Emigração Portuguesa em Espanha

 

     
   

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Relatos de Escravos Portugueses em Espanha

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"Fuga acabou com dois anos de inferno
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Homem de Valpaços conseguiu escapar da rede e conta aquilo que passou 


"Armando era o nome de "escravo" de um homem de 32 anos , solteiro, residente numa freguesia a quatro quilómetros de Vila Real e que foi seduzido pelas promessas de um homem, de etnia cigana e da zona de Almodena, para trabalhar em Espanha a troco de "muita fortuna". Em lugar do "El Dorado", tinha à sua espera uma identidade falsa, uma vida de escravidão e muita pancada.

Desaparecido desde o dia 2 de Julho de 2002, só em 1 de Dezembro de 2004, é que Armando apareceu em casa, maltratado e só com a roupa que trazia no corpo, dias após ter iludido a vigilância aos seus sequestradores. Na aldeia onde vive, a população olha desconfiada para os forasteiros. A situação levou a que a população esteja de sobreaviso.

"Perguntaram-me se queria ir trabalhar para Espanha. Não lhe respondi. A dada altura, perguntou-me se não sabia quem queria ir. Disse-lhe que ia eu. Saí sem levar nada comigo, pois prometeu-me que ia ganhar muito dinheiro e depois me comprava roupa. Fui nessa noite num carro até à Espanha".

"Durante o Verão trabalhavam a instalar e desmontar carrosséis nas festas, arcos para iluminações e, no tempo do Outono e do Inverno, ia com mais quatro portugueses para as colheitas. "Iamos para as vindimas em Espanha e para a zona de Valpaços , onde também trabalhávamos na apanha da azeitona. As vezes o nosso "patrão", levava-nos para a região Basca, para a recolha do papel e de sucata automóvel" acrescentou.

Os aposentos eram uma cabana sempre vigiada de noite. Segundo "Armando" não deixavam sair ninguém. "Tínhamos cama, roupa e comida. Dinheiro nem vê-lo, só faziam promessas, e de vez quando lá davam um euro ou dois, para beber um copo. Eles nunca me deixaram vir embora, porque tinham medo que fosse falar demais" sublinhou.

No dia 1 de Dezembro, deu-se a evasão. " Em Valpaços , quando andávamos na apanha da azeitona consegui fugir, porque os patrões tinham ido a Espanha. Foi uma alegria que senti ".

As agressões foram várias. "Uma vez pedi a um outro português para me fazer uma carta, o patrão soube, levou-me para um camião e deu-me cabo do corpo com uma mangueira. Comigo eram quatro, e batiam-lhe também. O filho dele também andava nesta vida.

Armando conta ainda que mal chegou a Espanha lhe "entregaram um Bilhete de Identidade falso espanhol". "Obrigavam-me a deixar crescer o bigode e o cabelo, para parecer com a foto do BI". Na aldeia de onde é natural, situada na serra do Alvão, "andou no povo um carro estranho suspeitando-se que andavam á sua procura". O medo não foi embora."

J. Paulo Coutinho, Jornal de Notícias. 27/4/2005

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Santa Coloma, Logroño (Espanha): uma Aldeia de Escravos

"Notícias sobre casos de "escravatura" não surpreenderam portugueses de Logroño. Emigrantes levados por angariadores pagam bem para não ter problemas. De Bragança a Logroño são quatro horas de viagem. Um universo de oportunidades que marca a fronteira entre a pobreza de fome e o remedeio sem grandes confortos. Capital de uma região vinhateira, onde faltam braços para o árduo trabalho do campo, tornou-se, nos últimos anos, destino de muitos portugueses, principalmente transmontanos, que tentam a sorte para fugir ao desemprego. Muitos vêm apenas temporariamente e, logo que podem, regressam a Portugal. Foram enganados, agredidos e explorados. (...)  As últimas estatísticas referem 2.130 portugueses na região de La Rioja. Uma realidade subavaliada, já que muitos não constam dos registos oficiais, e impossível de quantificar.

Nos povoados dos arredores de Logroño, já ninguém estranha a presença de portugueses. Na época das vindimas, chegam a ser milhares, vindos em autocarros e furgonetas, angariados por terras de Trás-os-Montes, mas também nas cidades de Norte a Sul do país. Antes da Páscoa, vieram muitos para fazer a poda e, daqui a cerca de um mês, outra grande leva é esperada para a desfolha.

É para estas "campanhas" que muitos são atraídos com a promessa de um salário farto por angariadores sem escrúpulos que fazem fortuna à custa de mão-de-obra escravizada. A recente detenção de 23 indivíduos portugueses de etnia cigana - acusados, entre outros crimes, de escravatura por manterem, sob sequestro e com recurso a violência, portugueses a trabalhar em Espanha em condições desumanas e sem pagamento - chocou o país mas pode não ser o suficiente para alterar o panorama. Enquanto a miséria for a única perspectiva para quem vive em zonas deprimidas, haverá sempre quem se sujeite a situações indignas e é certo que aparecerá sempre quem lucre com isso.


Notícia não surpreendeu. Em La Rioja, a notícia não surpreendeu os portugueses que cá estão. Todos sabem o que se passa, embora ninguém assuma directamente que foi ou é vítima de abusos por parte dos angariadores portugueses. Por vergonha ou medo, preferem contar as histórias na terceira pessoa, não dizer os nomes e não aparecer em fotografias. Muitos nem sequer dão conversa quando se fala do assunto.

"Se a nossa Polícia vier cá, descobre muita coisa. A Polícia espanhola também sabe, mas prefere não se meter. Por aí fora, não é difícil encontrá-los, a dormir em barracos ou mesmo nos furgões", revela um transmontano que não se quis identificar. "Já dei dinheiro a alguns para fugirem para Portugal, mas uma pessoa que queira fazer vida cá não pode arriscar-se muito. Com os gitanos não se brinca." Pormenores, prefere não contar.

A exploração tem muitos contornos. Nem sempre há quadros de sequestro, agressão e total falta de pagamento. Há outras formas, mais subtis, de explorar quem desconhece ,ou não pode reivindicar os seus direitos. Os angariadores têm várias fontes de lucro. Além de ganharem comissões chorudas sobre os ordenados dos trabalhadores que contrataram, fazem negócio também com o alojamento e refeições. "A Polícia devia prender muitos mais. E olhe que não são só ciganos. Há portugueses, como nós, que estão ricos à custa do trabalho dos outros", conta um jovem do Porto. "Eu nunca fui espancado, mas se não quiser problemas tenho de pagar bem por viver e comer aqui", continua. "Pago 300 euros pelo quarto, mas há meses em que é mais... Por vezes, vai quase o ordenado todo.".


Pagar é única opção. Sem contactos com os patrões espanhóis nem meios para arranjar emprego, pagar para trabalhar é a única opção. Andam de quinta em quinta, sem poiso fixo, dormem onde calha, levados pelos patrões portugueses. Na maioria das vezes, nem chegam a conhecer os empregadores espanhóis." (...).

Jornal de Notícias, 29/4/2005

 

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Um grande número dos escravos portugueses que tem sido referenciados a trabalhar para empresas espanholas são pessoas doentes mentais, ex-toxicodependentes ou com gravíssimas dificuldades de inserção social. Vítimas fáceis para todo o tipo de criminosos.

Comentário

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