Navegando na Filosofia. Carlos Fontes

Quais são os principais problemas colocados na abordagem filosófica do conhecimento?

Como é que o racionalismo e o empirismo explicam a origem do conhecimento?

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Síntese da Matéria

Origem do Conhecimento

Racionalismo (Descartes), Empirismo (David Hume) e Criticismo (E. Kant)

 

Origem do Conhecimento

 

Qual a origem do conhecimento: a razão ou a experiência? 

   

       Algumas respostas filosóficas:

 

1. Racionalismo

 

       Para o racionalismo a razão é a fonte principal do conhecimento. O conhecimento sensível é considerado enganador. Por isso, as representações da razão são as mais certas, e as únicas que podem conduzir ao  conhecimento logicamente necessário e universalmente válido. 

        A razão é capaz de conhecer a estrutura da realidade a partir de princípios puros da própria razão. A ordenação lógica do mundo permite compreender a sua estrutura de forma dedutiva. O racionalismo segue, neste aspecto, o modelo matemático de dedução a partir de um reduzido número de axiomas.

        Os racionalistas partem do princípio que o sujeito cognoscente é activo e, ao criar uma representação de qualquer objecto real, está a submete-lo às suas estruturas ideias.

       Entre os filósofos que assumiram uma perspectiva racionalista do conhecimento, destacam-se Platão, René Descartes (1596-1650), Spinoza (1632 -1677) e Leibniz (1646-1716), partem do princípio que possuímos  ideias inatas e que é a realidade é uma construção da razão.

René Descartes, pintura de Frans Hals, 1648

 

      a) Descartes é considerado o fundador do racionalismo moderno. As fases da sua filosofia podem ser resumidas da seguinte maneira:

      

      - Objetivo: atingir verdades indiscutíveis, deduzidas logicamente, a partir de uma evidência irrefutável.

      

       - Dúvida Metódica: Para atingir um conhecimento absoluto, tem que eliminar tudo o que seja susceptível de dúvida. Nesse sentido, começa por suspender todos os conhecimentos susceptíveis de serem postos em causa. Descobre que todos os dados do sentidos o podem enganar.

    

       - Primeira Evidência. Ao pôr tudo em dúvida, e enquanto o faz, descobre que a única coisa que resiste à própria duvida é a razão. Esta seria a primeira verdade absoluta da filosofia. "Eu penso, logo existo" (cogito).

 

        - Ideias inatas. Descobre ainda que possuímos ideias, como a ideia de perfeição, que se impõem à razão como verdadeiras, mas que não derivam da experiência, nem foram por nós criadas. Atribui a sua criação a Deus (prova da existência de Deus).   

       

       - Deus garantia da verdade. Sendo a bondade um dos atributos de Deus, certamente que Ele não nos engana, logo as ideias inatas são verdadeiras. Deus é assim, a garantia da possibilidade do acesso à verdade.

     

       - Dualismo. Deduz uma divisão nas coisas:

        Aquilo cuja existência se revelou irrefutável, corresponde à res cogitans, isto é, à razão ("pensamento", "espírito", "alma" ou "entendimento"). Apresenta-se como inextensa e livre.

        Aquilo cuja existência e determinação levanta dúvidas, corresponde à res extensa, isto é, ao mundo exterior (corpos físicos). Os corpos são determinadas pela sua extensão, movimento, forma, tamanho, quantidade, lugar e tempo. O mundo fisico é assim des-espiritualizado, pois está submetido às leis da física, mecânicas.

 

       -Dedução. Só com base nestas ideias claras e distintas, segundo Descartes, se poderia construir por dedução um conhecimento universal e necessário.  

 

Mais

 

2. Empirismo

 

       Para o empirismo a experiência é a fonte de todo o conhecimento, mas também o seu limite. Os empiristas negam a existência de ideias inatas, como defendiam Platão e Descartes. A mente está vazia antes de receber qualquer tipo de informação proveniente dos sentidos. Todo o conhecimento sobre as coisas, mesmo aquele em que  se elabora leis universais, provém da experiência, por isso mesmo, só é válido dentro dos limites do observável. 

        Os empiristas reservam para a razão a função de uma mera organização de dados da experiência sensível, sendo as ideias ou conceitos da razão simples cópias ou combinações de  dados provenientes da experiência.  

Entre os filosófos que assumiram uma perspectiva empirista destacam-se John Locke (1632 -1704) e David Hume (1711-1776).  

 

       a ) Locke afirma que o conhecimento começa do particular para o geral, da impressões sensoriais para a razão. O espírito humano é uma espécie de "tábua rasa" , onde se irão gravar as impressões provenientes do mundo exterior. Não há ideias nem princípios inatos. Nenhum ser humano por mais genial que seja é capaz de de construir ou inventar ideias, e nem sequer é capaz de destruir as que existem. As ideias, quer sejam provenientes das sensações, quer provenham da reflexão, têm sempre na experiência a sua origem. As ideias complexas não são mais do que combinações realizadas pelo entendimento de ideias simples formadas a partir da recepção dos dados empíricos. A experiência é não apenas a origem de todas as ideias, mas também o seu limite. 

David Hume, pintura de Allan Ramsay (1713-1784)

 

      b) Hume rejeita, como Locke o inatismo carteseano. As ideias são o resultado de uma reflexão das impressões (sensações) recebidas das experiências sensíveis. A imaginação permite-nos associar ideias simples entre si para formar ideias complexas. 

 

Exemplo de ideias simples decorrentes das impressões: vermelho, tomates, macio.

Exemplo da formação de ideias complexas a partir de ideias simples: os tomates são vermelhos e macios.

 

Qualquer ideia tem assim origem em impressões sensoriais. As impressões não nos dão a realidade, mas são a própria realidade. Por isso podemos dizer que as mesmas são verdadeiras ou falsas. As ideias só são verdadeiras se procederam de impressões. Neste sentido, todas aquelas que não correspondam a impressões sensíveis são falsas ou meras ficções, como é o caso das ideias de "substância espírito", "causalidade", pois não correspondem a algo que exista.

 

 

 

Tipos de Conhecimento segundo Hume:

         Distingue dois tipos de conhecimento:

1. Conhecimento resultante das relações entre ideias. Nesta categoria inclui a aritmética, a algebra e geometria. Estamos perante raciocínios demonstrativos, cujas conclusões são independentes da realidade e se apresentam como necessárias.  

 

2. Conhecimento resultante da relação entre factos.Estes raciocínios são indutivos, logo apenas prováveis. Correspondem em geral a relações de causa-efeito.  

A Questão da Causalidade segundo Hume

Introduz um dado novo nas teses empiristas quando afirma que a identidade entre a ordem das coisas e a ordem das ideias resulta de hábitos mentais ou na crença que existe uma ligação necessária entre os fenómenos. A ligação causal entre os fenómenos não é algo que possa ser observado. O que observamos é uma sucessão cronológica de fenómenos, em que uns são anteriores a outros. 

 

Esta sucessão leva-nos a concluir que o acontecimento A foi causado pelo acontecimento B, mas o que efectivamente observamos foi que o primeiro se seguiu ao segundo. Não observámos a relação causal entre os fenómenos. A ligação que estabelecemos, segundo Hume, resulta de um hábito.

 

Acreditamos que a natureza é regida por leis invariáveis de causa-efeito, mas tal não passa de uma ilusão. Embora no passado uma dada sucessão de acontecimentos se possa ter verificado, nada nos garante que no futuro tal venha a acontecer. Apesar disso continuamos a afirmá-lo como se fosse uma certeza absoluta.O nosso conhecimento está alicerçado em crenças. Os fundamentos da ciência são deste modo de natureza psicológica.

 

Esta critica ao conceito da causalidade irá ter profundas repercussões em filósofos posteriores, como I.Kant (1724-1804).

Cepticismo 

 

Hume acaba por cair numa posição céptica sobre o conhecimento.

( 1 ) Estamos limitados pela experiência, e por consequência tudo aquilo que não possa ser observado, não existe. O conhecimento da natureza deve fundar-se exclusivamente em impressões que dela temos. Desta premissa decorre o seu cepticismo: o homem não pode conhecer ou saber nada do universo. Só conhece as suas próprias impressões ou ideias e as relações que estabelece entre elas por hábito. Tudo o que o homem sabe, por discurso racional, acerca do universo se deve única e exclusivamente à crença, que é um sentimento não racional. A razão está limitada no seu poder.    

 

( 2 ) Questiona o princípio da causalidade em que se baseiam as ciências da natureza, pois não passa de uma crença.

(3 ) Questiona também os fundamentos lógicos da indução, ao afirmar que pelo facto de algo ter acontecido muitas vezes no passado, não significa que venha a acontecer no futuro. O futuro não existe e como tal não é do domínio do conhecimento. 

      O debate histórico entre racionalistas e empiristas, em final do século XVIII, conduziu ao criticismo que procurou superar as limitações de ambas as correntes filosóficas.

 

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Racionalismo e Empirismo - Perspectiva Histórica

 

 

 

 

3. Criticismo

 

      4.3.1. Kant (1724-1804). Todo o conhecimento inicia-se com a experiência, mas este é organizado pelas estruturas a priori do sujeito. Segundo Kant  o conhecimento é a síntese do dado na nossa sensibilidade (fenómeno) e daquilo que o nosso entendimento produz por si (conceitos). O conhecimento nunca é pois, o conhecimento das coisas "em si", mas das coisas "em nós". 

 

 

 

       "O que podemos conhecer?" esta foi a questão inicial que orientou a sua investigação. Ao contrário dos empiristas, afirmou que a mente humana não era uma "folha em branco", mas sim constituída por um conjunto de estruturas inatas que recebiam, filtravam, davam forma e interpretavam as impressões externas.

 

        a) Sensibilidade

A sensibilidade é uma faculdade que nos permite receber ou perceber objectos mediante impressões (sensações) através dos sentidos externos. Estas impressões são percepcionadas no espaço e no tempo, formas puras (vazias) que fazem parte das estruturas cognitivas inatas do sujeito. Elas são a condição indispensável para que possamos ter acesso ao conhecimento sensível (empírico). 

 

        b) Entendimento

         O entendimento é uma faculdade que nos permite dar forma, unificar e ordenar os dados recebidos da sensibilidade. Para produzir conhecimentos (juízos) utiliza 12 categorias (causa, substância, etc), cuja função é estabelecer relações entre fenómenos (julgamentos). Os juízos são pois operações de interpretação e organização dos dados sensoriais. O conhecimento resulta da aplicação destas categorias (conceitos puros) à experiência. 

 

        Classificou os juízos em três tipos: 

 

        - Juízos Analíticos. Ex. "O triângulo tem três lados". O predicado está contido sujeito. Trata-se de um juízo a priori, isto é, não está dependente da experiência. Este tipo de juízo é universal e necessário.

 

        - Juízos Sintéticos. Ex."Os lisboetas medem mais do que 1,3 metros de altura". O predicado acrescenta elementos novos ao sujeito. Trata-se de um juízo a posteriori, pois assenta em dados da experiência e carece da mesma como comprova. Este tipo de juízo não é universal, nem necessário.

 

        - Juízos Sintéticos a priori (a sua principal inovação teórica). Ex. "Uma recta é a menor distância entre dois pontos". Este juízo acrescenta algo de novo ao sujeito, mas não está dependente da experiência. Este tipo de juízo é universal e necessário. 

  

        c) Razão

        A razão tem a função de sintetizar os conhecimentos, dando-lhes uma unidade mais elevada. Não trabalha sobre os conhecimentos sensoriais, mas sobre os juízos do entendimento. Elabora juízos dos juízos, produzindo "ideias" que  ultrapassam os limites da experiência.

        

       d) Fenómeno/Númeno

       A teoria do conhecimento de Kant estabelece uma clara distinção entre "fenómeno" e "númeno".

 

       - O Fenómeno ("aquilo que se manifesta") corresponde à realidade empírica, produzindo nos nosso sentidos impressões (sensações). É o limite de todo o conhecimento possível. Kant neste ponto concorda com os empiristas.

 

       - O Númeno ("noúmeno" ), isto é, a "coisa em si mesma" corresponde aquilo que os nossos sentidos não percebem, a nossa estrutura inata apenas nos permite aceder aquilo que delas se manifesta aos sentidos (o fenómeno). É impossível, conhecer as coisas que estão para além dos dados dos sentidos, como seja a alma, o mundo (como totalidade) ou Deus. A Metafísica é impossível como ciência.  Embora não tenhamos a possibilidade de conhecer as coisas em si mesmas, podemos todavia através da razão tentar compreendê-las.

       

       Esta distinção permitiu-lhe distinguir e delimitar os domínios da Ciência e os da Religião. A Ciência está confinada ao mundo físico, à experiência sensível, cabendo-lhe produzir o conhecimento. A Religião foi remetida para uma dimensão supra-sensível, o númeno. Não produz conhecimento, mas ajuda-nos a compreender o sentido da nossa existência e do mundo.   

 

       f) Crítica

 

       A teoria do conhecimento de Kant tem sido bastante contestada, num ponto central: a subjectividade do conhecimento. 

       Não admite um conhecimento puramente objectiva, pois o mesmo está sempre condicionado pela subjectividade do sujeito. Todo o nosso conhecimento está à partida condicionado pelas estruturas transcendentais (a priori), pelas intuições do espaço e do tempo, as formas mentais das nossas categorias do entendimento. Unicamente conhecemos o que com estas "formas" se objectiva. Trata-se de uma profunda limitação que é difícil de justificar e aceitar.

        

 

       4.3.2. Perspectivas Contemporâneas. Alguns filósofos contemporâneos defendem que o conhecimento resulta de uma interacção entre o sujeito e a experiência. Entre eles, destaca-se Jean Piaget.

 

        Piaget, como vimos, desenvolveu uma concepção construtivista do conhecimento. O conhecimento é indissociável da acção do sujeito. Não é pois uma simples registo feito pelo sujeito dos dados do mundo exterior. O sujeito apreende e interpreta o mundo através das suas estruturas cognitivas. Estas estruturas não são todavia inatas, mas são formadas pelo sujeito na sua acção. O conhecimento é assim um processo de construção de estruturas que permitem ao sujeito apreender e interpretar a realidade.  

  

Carlos Fontes 

Carlos Fontes

 11º Ano - Programa de Filosofia  

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