Carlos Fontes

 

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Itália - Portugal

 

Portugueses em Roma

 

A constante presença de portugueses em Roma, nomeadamente devido a peregrinações, despertou a necessidade de se criar um albergue e um hospital para os acolher.

 

Albergue de Dona Guiomar. Peregrina, fixou-se em Roma. Fundou por volta de 1363 um albergue para acolher portuguesas. No número 3 da Via dei Serpenti, não longe do Coliseu, ainda pode ver-se uma placa que assinala a localização deste albergue.

 

Século XV-XVI

Portugal no século XV começou a construir o seu império global, o que implicou o reforço da sua presença em Roma.

 

No século XVI ficou célebre a embaixada que D. Manuel I enviou ao papa Leão X, quando lhe ofereceu um elefante branco do Malabar "Annone" (1514), de qual temos uma escultura num jardim: a Fonte do Elefante, desenhada por Giovanni da Udine, na Villa Madama, próxima de Roma. Com o elefante foi também uma onça e o cavalo persa do rei de Ormuz.

 

Alguns testemunhos da presença portuguesa:

 

Albergue Lisbonense. Fundado pelo Cabido de Lisboa, antes de 1467, tinha a sua sede no Campo dei Fiori.

 

Albergue de Antão Martins de Chaves. Este cardeal português funda por volta de 1440 um hospício e uma igreja da nação portuguesa, no local onde será erguida a atual Igreja de Santo António dos Portugueses.

 

Igreja de S. Girolamo. O cardeal português - João Esteves de Azambuja (1340-Bruges,1415) -, fundou neste local um convento de eremitas de S. Jerónimo. Foi embaixador em Roma de D. João I junto a Bonifácio IX (1391).

 

Mosteiro de Santa Maria in Campo Aureo, atual igreja de San Pietro in Montorio de Mons Aureus. João da Silva e Meneses - beato Amadeu -, como fez a sua irmã - Beatriz da Silva - criou um ordem religiosa entre os franciscanos. Face ao êxito alcançado Sixto IV chamou-o a Roma (1471), tornando-o seu confessor e deu-lhe no ano seguinte um arruinado Mosteiro de Santa Maria in Campo Aureo. João de Meneses, através  dos contactos da sua irmã (fundadora da Ordem das Concepcionistas) conseguiu junto dos "reis católicos" os fundos necessários para a reconstrução do mosteiro.

 

Túmulo de D. Antão Martins de Chaves (-Roma,1447), bispo do Porto, cardeal-presbitero, na Basílica de São João de Latrão

A capela e o túmulo do cardeal D. Jorge Costa (- Roma,1508), o alpedrinha, na Igreja de Santa Maria do Populo (Chiesa di santa maria del popolo, capella costa). As pinturas são de Pinturicchio e as esculturas de Gian Crsitoforo Romano. Este cardeal habitou entre 1488 e 1508 o Pallazo Fiano Almagià.

Arco di Portogallo (arcus de Trofoli  ou de Tripolis e arcus triumphalis), estava situado sob a via Lata (atual via del Corso). O seu nome deriva da proximidade do Pallazo Fiano, residência de D. Jorge da Costa. Foi demolido em 1662. Dois dos seus baixos relevos estão hoje no Museu do Capitólio: Apoteosi di Sabina e Discorso di Adriano.

O túmulo do cardeal D. Pedro Fonseca (-Roma, 1422) nas catacumbas do Vaticano;


Pormenor com o retrato do Bispo de Évora - D. Garcia de Meneses

Um dos testemunhos mais interessantes desta presença está na própria Capela de Sistema (Vaticano), onde no célebre Sermão da Montanha, pintado por Cosimo Rosselli (1439-1507), surge num ameno diálogo Garcia de Meneses, bispo de Évora e Tiago de Almeida, cavaleiro português de Rodes.

Basílica de Santa Maria in Trastevere. No pórtico está aqui sepultado o cardeal Miguel da Silva  (Évora,1480-Roma,1556), um dos homens mais cultos do seu tempo. Foi bispo de Viseu, embaixador em Roma, tendo se refugiado nesta cidade devido a um conflito com D. João III. Vivia no Palácio de São Calisto (Palazzo San Callisto).

Basílica de SS Quatro Coronati (Santos Quatro Coroados), uma  das mais antigas de Roma. O Cardeal D. Henrique foi o titular desta basílica, estando as suas armas no teto.

Igreja de San Giacomo degli Spagnoli, na Piazza Navona (antiga igreja nacional de Espanha), em Roma, foi financiada pelo cristão-novo português António da Fonseca (?-1588), banqueiro, natural de Lamego (Portugal). Nesta igreja, na Capela da Ressureição (cappella della resurreizione), está a sua pedra tumular António da Fonseca e da sua esposa, Antónia Luis (1583/84). A comunidade de cristãos-novos portugueses era muito numerosa em Roma.

Academia de São Lucas (Accademia di San Luca, Roma). Fundada em 1577 contou ao longos dos anos entre os seus membros muitos artistas portugueses, como Pedro Nunes ou Vieira Lusitano (1699-1783).

 Século XVII

Face ao domínio espanhol (1580-1640), por todo o lado organizam-se formas de resistência e afirmação da nação portuguesa, de que são exemplo a criação de Santo António dos Portugueses em Madrid (1624) e em Madrid (1638).D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, em Roma, como estava previsto que acontecesse em Madrid, está representado na abóbada no célebre Milagre da Batalha de Ourique.

Restaurada a independência (1640), seguiu-se um longo período de guerra com Espanha (1640-1668), onde os portugueses procuraram o seu reconhecimento pela Santa Sé (1669) e afirmação no contexto político internacional.

Cristo aparece cruxificado a D. Afonso Henriques na Batalha de Ourique. Igreja de Santo António dos Portugueses, Roma.

Igreja e Instituto de Santo António dos Portugueses. O edifício primitivo remontava a 1440 tornara-se exiguo para acolher os peregrinos portugueses e a dignidade da sua nação. A grande mudança só ocorreu no principio do século XVII quando, numa fase e exaltação nacional em torno de D. Afonso Henriques se começou a construir uma nova igreja e hospedaria. No projecto trabalharam vários arquitectos, como Martino Longhi il Giovane (1636-1638), que realizou a fachada. A cúpula é de Carlo Rainaldi (1674-1676). O último arquitecto foi Cristoforo Schor (1697). Entre as inúmeras preciosidades desta igreja, destacamos dois monumentos: um a Manuel Pereira de Sampaio (1692-Roma,1750), embaixador de D. João V em Roma, e a Alexandre de Sousa da autoria de António Canova (1808). Na Igreja pregou, entre outros, Padre António Vieira e Luis António Verney. Mais

Capela Fonseca, na Igreja de S. Lourenzo in Lucina, executada por Bernini, para Gabriel da Fonseca (1585-1668) foi médico do Papa Inocêncio X.  Foi Professor de Medicina na Universidade “La Sapienza” durante vinte e oito anos. O seu palácio está hoje transformado num hotel (Hotel Minerva).

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Capela da Sylva, na Igreja de Santo Isidoro, dos padres irlandeses, também realizada por Bernini. Foi encomendada por Rodrigo Lopes da Silva (Lisboa,1599-Roma,1671), cavaleiro de Santiago e a sua mulher Beatriz da Silveira. Família de cristãos-novos ligada a negócios financeiros.

Biblioteca de Aquiles Estácio, que está na génese da biblioteca Vallicelliana, no Oratório dei Filippini.

Igreja de S. Salvatore in Lauro, uma das igrejas onde o Padre António Vieira fez, em 1669, fez alguns dos seus célebres sermões, neste caso sobre o tema  - "As Cinco Pedras da Funda de David" - na presença da rainha Alexandra Cristina da Suécia.

Igreja de San Marcello al Corso. O notável pintor maneirista português - Pedro Nunes (1586-1637), na sua estadia em Roma colaborou Giovanni Battista Rici  de Novara na realização de um fresco nesta Igreja (1616) e dois anos antes na decoração do Palácio do Quirinal com Annibale. No regresso a Portugal realizou em Barcelona diversas obras, nomeadamente na Capela Grande da Municipalidade (Diputació).

 

Século XVIII

O final do reinado de D. Pedro II, mas sobretudo o de D. João V, com amplos recursos económicos, permitiram aos monarcas realizarem grandes investimentos em Roma. Ficou célebre a embaixada enviada ao papa por D. João V em 1716, constituída por 5 coches temáticos e 10 de acompanhamento. Três dos conches temáticos estão no Museu Nacional dos Coches em Lisboa.

Academia Portuguesa de Belas Artes (1712-1720). Criada por D. João V, funcionou no Palazzo Magnani (via Campo Marzio). Destinava-se a facilitar a estadia e o estudo dos nossos artistas (músicos, pintores, escultores, etc) nesta cidade. Por aqui passaram músicos como Francisco António de Almeida, António Teixeira e João Rodrigues Esteves, ou pintores  e escultores como André Gonçalves, Oliveira Bernardes, Vieira Lusitano, Vieira Portuense, Domingos Sequeira, etc.

Ficou célebre desta época a expressão "Fare il portoghese" , usufruir de um serviço e não pagar. A sua origem é controversa, uns remontam a Leão X, mas outros ligam-no ao facto de no século XVIII era tanto o dinheiro que os reis de Portugal deram para Roma que bastava dizer-se que se era português para não se pagar nos espectáculos públicos, etc.

D. Pedro II, ofereceu ao papa Clemente XI uma estatua do Apóstolo São Tomé que se encontra na Basílica de São de Latrão.

D. João V contribuiu para o restauro da Basílica de Santa Maria Maior (1743).  Entre as obras que financiou a Academia da Arcádia (Accademia dell'Arcadia) é a mais conhecida em Roma.  O rei era membro desta Academia sob o nome de "Arete Melleo", graças às suas generosas doações permitiu que a Academia fixa-se, em 1723, numa das colinas de Roma (Janiculo), em Trastevere, e fossem construídos os jardins para reuniões (Bosco Parrasio). Ofereceu também, em 1727, para a Basílica de S. Pedro, uma estátua de S. Francisco de Assis, da autoria de Carlo Monaldi (1683-1760).

A Igreja de Santa Maria in Arcoeli sofreu importantes obras financiadas pelo seu embaixador - José Maria da Fonseca. No seu interior podemos na sacristia uma placa alusiva a Frei Francisco de Santo Agostinho de Macedo (1596-1681), um dos mais notáveis pensadores cristãos do seu tempo.

O cardeal Nuno da Cunha Ataíde mandou restaurar a Basílica de Santa Anastácia da qual foi titular (1721).

Basílica de Santo Apolinário nas Termas Nero-Alexandrinas, cuja obra de reconstrução 1742, recebeu um enorme apoio financeiro de Manuel Pereira Sampaio, nomeadamente dos trabalhos em mármore que encomendou a Fernando Fuga.

Entre as múltiplos testemunhos da presença portuguesa no século XVIII, um deles é quase sempre referido. No final do século, um português "Beneditto Correa" (Bento Correia) adquiriu na Piazza Augusto Imperatore, o que restava do mausoléu deste imperador e transformou-o num espaço de diversão, e mais tarde num imponente sala de espetáculos.

Convento di Santa Maria ad Nives di Palazzolo. Perto de Roma, junto ao Lago Albano, em Rocca di Papa, Frescatti, temos um magnifico convento de frades menores que foi reconstruído e enriquecido pelo bispo José Maria Ribeiro da Fonseca d`Evora (1690-1752), embaixador de D. João V e bispo do Porto. O Convento foi entre 1870 e 1910 um protetorado do Estado português, abandonado com a implantação da República, acabou privatizado (1915).

Manuel Rodrigues dos Santos (1702-1762), arquiecto português, deixou uma vasta obra em Roma. Foi o responsável pela decoração da Igreja de Santa Maria Aracoeli, concebeu a fachada de Igreja de Santa Maria Madalena (Campo Marzio), o projecto inicial da Chiesa della SS.MA Trinità degli Spagnoli, o altar de Santo André Corsini, na

chiesa del Bambin Gesù (via Urbana). Para além de Roma e arredores, deixou obras em Nápoles e Viterbo. 

Século XIX-XX

As relações muito tensas entre Portugal e a Santa Sé, nomeadamente após a extinção das Ordens Religiosas em 1834, mas também com o apoio de dado à causa da unificação de Itália, contrário aos interesses papais, acabou por provocar o desinteresse pela afirmação portuguesa em Roma. Roma só foi conquistada por Vitor Emanuel II em 1870.

Estátua a Anita Garilbadi, no Janículo, Roma. Obra de Mario Rutelli, 1932.

 Ana Maria de Jesus Ribeiro (1821-1849), mais conhecida por Anita Garibaldi era a esposa de Giuseppe Garibaldi, o herói da independência e reunificação de Itália. Anita nasceu em Santa Catarina, Brasil, no seio de uma modesta família emigrantes portugueses, oriundos dos Açores. Foi uma valente lutadora pela causa da libertação de Itália.

 

Na Via Bocca di Leone, encontramos o Hotel de Inglaterra (Hotel d’Inghilterra),onde uma lápida recorda a presença e permanência em 1855 do rei D. Pedro V e do seu irmão D. Luis, futuro rei de Portugal. D. Luis casou-se com D. Maria Pia, filha de Vitor Emanuel II, primeiro rei de Itália.

 

Duas últimas marcas da presença de Portugal em Roma devem ser destacadas: a instituição do Colégio Português de Roma (1899) e a aquisição de "Villa Lusa" (1945), residência oficial do embaixador de Portugal junto da Santa Sé, um antigo palácio de campo do papa Leão XII. A embaixada de Portugal em Itália, também em Roma, fica na Villa Barberini, Via Riccardo Zandonai, 84.

 

Vista aérea da residencial oficial do embaixador português junto do Vaticano. Roma, Via S.valentino, 9

 

Durante a Segunda Guerra Mundial é juto destacar uma figura do padre Joaquim Carreira (1908-1981), quando foi reitor do Colégio Pontifício Português (funcionou no Palácio Alberini,1900-1974), acolheu e desta forma salvou a vida a dezenas de judeus durante a ocupação nazi de Roma, entre Setembro de 1943 e Julho de 1944.

 

 

Capela de Nossa Senhora de Fátima na igreja de Santo Eugénio em Roma. Construída entre 1942 e 1951, como forma de homenagear o Papa Pio XII e difundir o culto de Fátima pelo mundo. O alto relevo é da autoria de Leopoldo de Almeida, o fresco de Martins Barata. A virgem e os pastorinhas estão acompanhados de quatro santos portugueses: Santo António, a Rainha Santa, S. Nuno e S. João de Deus.

 

Depois da queda do fascismo em Itália (1945), neste país surge diversos movimentos contraditórios em relação à ditadura a Portugal, uns apoiam-na outros contestam e apoiam os exilados portugueses que se fiam em Itália (7).

Carlos Fontes

 

 
Notas:

ROCCA, Sandra Vasco, BORGHINI, Gabriele, (Dir. de) – Giovanni V di Portogallo e la Cultura Romana del suo Tempo. Roma: Àrgos, 1995;  ROCCA, Sandra Vasco, BORGHINI, Gabriele, FERRARIS, Paola – Roma Lusitana – Lisbona Romana. Roma: Àrgos, 1990

(7) Coimbra de Matos, Vera Margarida - Portugal e Itália: relações diplomáticas (1943-1974). Lisboa. 2010

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