Navegando na Filosofia. Carlos Fontes

Curso de Educação Para a Cidadania

Formação Cívica

 

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Público - Privado . Limites e Relações

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1. A filosofia grega entendia o homem como um ser social.  O homem é um produto da cidade e só na cidade se pode realizar como Homem. Esta ideia é muito clara na célebre afirmação de Aristóteles quando afirma:  "O Homem é um animal político". 

 

A vida pública desenvolve-se em torno da praça, do mercado ou na ágora. É neste espaço público que os cidadãos se conhecem, discutem e confrontam os seus argumentos políticos.

 

O espaço privado (Oikos), isto é, aquilo a que era próprio de cada um, era visto como uma privação, algo inferior, desvalorizado face à vida pública. Nele o senhor limita-se a decidir sobre os seus problemas de subsistência, a resolver assuntos domésticos (família, escravos, etc). A posição e participação na vida privada, como é evidente, dependia da autonomia da vida privada. Só o cidadão livre, que não necessitava de trabalhar é que tinha o direito a participar na vida pública. 

 

 

2. Uma das mais importantes contribuições do romanos para o direito e a política, foi terem desenvolvido o conceito de direito privado que regulava os direitos das famílias, da propriedade privada, dos contratos e testamentos entre os membros da sociedade romana. Estabeleceram deste modo, uma distinção entre:

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- Domínio Público: o que diz respeito ao Estado;

- Domínio Privado: o que diz respeito à vida das famílias e dos indivíduos e só estes têm competências para intervir. 

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Esta distinção foi retomada e desenvolvida ao longo da Idade Moderna (séculos XVI-XVIII). A questão central do espaço privado centrou-se em torno da liberdade individual (liberdade de expressão e de religião). Até que ponto era legitimo ao Estado interferir e controlar as acções dos indivíduos ?.

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3. Contra as interferências dos Estados nas vida dos cidadãos, filósofos como John Locke, defendem uma clara delimitação entre o que é do domínio público e aquilo que é do domínio privado. 

O domínio público é tudo aquilo que pode afectar directamente outros cidadãos.

O privado o que é matéria de consciência de cada um, como por exemplo as crenças religiosas, mas também aquilo que decorra fora dos olhos dos restantes cidadãos e não tenha para os mesmos qualquer implicação. Defende-se o estabelecimento de limites à intervenção do Estado na vida privada.

Os movimentos políticos, segundo uma tradição que remontava à antiga Grécia, valorizaram os espaços públicos como locais de debate das questões que a todos dizem respeito. É neles que se forma a Opinião Pública, que procura influenciar as decisões tomadas pelo Estado

Os debates nas praças públicas, nos clubes e cafés, mas também as discussões que ocorriam nos jornais tiveram  um papel fundamental na criação de um espaço público democrático intermédio entre a sociedade e o Estado. Foi neles que surgiram os movimentos políticos que impulsionaram as grandes revoluções democráticas que desde o inicio do século XVIII alteram progressivamente os regimes na Europa e no mundo. 

A "Opinião Pública" afirma-se como a "voz" que julga, aprova ou desaprova as decisões políticas. A única autoridade do Estado legitima era a que assentava em princípios reconhecidos e aceites pelos cidadãos.

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Estes movimentos políticos foram acompanhados pela valorização da esfera privada. Trata-se de um processo histórico ligado à valorização do trabalho, do amor romântico e da família nuclear, a que muito se deveu também a melhoria do conforto doméstico, e a generalização do ócio e do consumo. A vida privada, e com ela a intimidade passou a ter inúmeros atractivos antes inexistentes. Os cidadãos passaram a defender a intimidade e a privacidade como um bem precioso, afirmando a sua autonomia face ao Estado.

 

4. Se os meios de comunicação social, no inicio permitiram ampliar as correntes de opinião públicas, não tardaram a partir do século XIX a tentarem substituírem-se aos próprios cidadãos na formação das ideias políticas.

 

5. A primeira metade do século XX foi caracterizada por gigantesca operações de domínio do espaço público por parte dos regimes autoritários. As grandes praças ficaram associadas a manifestações de propaganda de massas. Os cidadãos viram-se privados de muitos dos espaços públicos. A imprensa (controlada) procurava deliberadamente manipular a opinião dos cidadãos. 

 

6 . Nas últimas décadas do século XX, nas sociedades economicamente mais desenvolvidas, tem-se assistido a um progressivo desinteresse dos cidadãos pelo espaço público, isto é, pela intervenção na vida pública. As razões deste fenómeno são múltiplas: 

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a) a massificação das nossas sociedades, onde os cidadãos são tratados como meros consumidores, bombardeados continuamente por uma publicidade manipuladora das consciências. 

b) o debate público foi substituído por simulacros de debates criados pelas rádios e as televisões, onde personagens escolhidas em função de interesses ocultos são apresentadas como representantes das várias correntes de opinião que existem numa dada sociedade; 

c) o apuramento de consensos através de debates públicos foi substituído por sondagens à opinião pública; 

d) a participação dos cidadãos na esfera pública foi drasticamente limitada às épocas eleitorais. A intervenção do cidadãos é totalmente controlada pelas máquinas partidárias. 

O resultado de tudo isto foi o progressivo afastamento dos cidadãos da esfera pública e da intervenção cívica.  

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7. O cenário de um afastamento total dos cidadãos da esfera pública não parece ter qualquer fundamento. Na verdade, assiste-se actualmente ao surgimento de de novos espaços públicos como a Internet. Neste meio de comunicação e informação, os cidadãos de todo o mundo estão a descobrir também novas formas de debaterem as questões públicas locais ou globais, e já mostraram que são capazes de formar importantes correntes de opinião e intervir de forma eficaz na esfera pública.  

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Carlos Fontes

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