Carlos Fontes

Transmutações

1

Durante séculos o relativismo foi a bandeira da liberdade. Contra a opressão da moral dominante e da intolerância religiosa, defender uma perspectiva relativista era defender a tolerância. 

Foi à sombra do relativismo que todas as diferenças foram legitimadas. 

No final do século XX o relativismo terminou no indiferentismo. Deixou de haver regras ou valores para julgar seja o que for. Há sempre "prós" e "contras" em relação a qualquer situação. Há sempre valores a preservar, diferenças a respeitar. É por isso que proibir ou condenar se tornou um problema. Mas muito mais complicado se tornou a justificação das decisões tomadas. Por tudo isto a questão da moral se tornou tão popular. 

Assistimos hoje, segundo diversos teóricos norte-americanos  ao regresso da velha moral "natural".  Cada povo tem uma dada natureza definida pela sua religião, cultura e lugar no mundo. A linha divisória entre os bons e os maus, os superiores e os inferiores percorre sinuosa o mapa do mundo, e assenta num princípio muito simples:  O cristão, sobretudo o norte-americano é bom por natureza. O muçulmano é um perigo para a Humanidade e deve ser dominado. 

 

2

Enquanto predominaram as concepções maniqueístas foram a fonte de todas as convicções e certezas: de uma lado estavam os bons (Nós) e do outro os maus (os Outros). A luta entre "Nós"  e os "Outros" tinha a dimensão de uma luta cósmica entre as forças Ordem e as da Desordem, entre o Ser e a Ilusão. 

Quando todos os valores se dissolveram em interesses económicos, religiosos, políticos, estratégicos, tácticos e outros. Quando o "realismo" triunfou tudo aquilo que era simples complexificou-se. O que era distinto tornou-se indistinto. 

Neste tempos incertos, os velhos discursos dos maniqueos foram retomados e iluminam agora a mentes dos novos imperadores. O Nós passou a opor-se aos Outros. É por isso que George Bush afirma candidamente que o único critério existe  para distinguir a verdade da mentira, o bem do mal, é os seus interesses imediatos.

 

3

A luta contra o efémero, a "lei da morte, foi uma das grandes obsessões que marcaram as sociedades humanas. Foi assim no passado, mas não no presente. 

O  homem contemporâneo assumiu a própria efemeridade da vida e das coisas. Não cria obras para perdurarem no tempo mas para serem fruídas no momento.

Não vive a pensando na memória que de si deixará às gerações futuras, só lhe interessa o prazer do instante. A religião, a política, a arte tornaram-se num espectáculo (Guy Debord). A vida tornou-se num simulacro da própria vida (Jean Baudrillard) até se esvaziar de sentido (Gilles Lipovestsky). O excesso de imagens e informação tornaram tudo a-significante (Henri-Pierre Jeudy).

A internet apontou o último caminho: a dispersão da memória colectiva num mundo virtual.

 

 

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