Navegando na Filosofia. Carlos Fontes

 

Sócrates (470-399 a.C)

 

 

A sua vida  continua a ser um enigma, o que não o impede de ser considerado o símbolo por excelência do filósofo. Sócrates nasceu em Atenas, filho de Sofronisco, escultor e de Fenáreta (Fenarete), de ofício parteira. Terá recebido uma educação tradicional, isto é, ginástica e música. Parece que exerceu por algum tempo o ofício de seu pai, no princípio  interessou-se pelas doutrinas físicas dos filósofos jónios. Parece certo que terá participado nas guerras do Peloponeso (431-404), como soldado hoplita (guerreiro a pé), o que correspondia a um cidadão de nível médio. Salvou Alcibíades ferido durante o cerco de Potidea (429), participou na batalha de Delion (424), na Boécia, e já com cerca de 50 anos, na de Anfipolis (421), na Trácia. Fez parte do Senado dos quinhentos, opondo-se sempre às medidas que considerava injustas. Enfrentou a morte desobedecendo a uma ordem dada pelo governo dos Trinta Tiranos (404).

Algures num momento da sua vida terá começado a interessar-se sobre o conhecimento de si e do homem em geral. Á sua volta começam a formar-se um grupo de discípulos e amigos, entre os quais se destacam Platão, Alcibíades, Xenofonte, Antístenes, Critias, Aristipo, Euclides de Megara e Fédon. Depois de uma vida inteira dedicada a interrogar os seus concidadãos, em obediência a uma voz interior (daimon) é acusado de corromper os jovens contra a religião e as leis da cidade. A acusação é feita por Anito, em nome dos artesãos e políticos, por Meleto, em nome dos poetas, e por Licón pelos oradores. Condenado por um tribunal popular a beber cicuta, e após ter recusado os planos de fuga de Critón, morre numa prisão em Atenas, rodeado de amigos e discípulos. 

Sócrates rapidamente se torna na figura emblemática do filósofo, imortalizado em inúmeras obras. Platão, discípulo de Sócrates desde os vinte anos, transforma-o na personagem central dos seus diálogos, em particular na Apologia de Sócrates, Fedón e Critón. Nesta obras é ressaltada sobretudo a sua dimensão moral. Aristófanes, comediógrafo e critico do seu tempo, na comédia As Núvens, apresenta-nos um Sócrates sofista apenas interessado no que cobrava pelas aulas de retórica e oratória, misturando discursos sobre a natureza e a moral. Xenofonte, militar e historiador, foi o autor de uma série de obras biográficas onde exalta a figura moral de Sócrates: Memoráveis, Recordações Socráticas, O Banquete e Apologia de Sócrates. Estas obras foram escritas depois de regressar da expedição à mesopotâmia dos dez mil mercenários gregos, e de ter conhecimento da morte de Sócrates. Embora Aristóteles  não o tenha conhecido directamente, não deixa de o referir nas suas obras cerca de 40 vezes.

Estátua de Sócrates em Atenas, Grécia

Obras

Não escreveu nenhuma obra, porque atribuía pouco importância à escrita. A única coisa em que acreditava era no diálogo, através de perguntas e respostas como meio de atingir a verdade, o bem e a justiça.

 

 

Filosofia

A filosofia socrática apresenta-se como uma atitude de permanente procura do Saber, aliada a um compromisso com esse mesmo Saber.

 

Diálogo

Via para o conhecimento e auto-conhecimento 

Sócrates atribuía uma enorme importância ao diálogo na procura do saber, desprezando o papel da escrita. Através do diálogo pretendia não apenas despertar as consciências para a questão do saber, mas também ajudá-las nessa busca. Talvez por isto se afirme que era filho de Sofronisco, escultor e de Fanareta, parteira. Do pai terá aprendido a dar forma às coisas informes, e da mãe a arte de "trazer à luz". A mãe ajudava as mulheres a darem à luz a corpos, Sócrates, através do diálogo irá ajudar os homens a darem à luz conceitos.

Qual a razão porque Sócrates nada escreveu?

"Sócrates: - O maior inconveniente da escrita parece-se, caro Fedro, se bem julgo, com a Pintura. As figuras pintadas têm atitudes de seres vivos, mas se alguém as interrogar, manter-se-ão silenciosas, o mesmo acontecendo com os discursos: falem das coisas como se estas estivessem vivas, mas, se alguém os interroga, no intuito de obter um esclarecimento, limitam-se a repetir sempre a mesma coisa". Platão, Fedro, 275.7

 

Universalismo

Superação do relativismo dos sofistas

O relativismo dos sofistas havia tornado a indistinta justiça e injustiça, verdadeiro e falso. A única forma de sair desta situação era para Sócrates procurar definir conceitos universais, como o Bem ou a Justiça. Só neste plano de universalidade se poderia encontrar o verdadeiro saber, ultrapassando o relativismo sofista.

 

Método Socrático

A Importância dos conceitos e da sua definição

Para procurar os conceitos universais, o método socrático, baseado no dialogo, assenta em dois passos fundamentais:

 Ironia. Sócrates começa por solicitar ao seu interlocutor que defina um dado conceito (O que é o Bem? a Justiça? a Retórica ?). Aceita qualquer definição como ponto de partida, para de seguida formular um conjunto de questões em torno da mesma, mostrando as suas limitações. Chama-se ironia a este passo, porque nos Diálogos de Platão, Sócrates, finge ignorar as respostas que procura.

Maiêutica. Confrontado com as limitações das suas definições, o interlocutor, acaba por reconhecer as limitações do seu próprio saber. É então convidado a reformular a resposta anterior, dando uma definição mais ampla, na direcção da universalidade.

 

Reconhecimento da Ignorância

O despertar de Sócrates para a  filosofia terá começado de uma forma muito singular.Certo dia, a instancias do seu amigo Querofonte, a pitonisa do Oráculo de Delfos, afirmou que entre todos os homens Sócrates era o mais sábio. Este estava longe de poder aceitar esta apreciação dos deuses a seu respeito. Ele limitava-se a procurar o saber, a interrogar todos aqueles que afirmavam possuir o saber, como os sofistas. Ora, quanto investigava mais mais problemas se lhe levantavam. Ficou célebre a sua afirmação: "Só sei que nada sei" Como poderia ser considerado  o homem mais sábio de todos, quando ele próprio reconhecia a sua própria ignorância ?. 

Estariam os deuses enganados quando o consideravam o homem mais sábio entre os homens?

Os sofistas que tudo ensinavam e afirmavam tudo conhecer não seriam mais sábios?

Esta afirmação revela-nos uma nova atitude perante o saber, oposta à que manifestavam os sofistas:

A sabedoria de Sócrates residia na consciência dos limites do seu próprio saber, numa tomada de consciência do próprio não saber. Só aquele que tem consciência da sua própria ignorância procura o saber. Aquele que julga que tudo conhece, contenta-se com o saber que possui.  Os sofistas que tudo afirmam saber, são os mais ignorantes de todos, dado que desconhecem a sua própria ignorância.  

Esta consciência Socrática dos limites do conhecimento humano, em vez de ser um motivo para uma atitude negativa face ao conhecimento (Nada nos é permitido saber), foi pelo contrário assumida como uma espécie de missão. 

"O  Deus, como eu creio e aceitei, me ordenou que viva filosofando e investigando-me a mim mesmo e aos demais", Apologia de Sócrates, Platão

A procura do saber é indissociável também do conhecimento de nós mesmos. Daí o facto de Sócrates ter tomado como seu lema, a divisa do templo de Delfos: Conhece-te a Ti Próprio. Contra um conhecimento revelado a partir do exterior, Sócrates, aponta para um que se revela a partir da auto-descoberta do próprio indivíduo.

Sócrates repreende Alcibíades, pintura de Anton Petter (1781-1858)

 

Intelectualismo Moral

 

Só os ignorantes praticam o mal

Sócrates recusa uma atitude teórica perante o saber (atitude característica dos sofistas). Parte do princípio que quem verdadeiramente procura o Bem, só pode viver segundo o Bem. A virtude identifica-se com o conhecimento, ou dito de outro modo: Saber e Moralidade são o mesmo, e estão indissociavelmente ligados. O único que comete o mal é o ignorante, aquele que conhece o bem só pode praticar o bem.

"Se me dissésseis: Ó Sócrates, não consentimos que se faça o que pretende Anito, e deixamos-te em liberdade, mas com uma condição porém, de que não ocupes mais tempo com essas investigações e deixes de filosofar, pois caso contrário quando fores apanhado morrerás; Se me deixásseis então em liberdade, mas de acordo com este pacto, eu vos diria: meus queridos atenienses, saúdo-vos, porém obedecerei a este demónio interior não a vós, e enquanto tiver alento e força não deixarei de filosofar". Apologia de Sócrates, Platão

Carlos Fontes

 

Duas ideias fundamentais a reter sobre Sócrates:

- Autonomizou a moral da religião e da leis civis

- Procurou através da definição de conceitos universais, como o de Bem ou de Justiça, superar o relativismo dos sofistas. 

"Morte de Sócrates", Jacques-Philip-Joseph de Saint-Quentin (1738-1780)

..

Bibliografia

Pessanha, José Américo Motta (org.). Sócrates. São Paulo, Abril Cultural, 1980

Continua !

 

 

Carlos Fontes

Referências Históricas

Navegando na Filosofia