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1. Memórias.
Na Europa e nos EUA, as pessoas estão a voltar a olhar os muçulmanos da mesma como
há cinco século atrás, quando o avanço do islamismo era considerado
uma ameaça.
Entre os séculos VII e o
século XVI, os europeus não-muçulmanos olhavam para os povos islâmicos
como um misto de terror e sedução. Terror pelo medo que causavam as suas
incursões. Sedução pelo poder e conhecimentos que revelavam possuir.
A Ocidente, o seu avanço
pela Península Ibérica só a custo foi sustido nos Pirinéus. Seguiram-se séculos de guerras para os dominar num território que
os cristãos consideravam como seu. Só em 1492, com a conquista do Reino
de Granada, as armas sossegaram, mas não as perseguições.
A Oriente, os muçulmanos e
cristãos mantiveram-se em guerra até ao século XIX, quando se obteve algum
equilíbrio com a derrocada do Império Otomano e o crescente poder dos
países europeus não-muçulmanos.
A barbárie praticada nestas
guerras não teve
limites. As memórias destes conflitos
continuam muito vivas na memória colectiva dos povos europeus,
alimentando inúmeras histórias e tradições populares.
A expedição e as
pilhagens do ditador Napoleão Bonaparte no Egipto, em finais do século
XVIII, marcaram o início da grande humilhação do mundo árabe. Ficou
então claro a enorme superioridade das potências ocidentais face aos
reinos muçulmanos, profundamente decadentes. O século XIX e a 1ª.
metade do século XX, marcou a grande investida das potências europeias nas
regiões islamizadas que acabaram por ser transformadas em
colónias. A memória desta humilhação persiste entre os muçulmanos
até aos nossos dias.
2. Desilusão
Os povos muçulmano, após a 2ª. Guerra Mundial
(1939-1945), libertam-se do domínio colonial dos europeus. Era enorme a
esperança num renascimento da cultura islâmica, impulsionada pelos novos
países muçulmanos.
Os que possuíam importantes reservas de petróleo, como a Pérsia (Irão), Iraque,
Argélia, Líbia,
Arábia Saudita afirmaram-se desde logo como os principais líderes do
mundo islâmico. Outros, como o Kuwait, Emirados Árabes Unidos ou o Dubai,
mantiveram-se na sombra para que as suas elites pudessem desfrutar
discretamente os frutos das suas
enormes riquezas petrolíferas. A afirmação dos discursos
políticos sobre a unidade e a solidariedade da nação muçulmana estava
na ordem do dia. Todos os líderes políticos muçulmanos usaram e
abusaram deste tema.
A verdade é que no final dos anos 70 do
século XX, a desilusão era total: Os países islâmicos eram dominados
por ferozes ditaduras, cujos dirigentes viviam num fausto insultuoso.
Enquanto uma minoria delapidava enormes recursos económicos, a maioria da
população vivia na mais extrema pobreza. Milhões de muçulmanos,
sobretudo das regiões menos bafejadas pelo petróleo, não tardaram em
emigrar para as terras dos "infiéis".
3. Revolta
Perante a ausência de
perspectivas sobre o futuro, milhões de muçulmanos descrentes dos elites
dirigentes dos seus países, viram-se para os seus lideres religiosos. As
suas ideias político-morais, forjadas ao longo de séculos na guerra
santa contra os cristãos, são extremamente simples, mas muito
eficazes.
O discurso destes lideres
religiosos pouco mudou
desde o século VII, quando os reinos cristãos eram vistos como a
encarnação do mal. É para eles muito fácil, depois de tantos séculos de guerras entre
cristãos e muçulmanos, reavivar a memória das antigas lutas e
estimular ódios latentes. O seu argumento principal é muito simples: os
males que padece a grande nação muçulmana estão no Ocidente, nos
países onde predomina o cristianismo.
As elites dirigentes são
acusadas de não resolverem os problemas das populações, porque estão
ao serviço dos infiéis (leia-se países ocidentais). O Egipto é neste
ponto um caso paradigmático. Desde a independência nenhum presidente se
reformou. Todos foram assassinados por elementos ligados a movimentos religiosos
que os acusaram de estar ao serviço das potências ocidentais (EUA,
Grã-Bretanha, etc).
Devido à emigração, este
discurso ultrapassou as fronteiras dos países muçulmanos. A integração dos
imigrantes muçulmanos em países cristãos nunca foi um processo fácil. O
problema ultrapassa as diferenças religiosas. A questão de fundo está
no próprio Corão que condena explicitamente esta emigração. Os
líderes religiosos só a custo a aceitam, contribuindo desta forma para
incentivar formas de auto-segregação. Este facto acabou por possibilitar
que no interior dos próprios países ocidentais surgissem movimentos
fanáticos muçulmanos que não se identificam com a cultura dominante e
promovem o ódio contra os ocidentais.
Perante a ausência de perspectivas que se
vive na maioria dos países muçulmanos, compreende-se porque estejam a
emergir com tanta força movimentos religiosos que procurem reavivar
antigas guerras, promovendo matanças indiscriminadas, contra aquilo que
consideram ser o Grande Satã - o mundo ocidental -, responsável por
todos os males que o mundo padece.
Estas acções
criminosas constituem uma forma dos próprios muçulmanos esconderem a
sua própria incapacidade de porem fim à barbárie que reina nos seus
países, ao atribuírem a outros responsabilidades que são suas. Um
discurso promovido pelos líderes religiosos, mas que agrada também
às elites dirigentes muçulmanas.
Carlos Fontes
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