Depois de várias tentativas desde o final de novembro de 2014, José
Sócrates aceitou, no início de junho, dar a primeira entrevista, ao DN e
à TSF desde que entrou na cadeia de Évora. O método, sujeito às normas
dos serviços prisionais, passou por várias etapas: duas visitas na
prisão, envio das perguntas por escrito (19), tendo as respostas seguido
pela mesma via, através dos advogados. Por esta razão não houve lugar a
réplica ou contraditório, apesar de algumas das afirmações o exigirem. O
texto final foi manuscrito por José Sócrates, datilografado fora da
cadeia e regressou às suas mãos para sucessivas revisões. A versão
definitiva acabou por chegar ontem, ao fim da manhã. O
ex-primeiro-ministro recusou pronunciar-se sobre as questões
relacionadas com os "empréstimos" de Carlos Santos Silva e o seu estilo
de vida, por as considerar ofensivas e na linha dos interrogatórios do
Ministério Público.
Porque é que decidiu antecipar-se à
audição com o juiz Carlos Alexandre sobre a alteração da sua medida de
coação? Não acha que pressionou a Justiça?
Que extraordinária pergunta! Crê, sinceramente, que o mero exercício
de um legítimo direito previsto na lei possa ser visto como uma pressão
sobre a justiça? Vejamos se percebo o raciocínio e até onde ele nos
leva: a ser assim, os direitos previstos na lei podem ser exercidos, mas
só devem sê-lo quando essa "justiça" de que fala não se sentir
pressionada, isto é, quando for "conveniente" para a acusação. Ao que
chegámos! Mas deixe-me chamar-lhe a atenção para um outro equívoco que
está implícito na sua pergunta. A Justiça não pode ser confundida com as
autoridades judiciárias. No direito penal há duas partes - o Estado e o
cidadão, a acusação e a defesa, e só a sua atuação em conjunto realiza a
Justiça. Porque Justiça - pelo menos a democrática - é muito mais do que
o Ministério Público (MP), ela é o processo justo, a lealdade
processual, as garantias de defesa - a Constituição. Assim, sim,
poderemos falar de Justiça sem necessidade de recorrer a aspas.
Compreende a posição do Ministério Público divulgada na
terça-feira dia 9 (de manter a prisão preventiva), depois de ter
promovido, três dias antes, a alteração da medida de coação para prisão
domiciliária com pulseira eletrónica?
Só a compreendo como expressão de um ressentimento insensato, que deu
origem a um conjunto de ilegalidades de que já toda a gente se
apercebeu, desde todos os setores da opinião pública até à comunidade
jurídica. Você repare que, com este episódio, diversos advogados
conhecidos pela sua experiência e sabedoria (estou a lembrar-me
especialmente do Dr. Paulo Sá e Cunha) abandonaram a sua tradicional
prudência e reserva e vieram explicar com toda a clareza porque a
atuação do Ministério Público e do Juiz de Instrução foi ilegal,
ilegítima e insensata. Os meus advogados, com a vantagem de conhecerem
melhor o processo, irão impugnar esta decisão e tudo ficará mais
esclarecido ainda. Só espero que não só fique esclarecida a ilegalidade
como também as causas (o ressentimento, a raiar a raiva, o amuo pueril,
a vertigem da força) do extraordinário comportamento do Ministério
Público e do Juiz de Instrução.
Como é que comenta a divulgação, nos últimos dias, da
transcrição do seu interrogatório no DCIAP, realizado a 27 de maio?
O aspeto que mais me impressionou foi a desfaçatez de se lançar sobre
os meus advogados a suspeita da divulgação. Acontece que o Ministério
Público sabe bem quem é o principal suspeito do tráfico de informações
do processo com a revista Sábado, que pertence ao mesmo grupo do Correio
da Manhã. Sabe-o através dos depoimentos, entre os quais o meu, que
foram prestados no primeiro inquérito sobre violação de segredo de
justiça aberto logo no início deste processo. Quanto ao mais, é a
paródia habitual em que se transformou o segredo de Justiça. As normas
legais que visavam proteger a investigação e o bom nome das pessoas -
valores que o sistema penal devia levar a sério - constituem, hoje, uma
arma, ilegítima mas poderosa, que alguns elementos do Ministério Público
usam para perseguir, para desacreditar, para caluniar.
Julgo que muitos têm consciência do preço que o sistema judicial está
a pagar por estes crimes. A promiscuidade de alguns elementos judiciais
com os tabloides - dá-me informações, que eu digo bem de ti - corrói e
corrompe o sistema. É um tumor que alastra e cujas metástases afetam e
contaminam o prestígio e a dignidade das instituições judiciais.
Está há seis meses em prisão preventiva. Que balanço faz do
processo?
Seis meses de prisão preventiva e sem acusação. Seis meses de uma
violenta campanha de difamação efetuada e dirigida pela acusação. Seis
meses impedido de me defender. Seis meses de ameaças e intimidação
("pessoas próximas ainda em liberdade", julgo ser a linda expressão que
usam). Seis meses de abuso, de arbítrio e mentiras. Seis meses de caça
ao homem. Ainda assim, não venceram.
Dirão, bem sei, que a lei lhes permite um ano de prisão preventiva
sem acusação. Mas nem sempre o que a lei permite, a decência autoriza.
Sejamos claros: num processo com óbvias consequências políticas e
sociais, em período pré-eleitoral; depois de deterem, prenderem e
caluniarem ao longo de seis meses, é muito revelador que não sejam
capazes de apresentar o que disseram adquirido desde início - afinal,
nem factos, nem provas, nem acusação!
Acompanhei, com curiosidade, o caso, relatado nos jornais e nas
televisões, de um nosso compatriota que estava em Timor-Leste preso há
seis meses sem acusação. Pude seguir - e partilhar - a indignação geral:
os jornalistas chocados, o governo preocupado e até uma delegação de
deputados protestou por tão evidente menosprezo dos direitos
individuais. É claro que não falta ao nosso país autoridade moral: aqui,
tais abusos seriam impensáveis e inadmissíveis. Bravo!
O Ministério Público suspeita de corrupção. A imprensa tem
falado da Parque Escolar, do TGV, de concessões rodoviárias, das casas
na Venezuela. E agora do empreendimento de Vale do Lobo e de negócios de
terrenos na OTA e em Alcochete relacionados com a localização do novo
aeroporto. Que provas é que lhe foram apresentadas?
Para a história do processo:
1 O acorde inicial - primeiro interrogatório.
Fui detido e preso sem que ao longo de uns intermináveis seis meses
me tivesse sido apresentado um único indício - digo indício, já não falo
de factos ou provas - de que tivesse praticado o crime de corrupção.
Esta situação é, em si, tão inacreditável e tão reveladora da
perseguição pessoal e política que motivou este inquérito, que poucos a
aceitaram como credível. Mas não se pode sustentar durante muito tempo
tamanho embuste. Cito o voto de vencido (em 4 de junho) do senhor
desembargador José Reis: "Sucede que, no caso, tal quadro se apresenta
manifestamente incompleto dada a total ausência de descrição de indícios
factuais que eventualmente possam integrar o crime de corrupção. Esta é
a realidade nua e crua." E prossegue:
"Debalde procuramos indícios dessa matéria no requerimento e decisão
ora recorrida (...) Ante a sua inexistência partimos para a integral
audição daquele interrogatório (...) E do que ouvimos (incluindo os
excertos de algumas das escutas telefónicas que o Ministério Público
entendeu serem relevantes passarem durante esse acto) constatámos que em
momento algum o recorrente foi confrontado com quaisquer factos ou
indícios concretos susceptíveis de integrar o crime de corrupção. E
seguramente não o foi porque (...) eles inexistem."
"Ora, a decisão em crise, tal como a promoção que a origina não
descreve um único indício factual susceptível de integrar os crimes de
corrupção."
"No fundo, este tribunal fica sem saber o que, concretamente, com
relevância criminal, se está a investigar, pelo que não pode conceder o
seu aval àquilo que desconhece. Ou seja, se se ignorarem os indícios dos
factos que se projectam demonstrar (...) não há complexidade alguma em
investigar o nada, o vazio."
Acreditam agora?
2 A fuga para a frente - segundo interrogatório.
Seis meses depois, a fuga para a frente. Não tendo até aí apresentado
nada, o procurador decide fazer acusações, como se o facto de as fazer o
dispensasse de apresentar os indícios que as legitimam e os factos e as
provas que as fundamentam. No 2.º interrogatório, passam a imputar-me a
intervenção em todos os contratos entre o Estado e a empresa Lena -
concessões rodoviárias, Parque Escolar, novo aeroporto (?!), TGV e casas
da Venezuela e fazem--no sem indicar quais contratos, quais os indícios
que legitimam as suspeitas, quais os factos que autorizam a imputação.
Perguntados, respondem com nada - silêncio embaraçado e envergonhado.
Com boas razões para ter vergonha.
Reafirmo: nunca, em nenhuma circunstância, intervim na decisão de
adjudicação destes concursos públicos. Nunca dei a nenhum ministro ou
membro do governo nenhuma orientação ou sugestão de atuação sobre a
decisão destes concursos. Estas acusações não têm um pingo de verdade.
São mentiras atrás de mentiras.
Talvez não haja melhor exemplo deste irresponsável comportamento do
que a disparatada imputação segundo a qual a revisão do PROTAL, aprovada
em 2007, foi decidida com o intuito de beneficiar o empreendimento de
Vale do Lobo. E faço notar que nada disto foi perguntado, foi afirmado;
não foi apresentado como suspeita, mas como uma acusação direta e
formal. Perguntado em que é que se baseava para fazer tão grave
acusação, o senhor procurador diz apenas que há uma "coincidência
temporal". Coincidência temporal, logo corrupção. Bravo procurador, que
não se deixa atrapalhar por saltos lógicos!
A verdade é que não tive intervenção pessoal na revisão do PROTAL nem
dei nenhuma orientação sobre tal matéria a nenhum membro do governo.
Esta revisão, que começou a ser elaborada ainda durante o mandato de
anteriores governos, foi aprovada em Conselho de Ministros tal como foi
proposta pelas várias equipas técnicas que a elaboraram. Mais e
definitivo: deste PROTAL não resultou nenhum aumento da área urbanizável
de Vale do Lobo, nem qualquer outra vantagem ou benefício para aquele
empreendimento (é, aliás, preciso não saber o que é um plano regional de
ordenamento para que tal ideia possa ocorrer). Tanto quanto sei, as
últimas construções autorizadas em Vale do Lobo foram-no por um despacho
de dois ministros feito em 1991 e um plano de pormenor aprovado em 1994.
Eis os métodos do Ministério Público em todo o esplendor: se não sabe,
não procura primeiro informar-se, perguntar, esclarecer-se; não - da
ignorância parte-se logo para a acusação e para o insulto travestido de
"imputação". Não se procura a verdade, mas o ataque, a perseguição
pessoal. E acaba tudo nos jornais.
No início da Segunda Guerra Mundial, o Estado-Maior do Exército
holandês teve uma interessante e criativa ideia: decidiu colocar, na
linha da frente, espantalhos, a fingir de soldados para, desta forma,
parecerem serem muitos aos olhos do inimigo. O comportamento do
Ministério Público fez-me lembrar esta deliciosa história porque a
tática é a mesma: falsas e disparatadas acusações para parecerem muitas
e, sendo muitas, parecem verdadeiras. Mas não são, são apenas
espantalhos. São só para fingir. Todavia, a questão aqui é esta: o
Ministério Público não tem o direito - repito, não tem o direito - de
fazer imputações sem apresentar os factos que as justificam ou as provas
que as fundamentam. Quando esquece este seu dever elementar e assim
procede não está a agir como acusador público mas como difamador e como
caluniador. E insultar e caluniar não são competências do Ministério
Público. Numa palavra, este comportamento do Ministério Público não é
sério.
Na terça-feira 9 de junho, um comunicado da PGR confirmou,
pela primeira vez, que está indiciado pela prática do crime de
"corrupção passiva para ato ilícito". Alguma vez recebeu contrapartidas,
ou tem conhecimento de elas terem sido pedidas por Carlos Santos Silva,
para a adjudicação de contratos, por exemplo, com o Grupo Lena?
Rejeito, indignado, essas acusações. Nunca, em nenhuma circunstância,
intervim ou recebi contrapartidas com o intuito de favorecer quem quer
que fosse em concursos públicos.
Quanto à segunda parte da sua pergunta - se é possível que o
engenheiro Carlos Santos Silva as pedisse em meu nome - respondo-lhe
como respondi ao Ministério Público, que me fez, curiosamente, a mesma
pergunta. Sou amigo do engenheiro Carlos Santos Silva há quarenta anos e
conheço-o bem. Ele é uma pessoa honesta e decente que nunca faria uma
coisa dessas. Se o Ministério Público anda à procura de cenários
alternativos para a acusação, não me parece que por aí tenha sorte. O
meu amigo Carlos Santos Silva está preso só pelo facto de ser meu amigo
e por me ter querido ajudar quando eu precisei.
Que provas lhe foram apresentadas sobre a existência de
contas na Suíça, com dinheiro que alegadamente terá usado?
Nenhuma prova, só acusações. Como se acusar fosse, em si, uma prova.
Mas não é. A imputação de que o dinheiro dessas contas é meu é não só
falsa como completamente estapafúrdia. Desde logo, os dados enviados
pelas autoridades suíças em resposta à carta rogatória confirmam que o
meu nome não consta em nenhum documento. Nem em transferências nem em
titularidade de qualquer tipo. Este importante facto tem sido
propositadamente escondido, sim escondido, pelo Ministério Público.
Mas há mais. Os titulares das contas deste tipo na Suíça são
obrigados por lei a declarar, no momento da abertura da conta, os nomes
de quem pode ter acesso final às contas em caso de qualquer acidente que
possa ocorrer ao primeiro titular - morte, incapacidade, etc. Há, assim,
uma obrigação de declaração inicial de uma espécie de último
beneficiário em caso de qualquer tragédia, nome ou nomes esses que não
são públicos e permanecem discretamente na ficha da conta. Ninguém, para
além dessa ou dessas pessoas, pode ter acesso ao dinheiro.
Ora, se a tese do Ministério Público fosse correta - se o senhor
engenheiro Carlos Santos Silva fosse meu "testa-de-ferro" (ou "homem de
palha", ou "cabeça de turco", como a acusação gosta de lhe chamar nos
romanceados relatos que faz para os jornais), então seria
necessariamente o meu nome que constaria como beneficiário no caso de
qualquer acidente que impedisse o titular de movimentar as contas. E
isso seria assim por uma boa razão: ninguém deixaria que uma fortuna
dessas permanecesse durante vários anos (desde, julgo eu, 2005) sem
meios de a reclamar no caso de qualquer desgraça pessoal acontecer ao
titular. A verdade é que não é o meu nome que consta de tal documento -
que, como já referi, teve de ser entregue ao banco logo na abertura da
conta, há mais de dez anos.
Eis, portanto, a implosão da tese da acusação. Porque das duas uma -
ou o engenheiro Carlos Santos Silva não é meu "testa-de-ferro" ou,
então, teria de ter não apenas um, mas vários "testas-de-ferro" - todos
os que, em caso de incapacidade do titular, podiam ter acesso ao
dinheiro. Para fantasia basta a primeira. Com a segunda passamos ao
delírio.
Numa resposta ao Tribunal da Relação, o Ministério Público
afirma que a sua acusação será feita "seguramente não antes do final do
ano". Como comenta? Parece-lhe normal?
Julgo que o senhor procurador perdeu qualquer sentido da sua
responsabilidade. Quando me deteve e prendeu assegurou que tinha contra
mim um caso sólido e fundamentado. Não disse a verdade. Passados seis
meses, diz que "a prova está consolidada". Tornou a não dizer a verdade.
Finalmente, reconhece que nem daqui a seis meses - isto é, um ano depois
de me prender - conseguirá apresentar a acusação. Tal é, resumidamente,
o relato de tão odioso processo. Findos os primeiros seis meses de
prisão, o senhor procurador não tem provas para acusar. Nem as terá
daqui a mais seis meses. Eis a extraordinária confissão: quando deteve,
fê-lo sem motivo; quando prendeu, fê-lo sem provas. O que tenho a dizer
perante esta declaração é isto: estou preparado para reduzir a zero, a
nada, qualquer acusação que me queiram fazer. Seja agora, daqui a seis
meses ou daqui a um ano. No entanto, e para ser claro, o que é grave -
muito grave - é que ao prender sem provas e ao permitir a intensa
campanha de difamação sobre mim e sobre o anterior governo do PS, o
senhor procurador autoriza a legítima suspeita de que a minha prisão
possa ter servido para condicionar as próximas eleições legislativas.
Deteve sem explicações, prendeu sem se justificar. Ao fim de seis meses,
diz que precisa de mais seis meses, para depois das eleições. Tal é o
lindo serviço que presta à Justiça - envolvê-la numa horrível suspeita
de instrumentalização política.
Já leu o livro Cercado, de Fernando Esteves?
Oh, tenham dó, por favor! Sabem o quanto me desagrada essa literatura
de valets de chambre que observa a história sempre à espera da
oportunidade de narrar o detalhe indiscreto da vida dos outros. Não, não
li. E não é o facto de falar de mim que faz abrandar o desprezo por tal
género de livro.
Há, no entanto, algo inovador nesta publicação que merece ser
referido, até porque não nos obriga a lê-la. Consiste na abertura de
novos e promissores mercados para o comércio do segredo de justiça. Já
não se trata da venalidade implícita na troca de informações em sigilo
por notícias de jornais; agora, trata-se de ganhar dinheiro
transformando essas informações em livros. É sem dúvida mais "chique".
Dizem-me, também, que o autor não agradeceu como devia a quem o
ajudou - àqueles que, tendo o processo à sua guarda, permitiram todas as
violações do segredo de justiça, sem as quais esse livro não existiria.
É uma ingratidão!
Como comenta as notícias de que não terá escrito o seu livro?
Primeiro disseram que mandei comprar o livro. Agora que nem sequer o
escrevi. Amanhã teremos de ver o mestrado. Tê-lo-ei concluído? E os
exames? Terei copiado tudo? E, afinal, alguma vez terei realmente
frequentado SciencesPo?
Eis o resultado da promiscuidade entre a justiça penal e os
tabloides. Eis no que se transformou o Ministério Público: um sinistro
aparelho de produção das mentiras mais escabrosas e destinadas às
campanhas de assassinato de carácter dos seus alvos.
Vários procuradores, que se pronunciaram no Facebook sobre a
sua prisão, vão ser alvo de inquérito disciplinar, apesar da oposição da
procuradora-geral da República. Quer comentar?
Bom, julgo que devemos ser compreensivos com este episódio. Afinal os
senhores magistrados perceberam bem que não se estavam a pronunciar
sobre um processo de justiça, mas sobre um processo político. E, assim
sendo, manifestaram-se como militantes políticos a quem é deslocado
pedir que considerem a presunção de inocência. Para o fanático só existe
a presunção de culpabilidade. Seria, creio eu, pedir demais que lhes
exigissem que se expressassem sem rancor, com racionalidade ou com
inteligência.
O mesmo esforço de compreensão devemos ter com o comportamento da
senhora procuradora--geral. Nunca entenderemos as suas declarações se
pensarmos que elas respeitam a simples representação de uma instituição
com especiais deveres com a letra da Constituição. A senhora
procuradora-geral pronunciou-se como "chefe de clã" - defendeu os seus,
com os pobres argumentos que arranjou.
O secretário-geral do PS disse no Fórum TSF do dia 8 de junho
que "o PS não pode substituir-se nem à defesa, nem à acusação, nem ao
juiz". Como é que comenta esta declaração?
Tive, ao longo de todos estes meses, a solidariedade sem falhas de
todo o PS, dos seus militantes e dos seus dirigentes. Nunca o PS me
faltou, e muito menos me faltou agora. Quanto ao resto, eu sei
defender-me.
Mas não iludamos a questão crítica neste processo. Lamento muito
dizê-lo, mas, pelas abundantes razões que expus ao longo desta
entrevista, tenho a legítima suspeita de que a verdadeira intenção da
minha detenção abusiva e da minha prisão sem fundamento não foi
perseguir crime nenhum mas tão só impedir o PS de ganhar as próximas
eleições legislativas.
Sente-se atingido pela declaração de António Costa quando
este diz que "é preciso despoluir o debate político" de casos como este?
Não esperem de mim, em período pré-eleitoral, qualquer palavra que
possa prejudicar a liderança do PS. Até porque me ficaria mal.
Ainda se sente confortável com o uso generalizado, por parte
de responsáveis políticos que comentam o seu caso, da expressão "à
justiça o que é da justiça, à política o que é da política"?
Como muitas vezes acontece, a simplicidade das fórmulas políticas
pode confundir mais do que esclarecer. É muito frequente ser difícil
distinguir o discurso da responsabilidade do da covardia e da rendição.
Em primeiro lugar não se trata de pôr em causa o princípio da separação
de poderes, mas defendê-lo. Em segundo lugar, o que está em causa não é
uma pressão política ilegítima sobre a Justiça, mas exatamente o
contrário: a fundada suspeita de pôr a justiça ao serviço de objetivos
políticos. Não encontro outra explicação para o arbítrio, o abuso e a
monstruosa injustiça de que fui vitima.
A política para si acabou?
Oh, pelo contrário. Isto ainda agora começou.",
DN/TSF, 30 de Junho de 2015