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Resultados Escolares - De quem é a responsabilidade?

Carlos Fontes

 

Apesar dos elevados investimentos feitos no sistema educativo, os  níveis de escolaridade da população portuguesa continuam a ser miseráveis. Avançou-se muito desde o fim da ditadura, em 1974, mas o que se conseguiu continua a ser insuficiente. Os vários governos constituídos em regra por por bandos de incompetentes, tem dificuldade explicar os fracos resultados escolares obtidos. A quem deve ser atribuída responsabilidade por este estrondoso fracasso?       

 

1. Alunos

Faz parte gíria sobre educação, afirmar-se que todos os alunos tem as mesmas capacidades e motivação para aprender, e se o não conseguem a responsabilidade não lhes pode ser imputada. Estes alunos abstractos, sem história, são a referência fundamental de qualquer discurso bem intencionado sobre educação e comporta uma elevada dose de demagogia.   

O sistema de ensino criado em Portugal depois de 1974, assentava em pressupostos ideológicos igualitaristas que se traduziram na criação de um único tipo de ensino para todos os alunos. As elevadas taxas de insucesso e abandono escolar que desde logo se verificaram obrigaram os vários Governos a criar de vias alternativas de ensino mas com resultados muito limitados. Persistiu sempre a ideia que esta diferenciação implicava uma discriminação social dos alunos. Os pais encaram as escolhas alternativas como a confirmação que os seus filhos possuíam uma qualquer limitação intelectual. 

Acontece que os alunos que frequentam a "via única" de ensino - a que conduz directamente às Universidades -, não sentem que isso implique qualquer esforço mental acrescido. A maioria está convencida que se trata de um ensino acessível a todos os alunos, mesmo aos que não se envolvam nas tarefas escolares. Se não  conseguem obter os resultados esperados, é porque o ensino não está ajustado aos seus interesses e motivações. O que tem que mudar é a escola e não a atitude dos alunos.

Em que consiste um ensino adaptado aos alunos ? Na prática trata-se de um ensino onde sem trabalho seja possível de forma divertida superar as dificuldades de aprendizagem. A escola é hoje percepcionada como um espaço de diversão e convívio, e só marginalmente de aprendizagem. 

O actual Governo do PS foi mais longe nesta desresponsabilização dos alunos, ao aprovar legislação que impede que qualquer aluno chumbe por faltas, mesmo que não compareça nas aulas. 

Uma das consequências deste sistema foi que os alunos com maus resultados escolares, não se sentem minimamente responsáveis. A escola tornou-se num espaço onde quase tudo é permitido. Comportamentos que na sociedade são considerados crime, como insultar ou agredir alguém, desde que ocorram numa escola tendem a ser encarados como situações normais. 

 

2. Pais

Múltiplos estudos confirmam que o envolvimento dos pais no acompanhamento do percurso escolar dos seus filhos, contribui para a melhoria dos seus resultados escolares. É impossível reduzir a aprendizagem dos alunos ao horário escolar, sendo cada vez mais importante ampliar a participação e facilitar a colaboração entre todos os agentes educativos. É fácil constatar que o seu alheamento potencia resultados negativos no processo de ensino-aprendizagem. 

Os Governos retiraram desta evidência a conclusão que a simples ida dos pais às escolas poderia só por si significar a melhoria do aproveitamento escolar dos alunos. O Governo do PS levou ao absurdo esta conclusão e decidiu entregar as escolas públicas aos pais que passarão a ter uma palavra decisiva na escolha dos directores, na avaliação directa e indirecta dos professores, etc. 

A ideia é bem intencionada, na medida que pretende estimular que os pais voltem a assumir o seu papel tradicional de educadores, mas não tem em conta a realidade das famílias actuais e as modalidades desta "participação".

No passado as relações entre as escolas e as famílias eram muito claras: as famílias assumiam a função de cuidarem, socializar e educar moralmente as crianças, transmitindo-lhes um conjunto de valores considerados fundamentais. As escolas por sua vez tinham a função de transmitirem conhecimentos, desenvolver competências e alargar horizontes para além dos círculos familiares. Acontece que que hoje uma grande parte das famílias não se enquadra neste conceito. Muitos pais delegam nas escolas as funções educativas que antes lhes pertenciam.    

Se muitos pais participam na vida das escolas porque assumem por inteiro a sua responsabilidade como progenitores, um número crescente passou a frequentar os estabelecimentos de ensino por muitos outros motivos, nomeadamente para pressionar professores, desculpabilizar os filhos por comportamentos inadequados, conversar, procurar mediadores para problemas familiares, manifestar a sua falta de autoridade, queixar-se dos filhos e outros familiares ou simplesmente para descarregarem a ira por frustrações quotidianas. Os motivos são os mais diversos que se possam imaginar.

Porque é que tudo isto acontece? As explicações são muitas, mas três delas tem vindo a adquirir uma crescente importância em Portugal:

a) Falta de tempo. A actividades profissional dos pais tornou-se actualmente de tal modo absorventes, que os mesmos deixaram de ter tempo para acompanhar e intervir na formação moral dos seus filhos. A única alternativa que lhes resta é exigirem que a escola o faça. Os horários das escolas públicas tem-se vindo a alargar de tal forma que hoje estão transformadas em locais de ocupação e entretenimento de crianças e jovens. Esta é a principal função que actualmente se  exige às escolas, isto é, que ocupem o máximo tempo possível dos alunos para que os seus pais possam trabalhar cada vez mais. 

b) Infantilização. A infantilização dos jovens é uma realidade comum à maioria das sociedades contemporâneas. Os jovens revelam hoje pouca autonomia, e sobretudo recusam-se a assumir compromissos ou responsabilidades. Sem tempo para cuidarem dos filhos, os pais compensam-nos desculpando-os de comportamentos censuráveis ou dando-lhes tudo o que pedem. Mas o mais grave que está a acontecer é a incapacidade que muitos revelam para dizer "Não!" aos filhos. Esta atitude permissiva e demissionária acaba por fomentar o mau comportamento dos filhos, levando-os a recusaram regras ou compromissos, e a reagirem com violência a todas as contrariedades com que se deparem.   

A infantilização dos alunos é também estimulada por pseudo-discursos científicos produzidos por psiquiatras, psicólogos, sociólogos e especialistas em "ciências da educação" que frequentemente em nome da compreensão do fenómeno, tendem a desresponsabilizar os jovens pelos seus actos. 

c ) Desorientação. O conceito de família está em profunda mutação, mas também o da função de pais. Muitos revelam não ter a mínima noção do que é uma família, do seu papel e das responsabilidades como pais que lhes são inerentes. É cada vez mais frequente que os professores sejam as únicas pessoas com alguma presença constante na vida das crianças e jovens. Não admira que muitos alunos, sem qualquer envolvimento nas actividades lectivas, continuem a preferir a escola à casa onde moram, pois aí encontram sempre alguém que os ouve e sobretudo tem amigos para conviverem.      

 

3. Políticos

A educação é uma daquelas áreas da Governação onde todos se sentem com conhecimento para opinar. Como todos os políticos passaram pelos bancos das escolas onde foram compelidos a trabalhar, esta experiência segundo os próprios, deu-lhes legitimidade para intervir no sistema educativo deixando nele a sua marca. 

Desde 1974 que o ensino em Portugal se tornou num campo de experiências e de "marcas" de mais de duas dezenas de Governos. O resultado é uma organização caótica, perdulária de recursos, apoiada numa legislação labiríntica. Como se tudo isto não bastasse, os sucessivos governos foram encaixando no Ministério da Educação milhares de indivíduos cuja única competência reconhecível é servirem os vários partidos políticos.

A chamada "opinião pública", sobretudo depois de 1986, tem vindo a exigir melhores resultados escolares da população e uma maior eficácia na domesticação das crianças e dos jovens. A comparação dos resultados estatísticos sobre educação de Portugal com os outros países da União Europeia ou mesma da OCDE são sistematicamente desfavoráveis ao país. O comportamento desviante de crianças e jovens tornou-se também num sério problema social.

O que fazer? A quem imputar responsabilidades ?

a ) Durante algum tempo, o PS e o PSD, os dois partidos que se alternam no poder, acusaram-se mutuamente pelo falhanço nas políticas educativas. O discurso deixou de produzir qualquer efeito, porque ambos são os responsáveis desde 1974 pelas políticas que tem sido seguidas.      

b ) A responsabilização dos pais é algo que nenhum governo se atreve a fazer, sobretudo quando apela ao aumento da produtividade nas  empresas e  desregulamenta as relações laborais. O aumento da produtividade parece passar unicamente por trabalhadores mais disponíveis, flexíveis e sobretudo sem preocupações com os filhos. A educação das crianças e dos jovens passou a ser uma incumbência dos Estados liberais de forma libertar a mão-de-obra para o trabalho.

c ) A responsabilização dos alunos, neste contexto, é também algo difícil de conceber. O sistema económico afastou-os dos pais e entregou-os ao Estado. As escolas públicas passaram a cumprir as múltiplas tarefas que antes pertenciam às famílias, como a alimentação, socialização, educação moral, etc. O funcionamento da economia assim o exige.

Face a este panorama, a maioria dos políticos e dos pais centrou os seus discursos na responsabilização dos professores. Eles tornaram-se nos únicos responsáveis pelos resultados escolares dos alunos, mas também das políticas educativas, investimentos feitos na educação, etc..  

Esta responsabilização dos professores pela formação "integral" das crianças e dos jovens implicou uma secundarização do saber nas escolas, pois os professores passaram a desempenhar múltiplas tarefas, nomeadamente de cariz burocrático. A sua autonomia tradicionalmente baseada no saber que possuem foi limitada. Atomizados os professores tornaram-se mais fáceis de manobrar.  

 

4. Professores

As várias políticas educativas conduziram os docentes a assumirem um crescente número de funções que são em si mesmas insustentáveis, e que no futuro tenderão a provocar a sua crescente demissão:

Aceitaram sem grande contestação dezenas de "reformas educativas" que transformaram o ensino público num verdadeiro caos, e depois aceitaram ser avaliados pelos seus resultados.

Aceitaram como normal a secundarização dos saberes cujo domínio e transmissão era suposto serem o cerne da sua competência profissional. Grande parte das funções que os professores passaram a exercer nas escolas não estão ligadas às suas competências académicas.

Aceitaram a missão impossível de "substituir" as funções tradicionais das famílias, nomeadamente na educação moral das crianças e jovens. Ao tentarem fazê-lo ficaram sem legitimidade para puderem responsabilizar os pais pela sua demissão do seu papel natural, mas também para denunciar a transformação que os vários governos estavam a provocar nas escolas públicas. 

O que é que terá levado os professores a aceitarem esta situação ? As respostas são múltiplas, mas as mais evidentes parecem-se ser as seguintes:

a ) O contacto quotidiano com os problemas vividos por inúmeras crianças e jovens dos mais diversos estratos sociais, conduziu os professores a envolverem-se numa série tarefas que ultrapassam em muitos as suas competências profissionais. A feminização do corpo docente terá eventualmente acentuado esta tendência. 

b ) A profissão docente passou a ter um sentido demasiado lato, não se cingindo aos saberes académicos. Ao fim de pouco no exercício de docência, qualquer professor se apercebe que a sua profissão está votada ao fracasso. Dificilmente consegue transmitir o que sabe, e o que lhe é pedido é algo que nenhuma escola do mundo o pode ensinar. A desilusão acaba por ocorrer quando se apercebe que nenhum professor está preparado ou possui autonomia para lidar com todas estas situações.  

Significado de uma Manifestação

No dia 8 de Março de 2008, mais de 100.000 professores das escolas públicas portuguesas vieram para a rua manifestarem a sua indignação pelas políticas educativas que o governo do Partido Socialista está a prosseguir. Apesar da natural diversidade das motivações que os animava havia uma convicção comum a todos eles: É tempo de acabar com a imputação dos maus resultados escolares apenas aos professores, é preciso começar também a responsabilizar os bandos de políticos incompetentes e os pais que se demitiram das suas funções.   

 

 

Carlos Fontes, Março de 2008

Carlos Fontes

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