Carlos Fontes

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Anarquismo (literalmente "sem poder") 

Movimento político que defende uma organização social baseada em consensos e na cooperação de indivíduos livres e autónomos, abolindo entre eles todas as formas de poder. A Anarquia seria assim uma sociedade sem poder, dado que os indivíduos se auto-organizariam de tal forma que garantiriam que cada um teria em todas as circunstâncias a mesma capacidade de decisão. Esta sociedade, objecto de inúmeras configurações, apresenta-se como uma "Utopia" (algo sem tempo ou espaço determinado). É um ideal a atingir.

As origens do anarquismo entroncam directamente na concepção individualista dos direitos naturais defendida por John Locke. A sociedade para este filósofo inglês era o resultado de um contrato voluntário acordado entre indivíduos iguais em direito e em deveres. No entanto foi só a partir do final do século XVIII que o anarquismo se veio a estruturar como uma corrente política autónoma, com seguidores em toda a parte do mundo. Entre os seus teóricos contam-se pensadores tão diversos como William Godwin (1773-1836), P.J.Proudhon (1809-1865),  Bakunine (1814-1870), Kropotkine (1842-1921) ou o português Silva Mendes. 

A intervenção política dos anarquistas, pouco inclinados à constituição de grandes organizações, embora muito dispersa tem historicamente tem-se centrado na defesa de seis ideias fundamentais:

1. Direitos Naturais dos Indivíduos. Os anarquistas, como os liberais foram os primeiros retirar as profundas implicações políticas da ideia que todos os seres humanos possuem um conjunto de direitos naturais que não podem ser postos em causa por nenhum tipo de sociedade que exista ou venha a ser criada. Neste sentido são devedores de filósofos como John Locke, mas também de Jean Jacques-Rousseau no pressuposto da bondade natural do todo o ser humano.

Defendem a primazia do indivíduo face à sociedade, afirmando a dignidade, liberdade e identidade individual como valores inquestionáveis.

Embora reconheçam a importância da ligação dos individuos a uma dada cultura, etnia ou pátria a sua perspectiva é universalista recusando todo o tipo de discursos sobre a pseudo identidades de grupos maioritários ou de minorias que mais não visam do que subjugarem os seus membros retirando-lhe a capacidade de escolha (liberdade).

2. Acção Directa. Recusando por princípio o sistema de representação política, afirmam o valor da acção directa do indivíduo na realidade social, corporizando uma ética global de posicionamento social(1). Não esperes que outros façam por ti aquilo que sentes que deve ser abolido, corrigido, superado - Age. Este conceito foi interpretado no final do século XIX/princípios do século XX, por alguns anarquistas como uma forma de actuação política violenta contra figuras políticas que simbolizavam as relações de domínio de uns sobre outros que reprovavam ( a célebre propaganda por factos).

Este conceito está hoje associado a ações cívicas ou de cidadania global. Ações individuais ou colectivas em que os individuos não esperam pelos poderes públicos para agir em todas as áreas (espaços públicos, consumo, abusos do Estado, combate à exploração nas empresas, poluição, corrupção, etc).

3. Crítica dos Preconceitos. Uma das facetas mais conhecidas dos anarquistas é a crítica que fazem aos preconceitos sociais, ideológicos, religiosos ou morais. Pretendem destruir todas as condicionantes mentais que possam impedir o indivíduo de ser livre e de se assumir como tal. 

4. Práticas Libertárias. Os anarquistas tem desenvolvido métodos de educação que procuram levar à emancipação mental dos indivíduos. Acreditando que através da liberdade e do conhecimento se pode contribuir para criar as bases de uma nova sociedade mais igualitária. Nas artes, ciência ou na tecnologia assim como em muitos outras atividades preconizaram métodos capazes de romperem com espartilhos e constrangimentos que impedem a abertura de novos horizontes, e uma apropriação colectiva consciente e igualitária dos meios e recursos disponíveis.

5. Auto-organização. Embora recusem qualquer forma de domínio de uns sobre outros (relações assimétricas de poder) não recusam a constituição de organizações. A liberdade é realiza-se sempre num dado quadro normativo.

No entanto acrescentam algumas condições essenciais: As normas sociais que regulam o funcionamento da sociedade e respetivas sanções devem assegurar a máxima de liberdade individual e o seu desenvolvimento; O acesso à definição destas normas deve ser igualitário, excluindo-se todos os acessos privilegiados à sua definição, assim como normas que impliquem relações de domínio de uns sobre outros (poder, autoridade).

As organizações sejam elas quais forem devem no mínimo ser democráticas, idealmente deverão funcionar segundo decisões consensuais, mantendo entre os seus membros relações de igualdade de forma a impedir a formação de relações assimétricas permanentes de poder (dirigentes/dirigidos, representantes/representados, etc) tendo como objectivo a eliminação do domínio de uns sobre outros.

Os anarquistas tendem rejeitar grandes organizações burocráticas, como os Estados, porque nelas a esmagadora maioria dos indivíduos são afastados dos processos de escolha, tanto são os níveis hierarquicos estabelecidos. 

Os anarquistas desde o século XIX estão ligados à criação de sociedades mutualistas, cooperativas, associações de trabalhadores (sindicatos e confederações, etc), ateneus, colónias e experiências auto-gestionárias. Em todas estas formas de organização procuram em pequena ou grande escala ensaiar ou experienciar a sociedade que preconizam. 

Apesar disto, aceitam alguns compromissos com as certas regras do sistema vigente, entendidas como etapas necessárias para avanços igualitários posteriores.

6. Sociedade Global. Um dos seus grandes ideais foi sempre a constituição de uma sociedade planetária que permitisse a livre circulação de pessoas ou o fim das guerras entre os países. O fim das fronteiras.  É neste sentido que alguns anarquistas, como P. Kropotkin viram no desenvolvimento das tecnologias de comunicação um meio que poderia conduzir ao advento da Anarquia. Uma sociedade global, num planeta partilhado por todos, onde a solidariedade constitui um valor fundamental que une e a todos envolve.

A perspetiva social anarquista é universalista e solidária contrária a certas posições liberais individualistas (egocêntricas, egoístas) com as quais o procuram confundir.

A defesa destas ideias tem caracterizado o movimento anarquista internacional ao longo de mais de duzentos anos de existência. 

 

Ética Anarquista (1)

1. Prazer ou Ausência de Dor. Estes são os estimulos que numa perspetiva naturalista todo o ser humano procura na vida. O conceito anarquista alarga-os a níveis superiores como o bem-estar, conforto, felicidade... Estamos perante algo que é desejado por todos os seres humanos.

2. Apoio-Mútuo. O ser humano deve a sua existência a uma comunidade, país ou à humanidade. Os bens que desfrutamos por pequenos que sejam são o resultado de uma infinidade de contributos individuais e colectivas ao longo dos tempos. Sem a colaboração e solidariedade entre os membros de uma comunidade, país ou de todos os seres humanos nenhum progresso seria possível, nenhum bem-estar ou conforto teria sido alcançado. A partilha, cooperação, solidariedade e fraternidade são desta forma uma exigência retributiva (reciprocidade) que se impõe a todo o ser humano.

Os anarquistas assumem que todo o ser humano tem um dever fundamental de contribuir de acordo com as suas capacidades para melhorar a comunidade, país ou a humanidade.

3. Recusa de todas as formas de poder (domínio). Ninguém pode sentir prazer, bem-estar, conforto ou felicidade sendo escravizado, humilhado, tratado como um ser inferior sem direito a decidir sobre a sua própria vida. Ninguém pode sentir-se feliz sendo excluído dos bens que a sua comunidade, país ou que a humanidade criou ao longos dos tempos. Neste sentido, a ética anarquista assenta num impulso natural de revolta contra todas as formas de poder e preconceitos que constituem formas de domínio de uns sobre outros.

4. Revolução Social. Ninguém pode sentir-se feliz vendo o seu semelhante a sofrer, ser humilhado, escravizado, despojado de toda a dignidade como pessoa. A busca do prazer implica um compromisso com a transformação social que acabe com todas as formas domínio de uns sobre outros e promova a igualdade entre os seres humanos, tendo como meta a constituição de uma sociedade livre e igualitária. Neste ponto o ser humano supera-se a si mesmo projectando a sua ação para além do seu seu tempo e circunstância.

Embora os anarquistas partam de uma concepção positiva da natureza humana, não deixam de reconhecer que uma parte da humanidade é constituída individuos que vivem a explorar ou parasitar outros seres humanos. Kropotkine admitiu mesmo o direito de matar, por exemplo, ditadores. Estes e outros tipos de individuos da mesma especie representam a negação daquilo que se espera de um ser humano e constituem entraves ao processo de libertação da própria humanidade.

Carlos Fontes

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