Política Cultural - O que Mudou ?

 

As expectativas eram elevadas na área da Cultura, em Outubro de 1995, quando o Partido Socialista venceu as eleições. A intenção de criar um Ministério da Cultura e a preservação das gravuras rupestres no Vale do Côa, com o subsequente anúncio da criação de um Parque Arqueológico, prenunciava uma nova etapa na vida cultural portuguesa, porventura mais profícua.

Desde logo, Manuel Maria Carrilho, um filósofo pragmático em funções de ministro, fez questão de separar as águas. A sua política cultural era de esquerda, por oposição à anterior de direita, elaborada por um "ignorante" da lavra de Cavaco Silva, e executada por um "mentecapto" como Santana Lopes. Ao longo dos últimos 20 meses ainda não conseguiu todavia, definir os conteúdos desta política, emanada de um pensamento de esquerda que ninguém vê, a não ser Eduardo Prado Coelho, em Paris. Vantagens de se estar longe.

Neste sentido, só resta ao comum dos mortais perceber as diferenças a partir da análise das manifestações fenoménicas da nova política e, compará-las depois com as anteriores. Tarefa nada fácil para um leigo, exigindo um fastidioso programa de investigação husserliana.

A primeira questão decorre da análise do próprio conceito de "política cultural de esquerda" que nos remete para uma instrumentalização da cultura ao serviço de um governo que se reclama deste quadrante político. Nada contudo adiantamos neste domínio, dado que estamos em plena continuidade de políticas culturais, pelo menos desde a célebre "política do espírito" de António Ferro, que também explicitou idênticos propósitos. A criação de um Ministério da Cultura, em substituição da Secretaria de Estado da Cultura que estava na dependência directa do Primeiro-Ministro, não alterou deste modo as finalidades instrumentais anteriormente prosseguidas.

Infelizmente, nada podemos avançar a partir da análise das concepções que presidiram à reestruturação interna no ministério, dado que os organismos que vão lentamente brotando, quais cogumelos, não foram precedidos de qualquer estudo ou reflexão sobre o seu enquadramento no campo cultural. Sai frustrada qualquer tentativa de ver neles uma simples emanação dos Estados Gerais do PS ou do Programa de Governo. As poucas semelhanças encontradas são meras coincidências.

Outra das questão pertinente, ainda por cima propalada como original pela actual equipa governativa, é a obrigação que o Estado tem de financiar a Cultura. Neste ponto, nada se modificou em termos formais ou substanciais. Para sermos mais rigorosos, desde 1836 que existem em Portugal políticas regulares de apoio a companhias de teatro, dança, orquestras, construção de infra-estruturas culturais, promoção e divulgação de novos valores artísticos, manifestações artística no estrangeiro, etc. O apoio do Estado à Cultura não surgiu com a criação deste ministério, nem sequer a consciência desta necessidade para a preservação e desenvolvimentos das diversas artes e criação de novos públicos.

A análise da originalidade dos programas lançados pelos diversos organismos do ministério é ainda mais decepcionante. Na quase totalidade limitam-se à simples continuidade ou repescagem de projectos anteriores.

O que parece todavia constituir uma subtil diferença, está na forma como os financiamentos são feitos, isto é, tendem a ser exclusivamente a fundo perdido sem se exigir quaisquer contrapartidas, nomeadamente a apresentação de resultados. Outra pequena diferença parece residir, também, na definição de critérios de ilegibilidade para a concessão de subsídios, sem previamente se ter definido qualquer estratégia para as diversas áreas apoiadas.

Ao nível do discurso ministerial, algumas temáticas, trazem inesperados esclarecimentos a esta questão. É sobremaneira notório que Carrilho manifesta uma reacção epidérmica contra tudo aquilo que poderia ser denominado, por "cultura popular", identificada subliminarmente agora com a "cultura SIC" ou a "cultura Pimba", isto é, com tudo o que envolve grandes audiências. A confirmar-se esta hipótese de trabalho, a caça às bruxas, em relação a todos os que se envolvem no apuramento de audiências no teatro ou no cinema, por exemplo, constitui um sintoma desta fobia. Por arrastamento, todos aqueles que foram associados a êxitos que tiveram grandes audiências no teatro, como Filipe La Féria, ou mesmo a Companhia de Animação de Setubal (TAS), são por analogia inseridos no mesmo grupo a abater.

Para concluir:  onde Carrilho parece ser autêntico é em reduzir a política cultural ao domínio da retórica discursiva. Numa já célebre entrevista ao jornal Expresso (97.4.5), enunciou uma máxima notável: em política, pouco contam os resultados reais das acções, mas sim, aquilo que a comunicação social deles diz. É obvio que não é original, se tivermos em conta o que um antigo professor de Coimbra disse a propósito do "ser" e do "parecer" em política, mas a actualização ao mundo comunicacional dos nossos dias é notável.

1997.6.4

Carlos Fontes

 


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