Navegando na Filosofia - Carlos Fontes

Filosofia e Retórica,  que relação ?

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Textos

"A definição de retórica é conhecida: é a arte de bem falar, de mostrar eloquência diante de um público para ganhar a sua causa. Isto vai da persuasão à vontade de agradar: tudo depende (...) da causa, do que motiva alguém a dirigir-se a outrem. O carácter argumentativo está presente desde o início: justificamos uma tese com argumentos, mas o adversário faz o mesmo: neste caso, a retórica não se distingue em nada da argumentação. (...). Para os antigos, a retórica englobava tanto a arte de bem falar - ou eloquência - como o estudo do discurso ou as técnicas de persuasão até mesmo de manipulação. "

Michel Meyer, Questões de Retórica: Linguagem, Razão e Sedução. Lisboa. Ed.70.1997 

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Síntese da Matéria

Filosofia, Retórica e Democracia . Breve História da Retórica

 

 

1. A Retórica surgiu na antiga Grécia, ligada à Democracia e em particular à necessidade de preparar os cidadãos para uma intervenção activa no governo da cidade. "Rector" era a palavra grega que significava "orador", o político. No início esta não passava de um conjunto de técnicas de bem falar e de persuasão para serem usadas nas discussões públicas. A sua criação é atribuída  a Córax e Tísis (V a.C), tendo sido desenvolvida pelos sofistas que a ensinaram como verdadeiros mestres. Entre estes destacam-se Górgias e Protágoras.

 

2. Os sofistas adquiriram durante o século V a.C., grande prestígio como professores de Retórica. 

A Retórica era antes de mais o discurso do Poder ou dos que aspiravam a exercê-lo. "O orador, escreve Chaim Perelman, educava os seus discípulos para a vida activa na cidade: propunha-se formar homens políticos ponderados, capazes de intervir de forma eficaz tanto nas deliberações políticas como numa acção judicial, aptos, se necessário, a exaltar os ideais  e as aspirações que deviam inspirar e orientar a acção do povo.". O discurso retórico visava a acção, por isso se propõe persuadir, convencer os que escutam da justeza das posições do orador. Este primado da acção leva a maioria dos sofistas,  a desprezarem  o conhecimento daquilo que discutiam, contentando-se com simples opiniões, concentrado  a sua atenção nas técnicas de persuasão.  

Foi sobretudo contra este ensino que se opuseram Sócrates e Platão. Ambos sustentaram que a Retórica era a negação da própria Filosofia. Platão, no Górgias e no Fedro, estabelece uma distinção clara entre um discurso argumentativo dos sofistas que através da persuasão procura manipulação os cidadãos, e o discurso argumentativo dos filósofos que procuram atingir a verdade através do diálogo, pois só esta importa.

A Filosofia surge assim como discurso dirigido à razão, e não à emoção dos ouvintes . Esta é aliás a condição primeira para que a Verdade possa ser comunicada. Não se trata de convencer ninguém, mas de comunicar ou demonstrar algo que se pressupõe já adquirido - a Verdade de que o filósofo é detentor. 

 

3. Aristóteles foi o primeiro filosofo a expor uma teoria da argumentação, nos Tópicos e na Retórica, procurando um meio caminho entre Platão e o Sofistas, encarando a Retórica como um arte que visava descobrir os meios de persuasão possíveis para os vários argumentos. O seu objectivo é o de obter uma comunicação mais eficaz para o Saber que é pressuposto como adquirido. A retórica,torna-se numa arte de falar de modo a persuadir e a convencer diversos auditórios de que uma dada opinião é preferível à sua rival

 

4. É neste quadro definido por Aristóteles que a Retórica irá evoluir, confinando-se à uma arte de compor discursos que primavam pela sua organização e beleza (estética), desvalorizando-se a dimensão argumentativa cultivada pelos sofistas. 

Esta arte conheceu um grande desenvolvimento na época helenística. Em Roma, Cícero (político e brilhante orador, do séc. I a.C), sistematizou os fundamentos da retórica, em duas obras fundamentais De Oratore e Orator. Considerou-a uma verdadeira ciência, cujo exercício exige uma enorme cultura. O objectivo do orador era provar, agradar e comover. A retórica divide-se então em várias, culminando neste período com Quintiliano (séc.I d.C),cuja única obra que chegou até nós se chama justamente Institutio Oratoria.   A Retórica torna-se em Oratória, ou seja, na arte de falar bem. 

Durante a Idade Média, a argumentação adquiriu enorme divulgação, nomeadamente entre os clérigos, ocupando um lugar central na educação (fazia parte do Trivium).

 

5. Na Idade Moderna, a retórica continuou a desfrutar ainda de algum prestígio nos países católicos,  recorde-se a este respeito o notável orador que foi Padre António Vieira. A tendência do tempo era todavia outra. A Retórica como arte argumentativa começou a ser completamente desacreditada. Descartes reafirma o primado das evidências sobre os argumentos  verosímeis. Na mesma linha, se desenvolve o discurso científico. Não se trata de convencer ninguém, mas de demonstrar com "factos", "dados", "provas" a Verdade (única e irrefutável).

 

6. No século XX a Retórica volta a ser retomada, em consequência do generalização das teses relativistas e o descrédito das ideologias. A "Verdade" que os filósofos afirmavam, não pode ser mais admitida como um ponto de partida para qualquer discussão. Antes de a poder afirmar o que quer que seja como verdadeiro, o filósofo deve procurar a adesão de um dado auditório para as suas posições. Todas as filosofias não passam de opiniões plausíveis que devem ser continuamente demonstradas através de argumentos também eles meramente plausíveis. Neste sentido, toda a filosofia é um espaço sempre em aberto e susceptível de continuas revisões. 

As estratégias argumentativas parecem estar nitidamente secundarizadas, face às técnicas de persuasão usadas pelos novos meios de comunicação de massas, como a publicidade ou a televisão.  

Carlos Fontes

Carlos Fontes

 10º Ano - Programa de Filosofia 

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