Carlos Fontes

 

 

Caravela. Navio português (séc.XV) 

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Uma Viagem pelo Mundo em Português

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Uma Longa Tradição

Estes casos parecem estar longe de serem simples factos isolados, fazem parte daquilo que muitos historiadores, sociólogos e filósofos afirmam tratar-se de uma tradição totalitária e xenófoba enraizada na cultura espanhola, cuja matriz remonta a 1492.

A xenofobia (horror a tudo o que seja estrangeiro) parecem ter profundas raízes na cultura espanhola, onde existe uma tradição histórica de exclusão ou eliminação do Outro, seja ele Muçulmano, Judeu, Índio da América, Protestante, Mestiço, Português, Marroquino, etc. 

É impressionante o número de portugueses entre 1497 e 1834 foram presos, mortos e saqueados pela Inquisição Espanhola, ultrapassando tudo o que possa imaginar entre dois povos vizinhos. Dir-se-ia que o objectivo dos espanhóis, entre 1580 e1750 era exterminar os portugueses. Mais

Muçulmanos

Os muçulmanos foram os primeiros a personificarem a imagem do Outro. A reconquista prolongou-se aqui até 1492, quando caiu o Reino de Granada. A expulsão ou extermínio de todos os mouros foi todavia um processo mais demorado, o que só veio a acontecer em 1609, quando todos os descendentes de antigos mouros passaram a ter apenas duas opções: a morte às mãos da Inquisição, ou a fuga (275 mil conseguem fugir). 

No século XVI os espanhóis avançam pelo Magrebe (Norte de África), procurando subjugar os povos que aí encontram. Marrocos só se consegue ver livre deles em 1956, quando conseguem a custa a independência, depois de séculos de matanças e ultrajes. Mas a tentativa de submeter os muçulmanos só terminou em 1975, cinco dias antes da morte de Francisco Franco Bahamonde, quando se desfizeram apressadamente do Sara Ocidental, sacrificando o povo que aí existia aos seus vizinhos (Marrocos e Mauritânia). O espírito desta gesta contra o infiel muçulmano está bem presente nos altares das igrejas espanholas, na figura do popular Santiago Mata Mouros, e na obra do Caudillo "Marruecos. Diário de una Bandeira" (1922).  

Hereges

A simples existência de hereges - os que se desviam da norma -, fazia tremer o Reino de Espanha, fundado em 1492. O dominicano espanhol Torquemada interpretou melhor que ninguém o espírito do novo país, lançando as bases da Inquisição moderna

Os inquisidores espanhóis tornam-se peritos internacionais na organização da Inquisição e em farejar os hereges. Não foi apenas na Península Ibérica que demonstraram a sua eficiência neste domínio, mas sobretudo  nos Países Baixos onde pretenderam matar toda a população considerada sumariamente herege (Protestantes). 

Em nome da defesa da Ortodoxia do catolicismo, em Espanha, ainda irão surgir mais duas organizações para a defender: A Companhia de Jesus (século XVI) e a Opus Dei (século XX). 

Judeus e Cristãos-Novos (Conversos)

A perseguição e expulsão dos judeus, em Espanha, em fins do século XV, tornou-se numa obsessão para os seus monarcas. Não apenas os expulsaram de Espanha, mas pressionaram Portugal para que o fizesse também. Durante o domínio de Portugal (1580-1640), a pilhagem e a perseguição dos cristãos-novos (conversos) atingiu o máximo da ferocidade. 

Milhares de portugueses foram vítimas da Inquisição em Espanha e nos seus domínios na América. Mais

Para mostrarem o seu desprezo pela ganância dos conquistadores espanhóis, os índios quando os aprisionavam faziam-nos engolir ouro em fusão. 

América Latina

A morte foi sempre uma paixão em Espanha, a julgar não apenas pelas corridas de touros, mas sobretudo pelos massacres que os seus conquistadores fizeram na América, à procura de Ouro e depois por um brutal sistema escravocrata que só terminou, pouco antes de Cuba se tornar Independente. Durante a ocupação destes territórios, os espanhóis mataram mais Índios do que europeus morreram em todas as guerras no século XX. Alguns, como os Dominicanos Las Casas (Relação das Viagens e Descobertas Que os Espanhóis Fizeram nas Índias Ocidentais) e António de Montesinos, ficaram tão impressionados com o extermínio que seus olhos presenciavam que pensaram que os espanhóis tencionavam acabar com a própria espécie humana.

Racismo e Mestiçagem

Ao contrário dos seus vizinhos ibéricos, a mestiçagem foi sempre considerada pelos espanhóis como um ultraje à espécie. Os historiadores situam neste país, mais concretamente nos séculos XV e XVI o nascimento das teorias racistas modernas quando em Espanha se defendeu e se tomou medidas oficiais para garantir a "limpeza do sangue" de todos os cristãos. A partir destes momento os homens passaram a ser divididos em dois grupos fundamentais: os "puros"  e os eternamente impuros (judeus, muçulmanos, etc), dado que nenhuma limpeza de sangue os seria capaz de regenerar.

 Em todos os lugares que conquistavam, os espanhóis passaram a impor um princípio sagrado: a proibição de cruzamento de raças.

Um dos mais expressivos exemplos, ocorreu em 1620, quando alarmados pela mestiçagem que estava a ocorrer em Cabo Verde, impuseram uma emigração massiva de mulheres brancas para o território. A pior das sortes em África tiveram os negros das Canárias: foram dizimados para evitar todas as tentações de mistura de raças! 

Asfixia Interna de Povos e Culturas

A Espanha tem vivido numa tentação permanente de mergulhar na xenofobia. Esta tendência é apenas contrariada pelas suas regiões periféricas que fazem fronteira com outros países: a França (Catalunha e Euskadia) e Portugal (Galiza). É nestas que a abertura cultural é tradicionalmente maior. O contacto com o Outro ( o diferente), mais intenso nestas regiões, acaba por criar entre as suas populações uma maior tolerância e abertura a outras culturas e povos.

Desenho publicado por um jornal inglês (The Guardian) representando o povo da Catalunha, com apenas a sua bandeira, enfretando a aviação espanhola. publicado

Na Catalunha, por reacção contra a intolerância espanhola, acabou por desenvolver-se um expressivo movimento anarquista, entre os quais se destacam figuras como o pedagogo Francisco Ferrer (fuzilado em 1909). A Catalunha continua a afirmar-se marginalizada pelo Estado Espanhol, lutando por todos os meios contra a sua asfixia cultural. Apesar de todas as ameaças e da repressão do estado espanhol, no dia 1 de Outubro de 2017, mais 2 milhões de catalães declararam que queriam ser independentes. O parlamento catalão, cumprindo a vontade dos seus cidadãos, declarou formalmente a independência da Catalunha (27/10/2017), seguiu-se uma vaga de prisões e perseguições por parte da Espanha.

Na Euskadi (País Basco), lutam à séculos contra a sua asfixia cultural. O filósofo Miguel Unamuno, quando o conseguiu compreender passou a apoiar activamente a causa dos nacionalistas bascos. A repressão da população atingiu aqui tais proporções que nos anos 60 acabou por levar a que surgisse uma movimento armado contra o estado Espanhol. A população viveu nesta região, durante muitas décadas, sob um clima de terror, quer provocado pelo Estado Espanhol, quer pelas acções armadas dos nacionalistas. Milhares de pessoas já morreram neste conflito, que permanece latente em Espanha.

Na Galiza, terra de Francisco Franco, mas também de Rosália de Castro, desenvolve-se um ambíguo movimento autonomista que luta pela manutenção das tradições galegas e o que resta da sua expressão linguística.

A luta empreendida pelo que resta destas antigas nações ibéricas não tem em vista a sua independência, mas algo de mais vital para a espécie humana: - impedir que se cumpra o grande desígnio dos antigos inquisidores espanhóis, o de subjugarem todos os homens a um mesmo Deus, Igreja ou Chefe. Evitar em suma o triunfo da Morte.  

Franco e Hitler em Hendaya, 23/10/1940. O ditador espanhol pede a Hitler autorização para invadir Portugal, mas ditador alemão não autoriza por temer mais um frente de batalha a ocidente.

A xenofobia é sempre uma forma de negação do Outro. O Outro é visto como uma ameaça ou a razão de todos os males, por isso deve ser aniquilado. 

Aquilo que em toda a Europa se denomina de "arrogância" espanhola é um dos seus traços culturais matriciais. O espanhol típico olha o outro como um toureiro encara um "touro": uma ameaça que deverá ser consumada na sua morte. O Outro é sentido como uma ameaça à sua própria existência. Daqui advém a recusa em aceitar o diálogo e o constante apelo à força ou à agressão despropositada. A única forma  que frequentemente chegam a conceber para aceitar o Outro é matando-o. "Viva La Morte " berravam os assassinos de Garcia Lorca. 

O melhor exemplo desta mentalidade xenófoba, ocorreu Olivença. Os espanhóis não apenas se limitarem a usurpar uma histórica vila portuguesa, em 1801, mas de forma sistemática foram aniquilando a sua população portuguesa e a sua cultura. Foram ao ponto de substituir até os próprios nomes das terras de modo a esconder o etnocídio. Após dois séculos de extermínio da população de origem portuguesa, o que restou hoje em Olivença é pouco mais do que pedras e terras portuguesas. A maioria da população hoje de Olivenza são descendentes de usurpadores, muitos dos quais ligados por laços de sangue a assassinos da população portuguesa que aí existiu.

O povo espanhol, o castelhano em particular, ao longo da história parece ter alguma dificuldade em aceitar a diversidade ou as diferenças culturais. A matriz cultural da Espanha forjou-se a partir da aniquilação dos vários reinos ibéricos. Foi este modelo que acabaram por exportar para as Américas. O melhor exemplo disso está na forma como destruíram as florescentes cultura Maia, Azeteca, Inca, etc, 

O primeiro Bispo de Miranda, no Yucatan, Diego de Landa, vangloriava-se de ter destruído todos os escritos dos maias, de forma a facilitar a afirmação das ideias dos conquistadores. Ao contrário dos saques praticados pela França em outros países,  os realizados pela Espanha não visam ser ostentados num qualquer museu (Lógica Militar), mas destruíds para anular os vestígios, referências culturais ou a própria existência do Outro (Lógica Inquisitorial). A história de Espanha está repleta destes exemplos.

Trata-se provavelmente de um retrato excessivo, como são todas as generalizações, mas é preciso recordar que o pior dos erros face à barbárie é a justamente a indiferença.

José Ortega y Gasset: Entre a Retórica Humanista e o Silêncio Cúmplice com a Barbárie  

Ortega é considerado o mais influente filósofo espanhol do século XX. Em teoria combateu a massificação das pessoas e a desumanização da arte, mas na prática assumiu uma conduta cúmplice com a ditadura franquista (Espanha)  e a salazarista (Portugal), mostrando-se indiferente à barbárie nos dois países. 

Salazar. Se este fosse morto, segundo Ortega, instalar-se-ia  o caos no país. O melhor que a população portuguesa devia fazer, na opinião deste notável filósofo, era conformar-se à barbárie.     

Ortega viveu em Lisboa entre 1942 e 1955, sempre rodeado de fervorosos defensores da ditadura salazarista.  No seu luxuoso apartamento na Avenida da República,  enquanto escreve sobre as grandes ameaças do mundo moderno, ignora o mundo que está à sua volta. Logo após a IIª. Guerra Mundial numa entrevista ao director jornal italiano - IL Giornale - manifesta apenas uma única preocupação em relação a Portugal era se os portugueses conseguissem matar o ditador.

Ao longo dos 13 anos que viveu em Portugal, período apenas interrompido por algumas estadias em Espanha, mostrou sempre de forma clara e ostensiva que desprezava tudo o que aqui acontecia no país: a luta do povo português contra a ditadura e a miséria. O seu desprezo era extensivo aos milhares de republicanos espanhóis exilados em Portugal. O seu drama não o incomodou. A única coisa que o preocupava era a protecção que lhe prestava o ditador Salazar. Nas suas visitas a Espanha, depois de 1946, Ortega procurou de forma sistemática o reconhecimento de outro ditador: Francisco Franco.

A razão da sua indiferença em relação a Portugal tem uma explicação muito simples: Ortega faz parte de uma geração de políticos e intelectuais espanhóis que impregnados de ideias totalitárias e xenófobas não concebem a existência de Portugal.  A sua existência histórica é assumida como uma "anomalia", algo que não se encaixa num discurso unitário da Península Ibérica dominada pela Espanha. A "teimosia" dos portugueses em serem independentes é sentida como uma ameaça à sua unidade de um território que a Espanha se reclama como herdeira. É por isso que Ortega tendo vivido em Portugal durante 13 anos ignora a identidade cultural e histórica do país. 

Esta concepção xenófoba muito difundida entre monárquicos, republicanos e depois falangistas espanhóis, teve uma terrível consequência política em Portugal: Ortega e outros intelectuais espanhóis, como estas atitudes, ajudaram a consolidar a ditadura salazarista, dado que esta se afirmava internamente como um bastião contra as ingerências externas, em particular contra as espanholas. .. ..
c Matriz Espanhola

Os vários reinos ibéricos até 1492 e, depois a Espanha a partir dessa data foram sempre um dos destinos históricos da emigração dos portugueses. Devido à proximidade geográfica esta emigração tem-se revestido frequentemente de uma carácter temporário. Apesar da sua proximidade são dois povos que se ignoram mutuamente. 

Portugal foi quase sempre encarado pela Espanha, como uma reserva de mão-de-obra barata, e para os seus governantes, como o melhor exemplo que podiam apresentar à população  que não eram os mais pobres da Europa. Bastava atravessar a fronteira, percorrer as aldeias e cidades de Portugal, para o menos patriota dos espanhóis obter algum consolo e melhorar a sua auto-estima. Trata-se de um argumento ideológico fortissimo para todas as regiões de Espanha que lutam pela independência. Fora deste país, na Península Ibérica, só é possível a miséria extrema.  

Ainda hoje lendo a imprensa espanhola, como El País, El Mundo, ABC, La Razon, etc, a imagem que é transmitida sobre Portugal pouco difere daquela que era difundida durante o Franquismo: um país de trogloditas (analfabetos, porcos, vagabundos, etc), criadas de servir ("Marias"), serviçais, prostitutas, etc, que devia ser varrida da Península Ibérica. Os únicos que são aceitáveis são os que trabalham para Espanha e acabam por adoptar a nacionalidade espanhola.  É por isso que muitos espanhóis que visitam Portugal pela primeira vez, esperam fazer uma viagem a um país que ainda vive no paleolítico. 

Qualquer diferença pela positiva que constatem a este estereótipo ameaça colocar em causa a sua auto-estima.

"Como Ocupar Portugal em 12 Dias"

Francisco Franco, o caudilho que governou a Espanha entre 1939 e 1975, realizou em toda a sua vida apenas um único estudo: uma tese militar sobre a invasão de Portugal em 12 dias. Trabalho que depois da 2ª. Guerra Mundial foi silenciado.  A influência deste ditador sanguinário é de tal modo forte em Espanha, que só ao fim de 30 anos de democracia uma das suas imponentes estatuas foi retirada do centro de Madrid. Nenhum governo democrático antes se aventurou a fazê-lo com medo dos protestos.  

Aos olhos dos portugueses, uma das causas do atraso económico dos país, deve-se ao facto de ter a Espanha como vizinho, com a qual possuem uma fronteira de 1.215 quilómetros de extensão. É por isso que muitos quando atravessam a fronteira pela primeira vez, esperam encontrar pela frente a pior das criaturas (um inquisidor,  um inchado negreiro recém regressado da América Latina ou um carabineiro franquista). 

A história recente entre dos dois países ibéricos, continua repleta de exemplos de racismo e arrogância dos espanhóis para com os portugueses. Pouco mudou no essencial em relação ao passado, onde uma longa história de guerras e traições acabaram por dar origem ao provérbio português: "De Espanha nem bom Vento, Nem Bom Casamento".  

Carlos Fontes

 
 

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