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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

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Idade Contemporânea - (Séc.XIX)

Ensino na Saúde

 

O ensino de medicina, cirúrgico, de enfermagem, parto ou farmácia, sofreu um decisivo impulso neste século, que o vai igualizar com os restantes países europeus.

1. O ensino cirúrgico que prosseguia desde o século XVIII, divido em dois ramos: o militar ministrado em Elvas, Tavira, Chaves Porto e Lisboa foi encerrado em 1815.Estes cursos tinha a duração de quatro anos, sendo o corpo docente assegurado por lentes de anatomia e cirurgia militar.

Em 1825 surgem as Reais Escolas de Cirurgia de Lisboa e Porto[1] , sob a iniciativa do Cirurgião-mor Teodoro de Aguiar.  O curso seguia no essencial as matérias ministradas na Faculdade de Medicina de Coimbra, tais como Anatomia, Fisiologia, Patologia, Medicina Operatória, Clinica Médica e Clínica Cirúgica. Pouco se exigia aos candidatos a estes curso: conhecimentos de francês ou latim e lógica. A idade mínima para admissão era os catorze anos.  Estas Escolas ficaram subordinadas ao ao Ministério do Reino, sendo as despesas da mesma asseguradas por uma receita de 10 contos de reis anuais, oferecida pelos contratadores do tabaco. Uma enorme vantagem era oferecida aos diplomados: emprego nas fileiras da marinha ou do exercito, ou o exercicio da medicina onde faltassem médicos.

Em Lisboa, a Escola estava instalada no Hospital de S. José, onde funcionava uma antiga cadeira de noções de anatomia, operações e partos, patologia e clinica cirurgica. Três anos após a sua criação, já a mesma possuía instalações adequadas, e se iniciava a instalação de uma biblioteca especializada. A frequência desta Escola revelou-se desde logo muito elevada, pois no ano lectivo de 1829/30, atingia já os 150 alunos, a metade dos quais frequentava o primeiro ano.

    No Porto, a Escola continuou instalada no Hospital de Santo António, onde existia desde 1802, uma cadeira de medicina teórica e pratica[2]. Como em Lisboa, a frequencia destas escolas revelou-se logo muito elevada: 72 alunos no ano lectivo de 1929/30.

    2. Na reforma de 1836 as Escolas Regias de Cirurgia são transformadas nas Escolas Medico-Cirurgicas de Lisboa e Porto[3], que pouco depois se estendem á Madeira e Açores. A descentralização era um facto, mas a Universidade de Coimbra reagiu e recusou-se a aceitar este ensino, o que levou a que só em 1866 fosse dada equivalencia profissional a estes cursos. Em 1911 o problema é resolvido com a elevação a ensino superior o ministrado em Lisboa e Porto. O Curso entaõ criado tinha a duração cinco anos, assim repartidos: Dois anos de Preparatórios, onde se estudava química, física, higiene, zoologia e botanica. Nos três seguintes, o ensino incidia sobre medicina e cirurgia. Sendo ministrado, na parte de medicina por lentes de Coimbra, e na de cirurgia por os oriundos destas Escolas.

    Apesar de inovadora, esta reforma mantinha os antigos preconceitos que separaram durante séculos cirurgiões e médicos:"os cirurgiões de Lisboa e Porto constituiam uma categoria á parte sobre a qual pesava o preconceito da sua origem artesanal"[4]. Um problema surgia igualmente com esta reforma: a "dicotomia Hospital-Faculdade inevitável quando coexistem na mesma instituição sem integração unitária que carecem" [5], questão se revelará dramática em meados no século XX.

Em Lisboa, a escola continuou no Hospital de S. José, sob a superintendência do enfermeiro-mor, mas o ensino estava a cargo da Escola, onde sobressaiam os lentes, e depois o "concelho escolar".

No Porto, a Escola continuou instalada no Hospital de Santo António, adquirindo aí o ensino de anatomia um notável incremento até 1911.

4. O ensino de Farmácia iniciou o século num estado de absoluta decadência. Em 1810 foi abolida a Real Junta de Proto-Medicato , impondo-se um simples exame junto do físico -mor para o exercicio da botica. Apenas a pratica nas boticas bastava para fabricar novos boticários.

Contra esta situação calamitosa se insurgiu a Sociedade Farmaceutica de Lisboa criada a 24 de Julho de 1835.No ano seguinte, Passos Manuel, empreende a reforma do ensino de farmácia, logo após a suspensão dos exames do físico-mor:

A Escola de Farmácia de Coimbra, foi reformada a 5 de Dezembro de 1836, exigiu-se para a admissão a exames a frequência de aulas de zoologia, botânica, física e mineralogia, tiradas na Faculdade de Filosofia ou em escolas onde se ministrassem matérias idênticas.

Novas escolas de farmácia foram então estabelecidas, em Lisboa e Porto. Funcionavam em anexo as Escolas Médico-Cirurgicas já mencionadas. O curso era dividido em duas partes: dois anos de estudos teóricos botânica, história natural dos medicamentos, química e farmácia. E dois anos de prática no Dispensário Farmacêutico destas escolas , ou numa botica.

Em 1854 o ensino farmaceutico sofre um revés: estabeleceu-se as condições de admissão aos exames de farmácia dos candidatos que não tivessem cursado nenhuma das escolas[6]. Pouco lhes era exigido: Estes farmacêuticos de  2. classe apresentavam-se a exame com 4 anos de experiencia numa farmácia, e vagos estudos de francês, matemática, fisico-quimica, e história natural dos liceus.

Os farmaceuticos de 1. Classe, os formados nas três escolas, um numero muito reduzido, bastava-lhes tirar umas cadeiras na Faculdade de Medicina. Não raro cursavam medicina e farmácia em simultâneo.

A aparente facilidade com que estes cursos eram tirados levou a uma verdadeira avalanche de farmacêuticos diplomados por todo o paìs. Só entre 1892 e 1912, em Coimbra, Lisboa e Porto, haviam-se diplomado 2.399 farmaceuticos...

  Em 1902 tomam-se medidas para elevar a qualidade deste ensino, já há muito ultrapassado. A 27 de Novembro, o Governo de Hintze Ribeiro transformava em ensino superior os cursos de farmácia. Os alunos teriam que cursar primeiro os preparatórios das Escolas Politecnicas ou da Faculdade de Filosofia de Coimbra,e depois ao longo de dois anos, obterem a aprovação nas seguintes cadeiras: 1. ano: História Natural das Drogas, Posologia, Farmacia Quimico, Analises Microscopicas e Quimicas Aplicadas á Medicina e á Farmacia, Pratica em Laboratórios; 2. Ano: Farmacotecnia e Esterlizações, Analises Toxicologicas, Quimica Legal, Alterações e Falsificações de Medicamentos e Alimentos e pratica em laboratório.

Apesar dos evidentes progressos que significou esta reforma foi logo votada ao fracasso, pela reduzida procura do novo curso: entre 1902 e 1912, a média de diplomados ano em cada uma das tres escolas não ultrapassou os 7 alunos. Uma das razões de fundo para esta situação estava na própria lei, onde se previa um período de dez anos de transição em que se podia obter o diploma de farmaceutico de 2. classe, segundo as regras anteriores.

        

4. No final do século quando Portugal se virava para Africa, é criada em 1902 , a Escola de Medicina Tropical e o Hospital Colonial, os quais mais tarde darão origem ao Instituto de Medicina Tropical e ao Hospital do Ultramar; Em 1906 , aí perto surge a Escola Colonial, que virá a conhecer um grande incremento durante a Republica, mas que não pode ser separada deste contexto histórico.

5. No principio do século XIX, as questões da Higiene estão na ordem do dia. A saúde passa por uma prevenção da doença. O Instituto Central Dr. Ricardo Jorge[7], inicia em 1899 a sua actividade, tendo como missão a instrução e a pesquisa no domínio da higiene. Aqui se iniciam também os primeiros cursos de visitadoras sanitárias, técnicas de fiscalização sanitária e de géneros alimentares.

 

6. A enfermagem fora encarada até este período, num estatuto de menoridade no campo da saúde. Neste século em grande parte devido á acção de Florence Nigthingale, a enfermagem inicia a sua fase cientifica. Em 1860 Florence cria em Londres a primeira escola de enfermagem, no Hospital de S. Tomaz. Em 1887 os enfermeiros ingleses estabelecem a sua primeira associação, a Royal Bristish Nurs Association, secunda em 1896 por uma associação equivalente nos EUA. Tudo começara então a mudar.

Em Lisboa, no ano de 1886, no Hospital de S. José a Administração do Hospital e Anexos é autorizada a despender a quantia anual de 400$00 réis com o ensino prático de enfermeiros[8]. Em 1901 regulamentada aqui a primeira Escola de enfermagem[9], por proposta do enfermeiro-mor deste Hospital. Este curso tinha então a duração de um ano, e estava organizado em duas partes, uma teórica e outra prática. 

Na primeira ensinava-se noções de: 1. Anatomia, para aplicações tópicas, primeiros  cuidados nas fracturas, hemostasia provisória; 2.Fisiologia, para esclarecimentos das aplicações terapeuticas médico-cirurgicas, de dietética e de higiene;3. Microorganismos na doenças, infecções e contágios, Asepsia e antisepsia, 4.Aplicação de venenos; 5.Escolha dos materiais dos pensos, suas possíveis substituições; Clínica de pobres e clinica de ricos. Economia Hospital e Domestica.6.Higiene Relativos ao doente, á cama e ao .....". 

A segunda parte do curso era essencialmente pratica, e incluía a direcção do tratamento de várias espécies de doenças, pequena farmácia e pequena cozinha. Para admissão ao curso de enfermagem apenas se exigia a primeira classe. Este curso já incluía questões referentes á administração hospitalar , as quais estarão presentes nestes cursos ao longo de dezenas de anos.

No Porto, em 1896 era criado no Hospital de Santo António também uma escola de enfermagem. Seguindo-se depois a abertura de curso de enfermagem ,no Hospital da Universidade de Coimbra, o qual foi regulamentado em 1903 [10]. 

   No inicio do século estavam já em actividade três escolas de enfermagem, numero que se poderia considerar aceitável tendo em conta a distribuição dos principais hospitais do país.

7. O ensino de Obstetrícia iniciou-se conforme já dissemos em 1837. A Secretaria de Instrução dos Negócios do Reino determinou neste ano que "haverá em cada uma das Escolas Médico-Cirúrgicas um curso bienal e gratuito, teórico e prático, destinado especialmente para a instrução de parteiras. Terão de apresentar uma certidão de saber ler e escrever"[11].Lisboa e Porto são assim particularmente contempladas.

Em Coimbra , o curso de obstetrícia é regulamentado em 1870, assim como os respectivos programas e as condições de admissão ao exame de parteiras.No principio do século XX, o Curso de Obstetrícia da Faculdade de Medicina constituía a 12. cadeira, e tinha já então a duração de dois anos, devendo as alunas assistir a todas as partos efectuados na enfermaria[12]    

Em construção !

  Carlos Fontes

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Notas:

1] Alvará com força de lei de 25 de Junho de 1825 ( sup ao n.de G.Lisboa, 4 de Julho de 1825.pp.641 -644)

[2] Esta cadeira fora instituída a pedido do Provedor da santa Casa da Misericórdia, a quem pertencia o Hospital, Melo Breyner, Visconde de Balsemão., e então ministro do reino (?).

 [3] Decreto-lei de 29 de Dezembro de 1836, Colecção da Legislação Trigoso, 1836.p.335

[4] Azevedo Avila,  op.cit.pag.269

[5] Celestino da Costa, As Escolas Médicas e a Evolução Universitária. Separata de O Médico, n.1336. Porto.1977

 [6] Decreto de 12 de Agosto de 1854

[7] criado pelo decreto de 28 de Dezembro de 1899

[8]DG (22), de 29/1/1886

[9]Decreto de 10 de Setembro de 1901

[10]DG (248), 4/11/1903

 [11]D. Governo (3), de 4/11/1837

[12]DG (294), 28/12/1901