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A
história oficial de Moçambique que é ensinada nas escolas, à
semelhança de qualquer outro país procura enaltecer certas
personagens que simbolizam a identidade nacional. A escolha recai,
neste caso, naturalmente sobre os negros que de uma forma ou outra
resistiram ao colonialismo. O período mais valorizado tem
sido o do final do século XIX, quando a resistência atingiu enormes
proporções. A realidade revela-se contudo muito mais complexa do que
a versão oficial, e a propaganda anti-colonialista dos anos 60 e 70.
A verdade é que a consciência
nacional destes resistentes, transformados em heróis, quase nunca
ultrapassou os limites da tribo a que pertenciam. Acontece inclusivé
que, na sua esmagadora maioria estavam estreitamente ligadas ao
tráfico de escravos e a genocídios de outras tribos. Uma das causas
aliás porque desencadearam a grande Resistência na segunda metade do
século XIX, foi precisamente pelo facto de Portugal ter proibido o tráfico
de escravos e a escravatura de africanos. Estes negreiros africanos
sentiram-se ameaçados no seu modo de vida.
Ironia do destino: -
Algumas das figuras mais odiosas para a historiografia Moçambicana,
como Mouzinho de Albuquerque, acabaram funcionar como verdadeiros
libertadores do povo, quando submeteram militarmente as tribos que se
dedicavam à pilhagem e à escravatura.
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Suaílis.Foram
no contexto da Costa Oriental de África, os grandes negreiros.
Exportavam-nos para tudo quanto era sítio (Arquipélago de Camores,
Madasgáscar, Mascarenhas, Zamzibar, Golfo Pérsico, América do
Norte, América do Sul, etc, etc).Compravam-nos em Moçambique aos
ajauas e bisas, atacavam os macuas para os fazerem escravos. Centros
suaílis como Angoche, Quintangonha, Sancul e Sangage eram na segunda
metade do século XIX, os maiores locais de exportação de escravos
da Costa Oriental de África.
No final do século XIX,
sentindo-se ameaçados no seu comércio negreiro reuniram às
tribos do norte de Moçambique para resistirem ao colonialismo português.
Nesta resistência contaram com o apoio de negreiros franceses, árabes,
ingleses, afro-portugueses, etc.
Grandes heróis suaílis,
não passavam de chefes de quadrilhas armadas que viviam da
pilhagem e do tráfico de escravos, como Mussa Quanto, Faraley
(sultanato do Angoche), Marave, Ali Amisse, Amadí Abdallah, Hassan
Molidi (xeques), Omar Sanoul, Makusi Omar (capitão-mores).
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Chicungas,
antigos escravos-guerreiros dos Senhores dos Prazos (vale do Zambézia),
formaram uma república militar independente, na Majanca da Costa
(1862-1898), onde praticaram em larga escala a escravatura das populações
moçambicanas.
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Namarrais
(ou Lómèus), por volta de 1865, cerca de 10 mil abandonaram os
Montes Namuli após os ataques dos Angonis-Guangaras, estabelecendo-se
na região da Macuana. Praticaram em larga escala a pilhagem de
caravanas e o tráfico de escravos.Os portugueses só os conseguiram
vencer por volta de 1913, pondo fim a uma longa prática de
atrocidades. Entre os heróis Namarramais, destaca-se o negreiro
Mocuto-Muno.
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Império
de Gaza (Sul de Moçambique).Formado em meados do século XIX,
praticavam o tráfico e a escravatura das populações. Gongunhane, o
último imperadores, foi de uma crueldade inaudita. Quando decidiu
fixar a sua capital no sul, escravizou e praticou um verdadeiro genocídio
dos Chopes. Entre 1889/1890, cerca de 80 mil vandaus foram obrigados a
deixarem as suas terras férteis nos planaltos para o acompanharem, na
marcha para as proximidades do vale do Limpopo. A maioria morreu nesta
atravessia. Em termos simbólicos, o Império de Gaza, e em particular
Gongunhane é apresentado como um dos símbolos maiores da
nacionalidade moçambicana.
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Macuas
(Norte de Moçambique). Os macuas foram uma das tribos africanas que
mais foi devastada pelo tráfico negreiro. Contudo, as coisas não são
igualmente assim tão simples: os seus chefes tribais, estavam
igualmente envolvidos no comércio do seus súbditos. Quando na
segunda metade do século XIX sentiram em perigo o tráfico negreiro
uniram-se aos Suaílis, Narramais e outros para se oporem à colonização
portuguesa e ao que ela significava, no contexto do tempo: o fim do tráfico
de escravos.Entre os heróis da resistência macua, destaca-se o
negreiro Muepala-Muno. |
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Á semelhança do que
aconteceu na maioria das colónias europeias, a consciência nacional
moçambicana, surgiu primeiro entre os brancos nascidos nas colónias,
os mulatos e as elites negras escolarizadas. Foram estes grupos
sociais que protagonizaram a resistência activa ao colonialismo da
Metrópole (Portugal), numa perspectiva nacional. Primeiro
limitaram-se a reinvindicar uma maior autonomia e depois a Independência.
Carlos Fontes
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