Navegando na Filosofia. Carlos Fontes

Do Pensamento Mítico

Um homem numa tribo africana narrando uma história

 

 

O pensamento mítico precedeu a filosofia. A questão não oferece grandes dúvidas, o problema está na quando  tentamos saber em que é consiste o pensamento mítico e como o podemos caracterizar.

 

O Problema das Origens

O pensamento mítico formou-se com o Homem, corresponde antes de mais à primeira forma de pensar a realidade. Os mitos são narrações que têm como protagonistas seres sobrenaturais, que existiram num passado remoto (tempo primordial). Neles encontramos a explicação para a origem do Cosmos e muitos outros aspectos da realidade (origem do homem, doenças, fogo, etc). Ao narrar-se a sua origem, dá-se igualmente uma explicação para o seu sentido e a finalidade. 

Os mitos, enquanto narrativas, foram os primeiros discursos elaborados sobre o  mundo e as coisas.

"O mito conta uma história sagrada; relata um acontecimento que teve lugar num tempo primordial - o tempo fabuloso das "origens". Dito por outras palavras, o mito conta como, graças às acções primordiais dos seres sobrenaturais surgiu um facto qualquer, seja a realidade total - o Cosmos- seja apenas um dos seus fragmentos, tais como: uma ilha, um comportamento humano ou uma instituição. O mito surge como uma narrativa duma "criação". Conta como qualquer coisa foi produzida, isto é, começou a ser. O mito não fala daquilo que é imaginário, fala apenas daquilo que se manifestou plenamente. As personagens dos mitos são seres sobrenaturais. Estes são conhecidos sobretudo por aquilo que fizeram nos tempos prodigiosos dos "começos". Mircea Elíada, Aspectos do Mito.

 

Explicação Total

O pensamento mítico, como a filosofia, é uma explicação total e coerente da realidade que permite encontrar uma respostas para as mais variadas situações e problemas que se colocam aos homens. No caso do mito, esta visão total resulta, segundo R. Mondolfo, de uma análise das relações humanas que foi transposta para natureza.  Esta passou a ser encarada em termos antropomórficos. Tudo o que nela ocorre obedece ao mesmo modelo de relações que encontramos entre os seres humanos. Assim podemos ter explicações míticas da natureza, onde ocorrem, por exemplo, matrimónios e conflitos entre dois polos sexuais (o feminino e o masculino).

Foi deste modo que os homens foram ordenando a realidade, descobrindo-lhe certas regularidades, impondo-lhe uma ordem, causalidade e previsibilidade. A natureza deixa de ser Caos para passar a ser entendida como um Cosmos, isto é, um mundo ordenado com as suas leis.

 

Tradição

Os mitos estão profundamente ligados às tradições dos povos, constituem frequentemente as suas referências fundamentais (identitárias). Eram e ainda são transmitidos de geração em geração por via oral. Na antiguidade clássica os mais velhos eram os depositários privilegiados destes saberes. 

 

Persistência dos Mitos

O nascimento da filosofia, não significou o fim do pensamento mítico. Os mitos persistiram até aos nossos dias. Podemos descobri-los, por detrás das primeiras filosofias, mas também em muitas das ideias actualmente desenvolvidas na ciência. Uma daquelas ideias onde factos anda frequentemente enredados em mitos é a teoria da evolução. Não é fácil, senão mesmo impossível, determinar a história do nosso Universo, a origem das primeiras formas de vida e a sua evolução até às espécies no seu estado actual. A teoria da evolução acaba, muitas vezes, por ser tratada como um mito, isto é, como uma história que narra as origens do Cosmos, e o modo como surgiu o mundo vivo e o lugar que nele ocupa o homem. Estes mitos, como os antigos mitos cosmogónicos, não deixam de ter um enorme fascínio sobre os homens, dado que lhes permitem responder à suas eternas interrogações: De onde viemos? Para onde vamos ? Que nos é lícito fazer ? Que é o Homem?  

Carlos Fontes

 

Analisa e Comenta o Seguinte Mito

"Dantes vivia sobre a Terra a raça humana, a recato da desgraça e de penoso trabalho, e das doenças horríveis, que trazem a morte aos homens. Mas a mulher, com as mãos, ergueu a grande tampa da vasilha e dispersou-as, preparando para a humanidade funestos cuidados. Dentro da vasilha, na morada indestrutível, abaixo do rebordo, ficou apenas a Esperança. Essa não se evolou.

Antes, já ela tornara a colocar a tampa, por desígnios de Zeus detentor da Égide, que amontoa as nuvens. Mas as tristezas aos centos erram entre os homens. Cheia está a Terra de desgraças, cheios os mares. As doenças, umas de dia, outras de noite, visitam à vontade os homens trazendo aos mortais o mal, em silêncio, pois Zeus prudente lhes tirou a voz. E assim não há maneira de evitar os desígnios de Zeus."

Hesíodo, Os Trabalhos e os Dias (séc. VIII/VII a.C.). 

 

Carlos Fontes

Referências Históricas

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