A Nova Retórica Política. Santana Lopes e Carrilho

 

A preocupação central do país, no inicio da década de 90, continuou a ser com a sua projecção na cena Europeia e a criação de infra-estruturas culturais, devolvendo à iniciativa privada a produção cultural. 

Cavaco Silva (PSD), a 6/10/1991, conquista uma nova maioria absoluta e forma um novo governo (XII Governo Constitucional). Entre as novas caras do seu governo surge um polémico secretário de estado da cultura.

A nomeação de Pedro Santana Lopes (1991) foi a tentativa de pôr fim a um processo que se arrastava desde 1980, cujo objectivo era pautar a política cultural do país por padrões internacionais, ajustando-a a uma economia de mercado global. No ano em que é empossado, as teses liberais estavam no seu auge. Helena Vaz da Silva, então empossada presidente da Comissão Nacional para a UNESCO, declara-se publicamente favorável à extinção da SEC.

Pacheco Pereira, então um destacado ideólogo do PSD, perfilha a ideia que a acção do Estado se devia restringir apenas à conservação do património. O certo é  que Pedro Santana Lopes assume claramente a missão de acabar com o que restava do intervencionismo do Estado na produção cultural. Entre os organismos que então são extintos, contava-se obviamente a DGAC (1992),  o último grande símbolo da política cultural entre 1974 e 1980.

A campanha difamatória que o mesmo é alvo na comunicação social, se por um lado decorria da devassa pública da sua vida privada, por outro, revelava a importância que a política, e nomeadamente  a cultura, enquanto espectáculo, estava a assumir, numa altura que os principais orgãos de comunicação social haviam sido já privatizados. Reflectindo aliás esta crescente preocupação, pela primeira, fez-se neste organismo um recrutamento sistemático de dirigentes públicos entre profissionais ligados de uma forma ou outra à comunicação social. Os investimentos a comprar o trabalho de jornalistas ou a publicitar a acção do governo atingiram elevados montantes.

O Partido Socialista, liderado por António Guterres, ganha as eleições de Outubro de 1995. O novo governo no domínio da cultura prossegue, sem grandes mudanças, a política cultural do anterior. A preocupação com a comunicação social, sobretudo a “administração da visibilidade” passou a ser estudada milimetricamente.

O novo ministro, Manuel Maria Carrilho, filósofo e especialista em retórica revela desde logo, uma atenção particular ao impacto dos média na política, onde o ser e o parecer frequentemente se confundem. Os investimentos são redobrados  não apenas em publicidade, mas também no recrutamento de dirigentes ou colaboradores com acesso aos orgãos de comunicação social.

O que importa agora é assinalar que a política cultural recusa-se mais do que nunca a fazer cedências à cultura popular. A prioridade da afirmação de uma imagem da cultura portuguesa como um cultura cosmopolita, determina todas as grandes opções políticas. Um dos casos que melhor a ilustra é justamente a questão das  audiências como um factor a ter em conta nos apoios estatais. No caso do teatro, o anterior regulamento exigia que os grupos subsidiados realizassem um número mínimo de espectáculos, e um dado nível de audiências. O objectivo implícito era atingir a maior difusão possível junto do público. O novo Governo não apenas anula estes mínimos exigíveis para efeitos de financiamento, mas em declarações públicas desvaloriza a própria questão das audiências. O financiamento público da cultura deixava assim de ter como preocupação o acesso da maioria da população aos bens culturais. Doravante, existem apenas criadores, trabalhando para públicos específicos cuja dimensão deixa de ser relevante. Em termos retóricos, o Estado está mais que nunca preocupado com a qualidade estética e a contemporaneidade das obras. Neste contexto, é significativo que se tenham multiplicado os artigos na imprensa especializada sobre o papel e a importância das elites culturais.

Distante da cultura oficializada e dos seus rituais para a comunicação social, o grande público em nada alterou as práticas anteriores. Os teatros subsidiados e os museus nacionais viram os públicos diminuírem. O número de leitores nas bibliotecas públicas está longe de acompanhar os investimentos nelas realizados. Apenas os cinemas integrados em centros comerciais obtiveram melhores resultados em termos de espectadores. A cultura “Pimba” continua a desfrutar de norte a sul as preferências do grande público, nomeadamente nos canais televisivos. É neste sentido, que tendo em vista manter algum contacto com estes extractos da população, a partir de 1997, começa igualmente a financiar séries televisivas de puro entretenimento. Resta saber se se trata de um expediente momentâneo para aliciar os canais privados ou de uma mudança na política cultural.

No plano teórico, Manuel Maria Carrilho até  Março de 1999, insistiu continuamente em duas ideias fundamentais em termos de política cultural:

 a) a importância da gestão dos efeitos mediáticos (cfr. Entrevista ao  Expresso, 97/4/5);

b) O conteúdo de “Esquerda” da política que prosseguia, não tendo todavia, logrado esclarecer em que é que a mesma consistia.

Mais recentemente, noutra entrevista dada ao jornal O Independente ( 26/2/1999) foi mais sistemático. A política cultural devia assentar em três pressupostos básicos: Um: “O consumo foi integrado noutras formas, a sociedade é agora uma sociedade de informação”. Informação ou Mercadoria tornaram-se faces da mesma moeda. Dois: “Já não estamos numa sociedade de massas- não porque tenha deixado de haver massificação, mas porque a matriz hoje é o indivíduo”. A produção abandonou a ideia da produção em massa, para procurar agora atender públicos específicos, as necessidades individualizadas. A cultura deve orientar-se para consumidores específicos, não para massas indistintas.  Três: “Deixamos de estar numa sociedade de normas para estarmos numa sociedade claramente lúdica”. A cultura como mercadoria tornaram-se indistintas numa sociedade de diversão. A política cultural, torna-se assim numa mera produção de consumíveis, onde nunca poderemos saber onde está a verdade ou a mentira, a informação ou publicidade. Não só o ministro em questão não critica estas situações, mas recomenda-as!

António Guterres, volta ganhar as eleições legislativas de 1999, e insiste em nomear de novo Carrilho para Ministro da Cultura (28/10/1999). A insistência no mesmo erro custou-lhe caro, a ele e ao país.

Após cinco anos à frente do Ministério da Cultura (1995-2000), Carrilho começa a manifestar sérias dificuldades em produzir novas diversões.

O Ministério evidência resultados catastróficos nas suas intervenções em multiplas áreas. Apesar dos enormes investimentos em propaganda, não era possível esconder os inúmeros projectos falhados, para além de uma estrutura ministerial cara e inoperante. Era cada vez mais evidente que o Rei estava mesmo nú.

Carrilho sem mais dinheiro para distribuir, num último esforço de diversão, ainda consegue arranjar um romance com uma conhecida apresentadora televisiva (Barbara Guimarães). A sua popularidade aumentou momentaneamente, mas tudo o que não funcionava continuou sem funcionar. Revelando alguma incapacidade inventiva, acaba por pedir  a demissão em Julho de 2000.

José Sasportes, como veremos, foi o senhor ministro que se seguiu.

Lisboa, 2000

Carlos  Fontes

 


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