarização continuavam a ser muito modestos, dado a elevada taxa de abandono escolar logo após a atribuição do subsídio. A taxa de analfabetismo nesta comunidade ronda os 80% (Dados de 2008).

No ano lectivo de 2003/2004 frequentavam o pré-escolar 1.011 crianças ciganas, o 1º. ciclo 7.216, e 5 estavam inscritos em cursos técnicos e 29 no ensino secundário. Apesar de todos os apoios estatais só se conhece o caso de uma única cigana licenciada (Expresso,26/7/2008).

5. Criminalidade. Apesar da multiplicidade de apoios recebidos pela comunidade cigana portuguesa,  continua a estar sobre-representada na população prisional. A percentagem de presos ciganos na população prisional é várias vezes superior à dos ciganos na população portuguesa.

No início do século XXI, assistiu-se à transformação dos bairros de realojamento, onde são maioritários, em verdadeiras bases de apoio para a actuação de bandos de criminosos (tráfico de armas e de droga, crime organizado, etc). Facto que contribui para afastar os restantes moradores não-ciganos, ou para a não instalação das mais diversas actividades económicas nestes bairros, potenciando desta forma a emergência  de verdadeiros guetos urbanos. 

Depois do envolvimento no tráfico de droga, membros desta etnia, a partir de 2001, surgem cada vez mais envolvidos:

a) Crime organizado. Actuam por todo o país em bandos armados, cujas acções criminosas (assaltos a pessoas, bancos, residências, igrejas, etc) têm sido caracterizadas por uma extrema violência. Em 2006 membros comunidade apareceram ligados a redes de tráfico de armas, cuja utilização está na mesma bastante generalizada segundo a comunicação social (Julho de 2008). 

b) Rapto, tráfico e escravatura de pessoas. Nos anos 90 do século XX surgiram os primeiros casos de raptos de pessoas destinados à escravatura. Em 1992, na Figueira da Foz, um cego é raptado é levado para o antigo Bairro do Bacelo, no Freixo (Porto), onde sob coacção é obrigado a pedir esmolas durante dez anos. O caso só foi a julgamento em Abril de 2008. Os casos mais chocantes tem ocorrido contudo no tráfico destinado a Espanha. Milhares de pessoas na sua esmagadora maioria portadores de deficiência, alcoolicos, sem-abrigo ou com graves perturbações mentais tem sido raptadas ou aliciadas em Portugal por grupos de ciganos, que depois as levam para explorações agrícolas espanholas onde são escravizadas.

Em Janeiro de 2004 foi julgado o primeiro caso em tribunais portugueses. No dia 25 de Abril de 2005, a polícia desmantelou uma rede constituída por mais de 3 dezenas de ciganos portugueses que se dedicava ao tráfico de pessoas, na sua maioria deficientes mentais que foram raptadas ou aliciados com promessas de trabalho em Espanha onde acabaram transformadas em escravos ao serviço de empresas espanholas (Região La Rioja, País Basco, etc). Estes grupos de ciganos tem actuado na mais completa impunidade e com a total cumplicidade da Polícia Espanhola ( consultar ). 

A discriminação positiva dos ciganos nos impostos, habitação, saúde, educação e outros bens sociais tem sido objecto de inúmeras críticas, na medida que socialmente injusta face aos restantes cidadãos.   

Números

Existem em Portugal cerca de 30 a 50 mil ciganos. O seu número varia bastante conforme as fontes. Num Inquérito feito em 2001, junto das Câmaras Municipais e de outras entidades pela SOSRacismo foi apenas apurado um total 21 831 indivíduos de etnia cigana. Segundo este estudo as comunidades ciganas estão sobretudo concentradas no litoral e nas zonas fronteiriças (Lisboa, distritos de Viana do Castelo, Castelo Branco, Coimbra e Évora).

 

Integração Social

É fácil de concluir que os resultados dos diversos planos de integração social da comunidade cigana tem sido um fracasso, tardando as resposta adequadas a este gravíssimo problema social. 

Não estamos perante nenhum grupo estrangeiro ou apátrida, mas de um numeroso grupo de cidadãos portugueses. Desde 1820 que todos os ciganos gozam da cidadania portuguesa. Os seus traços raciais primitivos há muito tempo que deixaram de existir, devido a múltiplos cruzamentos com a população local. 

Apesar disto, os problemas de integração persistem e assumem por vezes contornos preocupantes. O principal obstáculo para uma efectiva integração assenta numa persistente auto-exclusão destes cidadãos portugueses, alimentada por algumas ideias, tradições e modos de vida desfasados do tempo e das exigências cívicas do país. É neste terreno que tudo se joga. 

A tendência actual de criar em toda a Europa uma consciência transnacional dos ciganos. Em 1971 no 1º. Congresso Mundial Cigano, em Londres, foi aprovado o Dia Internacional dos Ciganos (8 de Abril), um hino e bandeira. 

Esta movimento se aparentemente permite dignificar estas comunidades e desenvolver a consciência de "identidade cigana", não deixa todavia de fomentar em cada país atitudes fraticidas e de ruptura social por parte dos seus membros. 

Na verdade, se os ciganos não se sentem cidadãos nacionais, estão também não podem reinvindicar os mesmos direitos que outros cidadãos.

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Cidadania e Tribalismo

Reflexão sobre as origens e a natureza da cultura cigana.

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Bairros "Ciganos"

Nas últimas décadas, a maioria dos ciganos sedentarizou-se em Portugal. Por todo o país, o Estado tem construído edifícios para os alojar. O panorama destes bairros habitados por ciganos é deprimente: a maior parte estão transformados em focos de criminalidade (apoio a bandos organizados, tráfico de droga, etc).

O que correu mal ?  

 

Carlos Fontes

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Países europeus com as maiores populações de origem cigana

(Existem cerca de 10 a 12 milhões de ciganos no continente Europeu, dados de 2004)

Roménia

entre 1,2 e 2,5 milhões
Bulgária cerca de 750 mil
Espanha entre 600 mil e 800 mil
Hungria entre 600 mil e 800 mil
Sérvia-Montenegro cerca de 450 mil
Eslováquia entre 350 mil e 500 mil
Turquia entre 300 mil e 500mil
França cerca de 310 mil
Macedónia cerca 240 mil
República Checaentre 150 mil e 300 mil
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Portugal entre 30 mil e 50 mil
 

Fonte:Publico,2/2/2004

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Breve Bibliografia sobre a Étnia Cigana

ALFARO, A. G. e outros- Ciganos e Degredos, Ed. Centre de Recherches Tsiganes e Secretariado Entreculturas, Lisboa, 1999;

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SOS Racismo - Ciganos – números, abordagens e realidades, Ed. SOS Racismo, Lisboa, Nov. 2001.

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