Refugiados, Imigrantes e Globalização

 

.

 

A imagem de Aylan Kurd, o menino sírio de três anos cujo corpo deu à costa na praia turca de Bodrum, tornou-se num dos símbolos mundiais dos milhares de migrantes que todos os anos morrem a tentarem chegar à Europa. Quais as razões profundas desta catástrofe ?

1. Guerras

No final do século XX o "mundo muçulmano" passou a viver numa crescente convulsão interna que se traduziu em constantes guerras civis, guerras entre países, extermínios de populações inteiras, em particular dos não-muçulmanos, provocando continuas vagas de milhões refugiados. Os atentados de radicais muçulmanos depois de 2001 multiplicaram-se por todo o mundo.

O inicio destes conflitos é conhecido, mas o seu fim continua incerto. Alguns exemplos: Irão-Iraque (1980), Líbano (1982), Sudão (1983), Iraque-Kuwait (1990), Somália (1991),  Argélia (1991), Etiópia- Eritreia (1998), Afeganistão (segunda guerra, 2001).

O Irão depois de 1979 tem procurado expandir a sua área de influência apoiando a revolta dos movimentos chiitas contra os sunitas, em países como o Iraque, Yeman, Libano ou Síria.

No meio deste turbilhão, em 1992 ocorre na Europa a violenta guerra da Bósnia-Herzegovina onde se procurou fazer mais uma vez "limpezas étnicas" apoiadas em motivações religiosas. Os albaneses  (muçulmanos) desde 1991 tem instigado grupos militares no Kosovo, a prosseguirem o controlo desta região da Sérvia (cristãos ortodoxos).

A Invasão do Iraque pelos EUA e seus aliados (2003) tiveram o condão de aumentar a instabilidade nos países muçulmanos, dando argumentos a movimentos radicais islâmicos para ofensivas anti-ocidentais e contra comunidades cristãs, como ocorre no República Centro-Africana (2003), Chade (2005), Nigéria (2009).

O último foco de instabilidade foi a chamada "Primavera Árabe" (2010), começou na Tunísia como um sinal de esperança de democratização, mas rapidamente deu lugar à tomada do poder por grupos radicais tem espalhado o terror por outros países muçulmanos: Tunísia (2011), Líbia (2011), Egipto (2011), Bahrein (2011), Síria (2011), Iémen (2011), Mali (2011).

Outros países muçulmanos, como o Paquistão, a Turquia ou a Indonésia um forte poder militar tem conseguido dominar os movimentos de revolta e controlar os efeitos devastadores dos atentados terroristas que neles ocorrem.

O coroar desta convulsão no "Mundo Muçulmano", em 2014, assistiu-se à emergência do denominado "Estado Islâmico" na Síria e Iraque expressão da própria barbárie em nome do Islão.

         1.1. Responsabilidades

As causas desta convulsão do mundo árabe são múltiplas, destacando-se as seguintes:

- As características da própria religião muçulmana. Esta religião foi fundada no contexto de guerra e de certa forma justifica a guerra como meio para a sua expansão.

- A maioria da população nos países muçulmanos vive em condições degradantes, no entanto os seus governantes vivem num fausto escandaloso. A revolta dos pobres está sempre latente.

- Os países ocidentais (cristãos), em particular os EUA são apontados como aqueles que mantém no poder dirigentes corruptos nos países muçulmanos; Difundem uma cultura e hábitos de vida contrários à religião muçulmana; apoiam o Estado de Israel na sua agressão ao povo Palestiniano; As suas intervenções militares, alegadamente em nome da Liberdade e Democracia só tem servido para os ocidentais o controlo de recursos, à custa da destruição dos países onde ocorrem. 

Está difundida nos países muçulmanos a ideia que a causa dos seus problemas não está neles próprios, mas tem sido provocada pelos países ocidentais. Em alguns destes últimos países existe um sentimento de responsabilidade histórica por intervenções dos seus antepassados.

2. Refugiados

A Europa desde os anos 60 do século XX quem tem recebido regularmente vagas de imigrantes, mas também de refugiados de países muçulmanos. Em países como a França o seu número tornou-se particularmente expressivo a partir dos anos 80, sobretudo devido à enorme imigração dos países do Magrebe (Argélia, Marrocos, Tunisia, Saara Ocidental, Líbia).

Navio Vlora, em Agosto de 1991, carregado com 20 mil albaneses parte para Itália. Era o início das enormes vagas de imigrantes dos países muçulmanos que a todo o custo procuram chegar à União Europeia.

No inicio dos anos 90 assistiu-se a uma enorme vaga de imigrantes da Albania, a que se seguiu uma crescente vaga de tenta atravessar o Estreito de Gibraltar ou chegar a Lampedusa (Itália) em frágeis e sobrelotadas embarcações.

A partir de 2001 sucedem-se os relatos do desespero e dos naufrágios destes imigrantes e refugiados. Mais

Pouco se falou dos milhões de refugiados da guerra civil da Síria até 2014, dado que os mesmo fugiram sobretudo para o Líbano. Por outro lado, a União Europeia estava concentrada na enorme mortandade no Mediterrâneo dei migrantes e refugiados vinda do Magrebe.

A vaga que refugiados sírios que a partir de 2014 procuraram atingir a Europa, entrando pela Itália e Grécia tiveram o condão de trazer para a ordem do dia o problema. A questão é complexa e não tem uma resposta simples.

2.1. Refugiados ou imigrantes ?

O acolhimento de largas centenas de milhares de refugiados e imigrantes na UE levanta enormes problemas que não podem ser escamoteados. Um primeiro é está na própria distinção entre "refugiado" e "imigrante".

Se muitos fugiram da Síria, por exemplo, devido à guerra ou perseguições políticas e religiosas, é admissível que muitos outras pessoas aproveitem a situação para entrarem na UE evocando idênticas razões.

A maioria dos países da UE baseados tem levantado inúmeros obstáculos à entrada dos próprios refugiados.

Dentro de um camião abandonado num autoestrada a polícia austríaca descobre os cadáveres de 71 refugiados sírios: 59 homens, oito mulheres e quatro crianças. 27 de Agosto de 2015.

2.2. Tráfico de Seres Humanos

É sabido que estas vagas de refugiados e imigrantes são exploradas por organizações criminosas que atuam à escala global. Os lucros resultantes do saque destas pessoas são enormes. "Algumas estimativas dizem que o tráfico de seres humanos rende aos "empresários", globalmente, cerca de 35/40 mil milhões de dólares por ano.", afirma Nuno Rogeiro (1). Os senhores da guerra e de clãs, de África, Médio Oriente e Ásia, mas também as mafias de Itália estão envolvidas neste sórdido negócio. Sempre foi assim, neste ponto não há novidades.

Este facto tem levado alguns países da UE a olharem com alguma indiferença o drama dos refugiados, porque não querem alimentar o negócio dos traficantes de seres humanos !

2.3. O Problema do Islamismo na Europa

Um dos problemas de fundo que explica os enormes entraves ao acolhimento de refugidos é um o forte sentimento anti-islâmico que existe a UE, explorado por grupos de extrema-direita. 

Para compreendermos as raízes destes sentimentos anti-islâmicos na Europa temos que ter em conta a história de cada um dos seus países. A história da Hungria, por exemplo, foi marcada por lutas durante séculos contra o Império Otomano. No imaginário colectivo estão bem presentes estes conflitos que foram incorporados como traços da sua identidade nacional.

Está hoje muito difundida a ideia que a UE está cerca por russos e muçulmanos, os quais são uma ameaça à sua segurança.

Na Europa, os que se opõem ao acolhimento de centenas de milhares de refugiados e imigrantes muçulmanos, afirmam que os mesmos podem vir-se a tornar um problema para a segurança europeia. Os muçulmanos não se integram nas sociedades que o acolhem, e rapidamente tornam-se numa fonte de conflito, explorada por grupos radicais islâmicos. A obrigação humanitária de acolhimento dos refugiados é deste modo secundarizada pelo fantasma de hipotéticas ameaças. 

Neste sentido, países como a Grã-Bretanha, Hungria, Polónia, República Checa ,Eslováquia, Finlândia ou a Dinamarca opõem-se ao estabelecimento de quotas para acolherem refugiados (Setembro de 2015). O estatuto de refugiado deve ser concedido, segundo estes países, após terem analisado caso a caso e avaliarem todos os riscos.

Manifestação anti-islâmica do PEGIDA. Esta organização de extrema-direita alemã tem-se evidenciado pelas suas manifestações xenófobas contra os imigrantes e refugiados muçulmanos na Europa.

 

Manifestação de neonazis polacos, com uma fachada onde se pode ler: "Os imigrantes de hoje são os terroristas de amanhã”. Varsóvia, Polónia, 12/09/2015.

3. Globalização

A comunicação hoje é global pondo em confronto culturas, modos e condições de vida. Para uma parte significativa da população mundial, para a qual todos os dias são dias de luta pela sobrevivência, as imagens a que tem acesso sobre os países mais ricos do mundo tendem a despertar sentimentos de revolta pela forma como a riqueza está distribuída.

Perante esta situação não admira que muitos milhões de pessoas estejam dispostas morrer para atingir as sociedades ocidentais, aos seus olhos é a terra de todas as oportunidades. Só desta forma se pode compreender as terríveis condições a que se submetem milhões de migrantes. É todavia verdade que sempre foi assim, mas o que hoje difere é a escala e os meios utilizados.

Todas as barreiras (muros), como os erguidos em volta de Melila e Ceuta, na fronteira Bulgária com a Turquia ou na da Hungria com a Sérvia para conter a vaga de migrantes estão condenadas ao fracasso.

Melila (território espanhol encravado em Marrocos). No dia 18 de Março de 2014, mais de 500 imigrantes de origem subsahariana conseguem passar pelas enormes barreiras de arame farpado que cercam a cidade.

Muro erguido pela Bulgária na fronteira com a Turquia para conter a vaga de refugiados e imigrantes.

 

Ao longo da história muitos muros foram erguidos para impedir invasões, imigrações ou mobilidade de pessoas, como a Muralha da China (séc.VI a.C.), as Muralhas de Adriano (122-126 d.C.), Muro do Paralelo 38 (1953), Muro de Berlim (1961), Muro na Fonteira do México (2001), Muro da Cisjordania (2002),  etc. Os resultados tem sido sempre os mesmos: nada consegue conter a entrada de pessoas, mais tarde ou cedo os muros acabam por ser derrubados porque se mostraram inúteis.

Muralhas de Adriano ( 122-126 d.C.) no norte de Inglaterra. Tinham mais de 120 km e destinavam-se a impedir a entrada dos Pictos e os Escotos.

 

4. Europa Multicolor

 

A União Europeia, como aconteceu com os EUA está lentamente a tornar-se num espaço onde em liberdade, coexiste uma enorme diversidade de etnias, culturas e religiões. A sua prosperidade económica, segurança e condições de vida que oferece às suas populações torna-a naturalmente numa região do mundo onde milhões de pessoas querem viver. É naturalmente para aqui que se dirigem os que procuram melhor condições de vida, mas também aqueles que fogem da guerra, de perseguições políticas e religiosas..

 

União Europeia é não esquecer sofre de um enorme défice  demográfico. Necessita de milhões de migrantes para poder sustentar o sistema económico e social. Em países como Portugal, em alguns anos morrem mais pessoas do que aquelas de nascem, vastas regiões estão abandonadas.  Por tudo isto, podemos  dizer que estas vagas de refugiados e imigrantes são uma excelente oportunidade para minorar os problemas resultantes do défice demográfico. Esta é afinal a grande riqueza das migrações humanas: trazer gente e ideias novas.

 

No entanto, o problema de fundo está sempre no impacto destes migrantes sobre a cultura e modos de vida das sociedades de acolhimento, nomeadamente quando se tratam de refugiados e imigrantes maioritariamente islâmicos, o que é hoje sentido como uma ameaça. A história da Humanidade mostra-nos todavia que estes processos são imparáveis, o confronto e fusão de culturas acabará por acontecer.

 

Para além de todas as mudanças inevitáveis, por mais longas e dolorosas que sejam (Humberto Eco), o que importa é sabermos sempre o que é essencial ser preservado, nomeadamente o valor da dignidade humana.

Carlos Fontes

 
 

Continuação:

 

Portugal, Terra de Exilados e Refugiados ?

Os refugiados não têm escolha, tu sim.

ACNUR - UE

Desde a II Guerra Mundial que a Europa não conhecia uma vaga tão grande de refugiados. As dimensões não todavia comparáveis. Calcula-se que entre 1939 e 1948, durante e após a guerra, o número de refugiados, evacuados, deslocados, nomeadamente devido a trabalho forçados tenha atingido as 46 milhões, apenas no leste da Europa. Mais

 

 

Imigrantes Somos Todos!

Carlos Fontes

 

 

 

 E