Director: Carlos Fontes

 

 

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Lado Negro de Portugal

Os portugueses adoram, entre eles, dizer mal do país. Qualquer coisa negativa é interpretada como a manifestação da decadência do país, o abandono de antigos valores tidos por fundamentais. A partir do século XIX, as elites intelectuais, passaram a profetizar também  catástrofes colectivas. Apenas os judeus tem um desporto nacional equivalente.

As visões negras sobre Portugal, ao longo dos séculos, sofreram poucas oscilações. Entre o século XV e 1974 tiveram quase sempre como pano de fundo a questão da "Missão dos Portugueses no Mundo"  e a manutenção do seu Império. Quer a "Missão" quer o Império se traziam "glória", implicavam igualmente sacrifícios e miséria para gerações de portugueses. 

1. Críticas à Expansão. Os primeiros discursos sobre o lado negro de Portugal surgiram no século XVI e decorriam de uma avaliação negativa das consequências da expansão que ainda estava em curso. 

Criticava-se o despovoamento do país e o abandono de antigos valores cristãos. Os portugueses seduzidos pelas riquezas orientais começavam a esquecer-se da "missão divina" que os levara a expandirem-se pelo mundo.  

Estas críticas reforçam a ideia que sempre que os portugueses se afastam da sua "missão", cavam a sua perdição. Gil Vicente foi um dos primeiros a enunciar esta relação, repetida a partir daqui até princípios do século XVIII.

2. Doloroso Despertar.  Após a restauração da Independência (1640), os portugueses fazem um balanço muito negativo da "União Ibérica": o país está empobrecido, o Império está quase todo nas mãos de outras potências europeias, a fabulosa armada portuguesa desaparecera, a intolerância religiosa generalizara-se. 

Portugal reconhecia-se, pela primeira vez, atrasado em relação às grandes potências europeias (Inglaterra, França, Holanda ), o que representava uma enorme desvantagem na competição que tinha que travar a nível mundial. Este atraso deixa o país em péssimas condições para enfrentar uma guerra que se esperava longa com a Espanha, a Holanda e a França.  

O Estado, dominado por fidalgos ignorantes, mostrava-se incapaz de dar o impulso que o país carecia.  

Apesar das críticas, os portugueses mostram uma enorme confiança nas suas capacidades, e profetizam para si próprios um futuro radioso - o Vº. Império, nas palavras do Padre António Vieira. De novo, voltou-se ao discurso da "Missão Divina" dos portugueses - a difusão do cristianismo -, sob a batuta da Igreja Católica (portuguesa).  

3.  Causas do Atraso. No século XVIII, os portugueses têm clara consciência que estão atrasados em relação à Europa. Existe um relativo consenso sobre as causas deste atraso: uma nobreza ociosa e perdulária, mas também a Inquisição, os jesuítas e uma infinidade de frades. António Ribeiro Sanches faz um diagnóstico demolidor da situação.

A Igreja é apontada como a principal causa do atraso. Impedira com a Inquisição a entrada de novas ideias, e continuava a ensinar falsas ideias através da Companhia de Jesus. A Intolerância religiosa persistia, afastando do país todos os que o podiam fazer progredir. 

Os recursos económicos eram consumidos e esbanjados por hordas de frades, freiras e clérigos de todo o tipo. Um terço do país pertence à Igreja Católica.   

Embora as criticas tenham sido ferozes, todos os que as faziam concordavam num ponto: se fosse aplicado a Portugal um programa de modernização, não apenas os atrasos seriam superados, mas também o Império seria salvo. A confiança no país continuava a ser enorme.

Marques de Pombal, com uma clara visão programática irá procurar modernizar o país de modo a não perder o seu Império. 

4. Decadência. O período entre 1807 e 1821 constituiu um verdadeiro trauma para os portugueses de Portugal. A familia real partiu para o Brasil, e transformou a colónia na metrópole. O Rio de Janeiro tornou-se na capital de Império Português. Enquanto o Brasil se desenvolvia, Portugal mergulhava na barbárie. Foi preciso uma revolução (1820) para obrigar D.João VI a voltar, o que fez contra a sua vontade. Portugal estava destruido por anos de guerra e nada aqui parecia fazer sentido.

Os portugueses (intelectuais) ao longo de todo o século XIX e depois durante a Iª. República  (1910-1926) confrontam de forma obsessiva Portugal com o seu passado e as grandes potências do tempo.

No primeiro confronto, perante um passado assumido como glorioso, retiram a ideia que o país vive numa fase de completa decadência. O povo não tinha energia, alma ou força anímica para sair da letargia em que se arrastava. Intelectuais como Antero de Quental, Eça de Queirós ou Oliveira Martins, afirmam que o país estava condenado a uma morte lenta, por falta de energias vitais.

No segundo confronto, constata-se de novo que era preocupante o atraso de Portugal face às grandes potências europeias. Este atraso, nomeadamente na sua dimensão tecnológica, significava que o país não tinha condições para manter militarmente o que restava do seu Império. Esta fraqueza tornou-se insuportável após o Ultimatum Inglês (1890). Portugal não se imagina então sem o seu Império. Vencer o atraso tornou-se um imperativo nacional - o regime monárquico passou a ser visto como um obstáculo ao desenvolvimento (a Monarquia será derrubada em 1910) .  

As causas profundas da decadência eram atribuídas à corrupção dos costumes, incompetência das elites dirigentes, uma organização social retrógrada e à influência negativa da Igreja. A única saída possível será através de uma profunda regeneração dos costumes e das instituições, o que só seria possível caso ocorresse uma enorme catástrofe ou revolução. Só esta regeneração salvaria o Império e o país. Uma promessa sempre adiada, pelos sucessivas governos "regeneradores".

A Iª. República pouco alterou esta ideário, conduzindo o país para uma guerra mundial (1914-1918) sob o pretexto de salvar o que restava do Império. Os custos desta operação tiveram como consequência o aumento da miséria da população, conduzindo ao descrédito e ao fim da própria República. 

5. Fatalismo. Nos discursos oficiais durante a ditadura (1926-1974), os portugueses eram apresentados com um povo pobre, mas com um enorme orgulhoso no seu vasto Império colonial, que lhes garantia a Independência e importância no contexto internacional. 

O seu atraso económico era o preço que tinham que pagar pela manutenção do Império, mas também pela continuação da sua "missão histórica " civilizacional, a sua independência, etc. Os sacrifícios eram demasiado altos, mas as recompensas divinas enormes. O ditador Salazar é muito claro a este respeito: Portugal, tal como as grandes potências da Europa Ocidental, só podia subsistir enquanto identidade histórica, se mantivesse a sua matriz cristã e imperial. Depois da 2ª. Guerra Mundial, Salazar manteve esta posição ideológica  num contexto internacional adverso, o que condicionou ainda mais o desenvolvimento do país. Desta forma, o lado negro de Portugal - a miséria em que vivia a maioria da população - era  assumido o custo que havia que pagar pela defesa dos valores "ocidentais".    

6. Mudança. Com o fim do Império, em 1975, os portugueses ficaram reduzidos à sua dimensão europeia. Pela primeira vez desde 1415 os seus problemas estão centrados num território continental e dois arquipélagos (Madeira e Açores). Embora com a democracia se sintam libertos para criticar e mudar as situações, continuam a mergulhar no lado negro de Portugal construindo as visões mais pessimistas sobre o seu futuro colectivo. A tentação para adiarem a resolução dos problemas continua a ser a norma. 

Na última década ressurgiu a questão da Identidade de Portugal e a da inviabilidade do próprio país, repetindo-se sem grande novidade velhos temas. A discussão sobre o Império está agora ausente das discussões, deixou de condicionar as soluções. As recordações saudosistas sobre os tempos gloriosos da pátria (Descobertas) apenas entusiasmam alguns. O problema é agora tratado como algo de natureza histórica.

Os males que actualmente afligem os portugueses são muito concretos: a ineficiência do sistema de educação, saúde, segurança social, justiça, ordenamento do território, etc. Nada de novo neste domínio, a não ser o facto de serem agora sistemas extremamente caros, mas com fracos resultados. Como no passado, os portugueses continuam a lamentar-se que o Estado está povoado de incompetentes e corruptos, mas aparentemente continuam sem energia para acabar com esta situação. 

As mudanças em relação ao passado são todavia profundas. As questões tem agora uma dimensão tangível, assim como as soluções. Já não se discute a questão do Império, mas da falta de eficiência do sistema criado nos últimos trinta anos. Este facto faz toda a diferença.

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Carlos Fontes

 
 

 

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