A Nova Cultura de Diversão

 

 

1. Da Cultura de Massas

A cultura de massas não pode ser desligada do processo de globalização. Tecnologias como as artes gráficas, a fotografia, a rádio, o cinema ou a televisão constituíram não apenas novos meios de produção e difusão da informação, mas foram sobretudo os motores que aceleraram o processo de mundialização das referências culturais.

É por isso que as utopias anarquistas do século XIX e XX, em particular a desenvolvida por P. Kropotkine, assentavam na difusão da comunicação. A difusão destes meios fariam desaparecer os Estados nacionais, criando uma sociedade de indivíduos livres e solidários.

 

Nos países mais industrializados, nos anos cinquenta dos século XX, tornaram-se nos verdadeiros mediadores das relações sociais. Mais do que em qualquer outra época histórica, o poder passou a estar ligado ao controlo da informação. A cultura de massas é inseparável de dois outros fenómenos mais recentes: a emergência da "sociedade de consumo" e da  "cultura de diversão".

1.1. A Sociedade de Consumo

A emergência da sociedade de consumo, na maioria dos países ocidentais, nos anos 60 é indissociável do aumento do rendimento familiar. Este facto permitiu expandir o consumo para níveis que não tem paralelo em qualquer outra época histórica. Assistiu-se então, ao que Jean Baudrillard caracterizará como culturalização do consumo, que encontrará no centro comercial o seu paradigma.

O Centro Comercial foi e continua a ser o principal paradigma destas novas relações. Nele o consumidor alterou de forma radical hábitos seculares de relação com os produtos e bens culturais. A "ambiência" passou a contar tanto os próprios produtos. Esta organiza-se de forma a gerar uma panóplia de desejos e diversões previamente estudados e permanentemente dinamizados.

Nos centros comerciais esbateram-se as distinções entre a obra de arte e a pasta dentífrica, entre o tratado de astronomia e a revista pornográfica, tudo é tratado como objectos para serem desfrutados pelo olhar, e consumidos depois, sobretudo pela sua relação de significação.

Em Portugal, o fenómeno só se começa a impor na década de oitenta, sobretudo depois da inauguração do Centro Comercial das Amoreiras (1985). O modelo foi rapidamente difundido por todo o país.

1.2. O aumento dos tempos livres

Uma das componentes essenciais da sociedade de consumo foi o aumento dos tempos livre, reduzindo drasticamente aquele que é ocupado no trabalho. O Direito à Preguiça de Paul Lafargue, tornou-se um valor essencial para as novas gerações.

1.3. Ética do Consumidor

A nova sociedade de consumo criou uma ética própria para os consumidores, capaz de os impelir a reproduzirem, pelo consumo, o sistema económico e produtivo que a gerou.

"O homem- ser consumidor considera-se como obrigado a gozar e como empresa de prazer e de satisfação, como determinado-a-ser-feliz, amoroso, adulador/adulado, sedutor/seduzido, participante, eufórico e dinâmico. Eis o principio de maximação através da multiplicação dos contactos e das relações, por meio do uso intensivo de sinais e objectos, por intermédio da exploração sistemática de todas as virtualidades do prazer".

Os apelos ao prazer tornaram-se o corolário dos apelos ao consumo. Ao contrário dos valores anteriores para os quais o prazer era encarado negativamente( como desperdício de tempo, recursos, energias...), o consumidor actual é obrigado a gozar, a divertir-se para que a economia se desenvolva.

É por isso, que para o desenvolvimento da sociedade se tornou vital o aumento dos tempos de lazer, ócio, na medida que os mesmo permitem aumentar as possibilidades de consumo de inutilidades, de experiências que proporcionam a descoberta de novos prazeres fundados no consumo.

1.4. A omnipresença da Diversão

Os consumidores ao passarem a ser estimulados a consumirem em doses que ultrapassam as suas capacidades de assimilação, buscaram o seu equilíbrio na diversão. Transformaram tudo num divertimento familiar ou individual. Assistir a um espectáculo de ópera, cinema, ler um romance, ouvir música, ou simplesmente consumir passou a encarado no quadro mais amplo de opções de diversão, que se realizam em qualquer momento não importa sequer a finalidade.

2. Diversão, Festa e Espectáculo

O conceito de diversão é dos mais polissémicos da cultura contemporânea. As ideias básicas não são novas, o que parece ser radicalmente novo é a dimensão integradora que a diversão passou a assumir. Durante muito tempo, o conceito de diversão esteve ligado apenas a ideia de divertimentos, como o jogo. Hoje, tende a ser encarado como uma vivência global característica da sociedade de consumo.

As fronteiras entre a diversão, as cerimónias, as festa e o espectáculo esbateram completamente.

2.1. Cerimónias

As cerimónias mediatizadas ,privadas ou publicas, sobretudo as políticas, fazem hoje parte integrante das ofertas de diversão. As cerimónias públicas, entrecortadas por anúncios, telejornais, entrevistas, estão ameaçadas no seu simbolismo pela banalização que o "continunn" televisivo que transforma tudo em paródias.

2.2. A Festa

O conceito de festa ( lat. festa dies, die de festa) é geralmente entendido como a manifestação de alegria destinada a comemorar um acontecimento importante ou a celebrar um herói ou um santo. Na festa a separação entre os actores e os participantes é ténua. A Festa tem um caracter limitado no tempo, pressupõe uma intenção previamente definida entre seus participantes. As festas populares, como os arraias ou romarias, ilustram este conceito. Apesar destas características, as festas podem constituir também momentos de diversão para os que nelas participam.

2.3. O espectáculo

No espectáculo a separação entre os actores e o público é rígida, ainda que o público seja por vezes chamado a participar. Neste sentido se distingue da festa. Como veremos, mesmo o espectáculo erudito pode ser encarado como uma diversão para a maioria dos seus espectadores.

Algumas teorias sobre o jogo, tendem a encarar os espectáculos(teatrais, cinematográficos, televisivos, desportivos, etc), como jogos por interpostas pessoas.

a) Permite o reconhecimento dos limites do jogo na realidade. O espectador cria um ulterior ecran projectivo contra as pulsões e as emoções que, vividas directamente, se arriscariam a ser destrutivas. O espectáculo torna-se assim, um alargamento dos limites do jogo.

b) Permite viver o próprio jogo. A ficção, pressuposta de todo o jogo, torna-se dúplice no espectáculo: Os espectadores identificam-se com os jogadores (...) e os jogadores com os espectadores. Os jogadores imitam uma socieade que se reflecte nos eu jogo. Dede modo, possibilita-se que o espectador entre em cena.

Certos mecanismos neste jogo, como o aplauso, permitem não apenas um reforço da identificação entre o jogador e o espectador, mas também afirmar a fronteira entre a ficção e a realidade, "escaregando-se" a tensão desta relação.

2.4. Teorias sobre a Diversão

O conceito de diversão, é como dissemos, dos mais difíceis de precisar, sobretudo porque é dificilmente objectivável, na maioria das actividades.

Aristóteles, Poética,..encara a diversão como uma catarse, na qual os individuos se libertavam dos seus temores. Montaign, Ensaios,II, afirma que a diversão é uma forma de fugir ao isolamento. Blaise Pascal, Pensamentos, fala da diversão como um processo de fuga aos infortúnios da vida e a infelicidade. Nietzsche, A Vontade de Poder, apresenta os artistas como manipuladores de emoções, excitações de pessoas insatisfeitas, procurando-lhes encher o vácuo de uma existência vazia de sentido. Recentemente, Huizinga e Norbert Elias, procuraram explicar o porquê da importância histórica que a diversão tem vido a assumir nas nossas sociedades.

Procurando fazer uma síntese deste conceitos, podemos afirmar que a diversão é indissociável, de componentes como:

a) Actividades lúdicas destinadas a proporcionar aos participantes a vivência ou experiência de emoções que lhes dão prazer. Num nível menos imediato podem contribuir para aumentar a auto-estima ou possibilitar a identificação imaginária com certos grupos sociais ou culturais de referência. Um grande número das actuais diversões, por exemplo, os jogos electrónicos, reproduzem situações imaginárias. Outras, como as danças nas discotecas ou as "raves" limitam-se apenas a criarem uma ambiência gradável para actividades grupais. A maioria dos divertimentos fazem apelo, em graus variáveis, à destreza física, capacidades individuais de desempenho, ou ainda a conhecimentos particulares ou genéricos.

b) Actividade estimuladora de posturas activas. Ao contrário dos espectáculos, os participantes são impelidos a uma interacção física com os eventos, e a abandonarem atitudes contemplativas substituindo-as por activas em função de dados cenários comportamentais pre-estabelecidos.

c) Actividade de fuga ou escape para os problemas quotidianos. Esta é a vertente mais referida pelos teóricos actuais que analisam as actividades culturais. A diversão funcionaria como uma espécie de entorpecimento voluntário, para esquecer a ausência de sentido da vida ou a sua monotonia. Num célebre Inquérito, J. Dumazedier, conclui que a maioria das pessoas iam ao cinema, numa pequena cidade de província francesa, o faziam para se libertarem, isto é, para escaparem ao "contexto familiar , romperem com a monotonia do dia-a-dia, esquecer o tedioso, "arejar" as ideias. As preferências do público íam para os filmes de distracção, com enredos simples, temáticas em torno do amor, erotismo, luta, aventura ou simplesmente para provocarem o riso.

d) Actividade de recepção primária. Um numero significativo de estudos tem posto em evidência o facto, que a simples assistência a eventos de natureza erudita, não lhes retira a componente de diversão. Para um público pouco preparado para determinadas  experiência estética, a sua recepção não passa de uma simples diversão sem qualquer conteúdo específico.

e) Ruido. Os sons emitidos pela rádio, as emissões de televisão, a música da aparelhagem, tudo pode transforma-se numa espécie de ruído de fundo, que se ouve ou vê sem se ouvir ou ver. Está lá apenas para preencher uma vazio qualquer, distrair...

3. A Osmose Cultural

Produto da a sociedade de consumo, as industrias culturais, alimentam esta cultura onde a diversão se tornou numa componente essencial. Tudo passou a ser inserido numa ambiência global de diversão, alimentado a curiosidade mais que o conhecimento, fazendo recurso a jogos, festas, espectáculos, numa ausência completa de apelos a atitudes de reflexão por parte dos participantes.

A cultura erudita, por exemplo, tornou-se num agradável ruído de fundo, que pontualmente retém a atenção dos consumidores, para logo de seguida desaparecer na profusão de novas imagens ou novos produtos culturalizados.

As diferenças entre culturas (cultura erudita, cultura popular, cultura de massas...), esbateram-se numa panóplia de produtos cujas ligeiras diferenças, são agora significantes para diferenciarem os vários grupos sociais.

4. A expansão das Industrias Culturais

A expansão destas industrias culturais está ligada a cinco movimentos de dimensão mundial.

Primeiro foram os orgãos de comunicação de massas, que transportaram a qualquer ponto da terra, imagens, sons e textos até há bem pouco tempo raras, ou apenas acessiveis a grupos restritos.

Segundo foi a consumo de massas, consagrado nos centros comerciais com as suas panóplias de produtos, onde passaram a incluir, por exemplo, galerias de arte, livrarias, discotecas, cinemas, teatros, fonotecas, artesanato...

Terceiro, ocorreu com a explosão dos acessos domésticos aos bens culturais, nomeadamente com a difusão dos aparelhos dos gira discos e dos gravadores (anos 60-70), e nos anos 80, do video doméstico, jogos electrónicos, Cds, CD-Rom, televisão por satélite, televisão por cabo, etc, uma panóplia de possibilidades que nivela todos os produtos manuseados ou manipulados.

Quarto, com o incremento de grandes áreas de diversão. Portugal acompanhou, neste caso, a movimento internacional, sem grandes desfasamentos. As discotecas, bares, pubs, desde então um forte crescimento, quer em número, quer em dimensão. Os grandes espectáculos, sobretudo os de grupos de rock internacional, ensaiaram uma mistura de música, dança, efeitos visuais, encenações colectivas dos espectadores, que ultrapassam em muito o conceito tradicional de espectáculo, e se inserem no âmbito dos divertimentos. As salas de jogos inundaram o país, só recentemente adquiriram a dimensão de panóplia. Os jogos electrónicos domésticos, com consolas ou em computadores, alteraram completamente a capacidade dos jogos tradicionais de envolvimento dos participantes. Os últimos apostam na criação de uma relação afectiva entre utilizador e a máquina. O "Tamagotchi" que simula os hábitos de uma criança, exige uma atenção permanente dos que o possuem.

Quinto, com a expansão de grandes empreendimentos de diversão colectiva, como os parques temáticos que constituem verdadeiros paraísos de uma eterna e sempre renovada diversão, sublimando os próprios centros comerciais. O Centro Comercial Colombo insere-se nesta linha.

5. As Cidades de Diversão

A criação de parques temáticos, como os da Disney nos EUA, foram o inicio da criação de grandes cidades a diversão, onde se pode sentir todas as emoções, viver todas as situações a fingir.

6. As contaminações

Toda a nossa cultura contemporânea está contaminada pela diversão, que transforma tudo em jogos para os actores, e passatempos para os espectadores. Os apelos a atitudes reflexivas estão a ser completamente secundarizados, em favor de actos ludicos de participação pré-definidos.

A educação é cada vez mais pensada em termos de diversão.

A política é cada vez mais uma encenação, onde as diferenças ideológicas tendem a esbater-se em função dos valores que a imagem que é transmitida consegue veicular.

Os museus são pensados em termos de interacções, onde as peças são secundarizadas face à panóplia de meios electrónicos que são colocados ao serviço dos visitantes.

A cultura juvenil, está a adquirir valores que enfatizam o conceito de aventura, diversão descomprometida com qualquer projecto de vida mais sólido.

A arte moderna é encarada tem sido encarada como uma diversão. Os iniciadores do processo foram movimentos, como Futurismos e o DADA, que apelaram a diversão dos espectadores. A música de Cage, ou a arte cinética consagraram esta vertente.

Carlos Fontes

1997.7.28

 


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