A Reforma do Secundário (1997-2002)

Carlos Fontes

1 Estamos numa época de balanços sobre o sistema de ensino. Quanto ao aumento número de alunos é consensual que o saldo é positivo. Estamos finalmente na "Era" da escola de massas. O insucesso escolar apesar de ser em termos relativos o mesmo que no passado, tem hoje uma escala muito superior, constituindo por isso, um grave problema social.

- Apesar de todas as facilidades criadas para a passagem dos alunos, continuam as elevadas taxas de abandono antes do cumprimento da escolaridade obrigatória ou de repetências em todos os níveis de ensino.

-É manifesta a deficiente preparação dos alunos em competências básicas, como o domínio da língua materna ou da matemática.

- Face à permanente indisciplina nas escolas e à crescente indiferença face à res pública (coisa pública), muitos são os que apontam o dedo acusador às escolas por terem feito muito pouco na educação cívica de sucessivas gerações.

2 A Reforma do ensino secundário, iniciada em 1989, é cada vez mais evidente que redundou num verdadeiro fracasso. Tome-se como exemplo as suas duas principais inovações, a Área Escola e os Cursos Tecnológicos.

- A Área -Escola com a qual se pretendia fomentar a aquisição de competências transversais, nomeadamente hábitos de trabalho em grupo, morreu na mais completa indiferença. É certo que em muitas escolas se fizeram experiências interessantes, mas nunca passaram de casos isolados. A responsabilidade pelo sucedido é repartida pelos diversos protagonistas escolares, excluindo os alunos. O Ministério da Educação foi neste aspecto o principal responsável, nomeadamente porque impôs às escolas um sistema de avaliação que condicionava desde logo o envolvimento dos alunos na área escola. Mas as culpas são também atribuídas aos professores porque, em geral, partilham de "culturas" há muito instaladas nas escolas, que reagem mal a todas as práticas de interdisciplinaridade.

- Os Cursos Tecnológicos que estavam destinados a constituírem uma alternativa credível aos cursos gerais do secundário (preparatórios para o ensino superior), acabaram por não cumprirem a sua missão. Não foi apenas por registarem as mais elevadas taxas de repetência e abandono do ensino secundário, nem sequer por serem procurados sobretudo pelos grupos sociais mais desfavorecidos. Estes cursos falharam em primeiro lugar porque nunca se afirmaram no mercado de trabalho, e em segundo porque face aos cursos gerais dão uma mais deficiente preparação a todos aqueles que querem prosseguirem os estudos.

3 A Nova Proposta de Revisão Curricular do Ensino Secundário, cuja discussão formalmente se iniciou em Fevereiro de 1997, apesar de conter algumas potencialidades continua a insistir em muitos erros anteriores, contribuindo até, em certos casos, para os agravar.

3.1 Finalidades do Ensino Secundário

A escola de massas para cujos os novos currículos se destinam, deixou de ter como prioridade a formação de pessoas, ou mesmo cidadãos. Tem finalidades muitos pragmáticas, isto é, limita-se a preparar os alunos para o ingresso em cursos superiores ou para o mercado de trabalho. Tudo o mais é secundarizado.

3.2. Estrutura dos Cursos

Com enorme clareza, o que é uma virtude neste caso, aponta-se para o facto de todos os cursos assentarem numa estrutura comum: uma formação geral, uma formação específica e uma área de projecto.

A formação geral, reduz-se à transmissão duma cultura geral mínima, julgada indispensável para sobreviver numa sociedade globalizada, multicultural, multilinguistica, ou multi qualquer coisa. Seria interessante que o documento tivesse prosseguido o trabalho, e à semelhança do que aconteceu noutros países, identificasse também os conhecimentos básicos que qualquer cidadão devia possuir no final do secundário. Por exemplo, quais os nomes das grandes obras que formaram a cultura ocidental, as personalidades mais importantes e outras coisas congéneres. Então sim, o trabalho estaria completo, e os professores teriam o perfil ideal do aluno que venha a concluir o novo secundário.

A formação específica é, em qualquer perspectiva que seja encarada, uma formação condicionada pelas exigências de preparação dos alunos para o prosseguimento de estudos, ou para a integração na "vida activa", vulgo, mercado de trabalho.

A área de projecto constituiu um espaço de práticas transversais, não apenas para a concretização de saberes adquiridos, mas sobretudo para o desenvolvimento de atitudes.

3.3. As Disciplinas Nucleares

Os novos currículos assentam no seu núcleo fundamental em cinco disciplinas: o português, uma língua estrangeira (o mesmo é dizer, o inglês), a filosofia, a educação física e a área de projecto.

A lógica subjacente a esta escolha é demasiado simples para ser levada a sério. As duas primeiras disciplinas, o Português e o Inglês, decorrem da necessidade dos alunos adquirirem competências linguística, imprescindíveis face aos desafios da globalização.

A Educação Física funciona neste contexto curricular como um espaço da descompressão das energias acumuladas, dentro e fora da escola. Infelizmente pouco mais se avança neste domínio.

A Filosofia e a Àrea de Projecto são as únicas disciplinas que assumem uma vocação transversal, interdisciplinar, e de certa forma estruturante nos diferentes cursos .

A Filosofia é encarada à maneira de Victor Cousin como o espaço propiciador da reflexão crítica e de síntese dos saberes. Em suma é a última oportunidade dada aos alunos para construírem uma síntese de todos conhecimentos adquiridos, antes de mergulharem no mundo da especializações, quer nos cursos superiores, quer no mercado de trabalho.

A àrea de projecto - inspirada no "método dos projectos" de John Dewey - , procura despertar o desejo de saber através da realização de actividades práticas. É pena que esta a filosofia educativa de John Dewey não seja sequer referenciada. Evitava-se certos equívocos, e avançava-se mais na discussão. Não se cometia também o disparate de atribuir a responsabilidade exclusiva da sua coordenação aos professores das disciplinas específicas.

3.4. A Diversidade de Cursos

A afim de contentarem todos os sectores, vulgo "grupos de pressão", o leque de cursos foi aumentado. Os cursos gerais são agora 7 (sete) e os tecnológicos 14 (catorze). Este aumento, que não facilita a escolha dos alunos que chegam ao fim do 9º ano, mas que tem contudo a grande vantagem de empurrar as escolas para a especialização num leque restrito de cursos. Deixa de ser possível a qualquer escola contemplar todos os cursos existentes. Esta pode ser afinal a grande novidade desta reforma curricular, sobretudo pelos efeitos que tende a provocar no sistema educativo.

4. As Novas Escolas Secundárias

Ao contrário do que o documento distribuído pelo Departamento do Ensino Secundário afirma, o modo como foi conduzido o processo de autonomia das escolas não as preparou para a concretização da nova reforma curricular, mas sim para o seu fracasso. As escolas "autonómicas" não estão hoje mais abertas ao exterior que anteriormente, pelo contrário, estão concentradas na resolução de meros problemas internos de gestão de sensibilidades ancoradas nos diversos orgãos. A reunião dos diversos grupos disciplinares em Departamentos, não melhorou a colaboração entre os professores, e muito menos a interdisciplinaridade. O resultado tem sido a instauração de uma colaboração burocrática, contribuindo para desligar os docentes dos alunos.

É pois necessário voltar a repensar a gestão das escolas, fazendo o que não foi feito no ensino secundário, nomeadamente fixar um conjunto de compromissos simples e se possível mensuráveis que todas as escolas públicas deveriam garantir. A título de exemplo:

- Mediatecas a funcionar durante o horário escolar, com pessoal afecto a tempo inteiro;

- Criação de um programa de ocupações permanentes para os alunos que não têm aulas;

- Aulas de apoio obrigatórias nas disciplinas que registem elevadas percentagens de negativas;

Em termos mais gerais, corrigir alguns erros do sistema, tais como:

- Organização de Departamentos vocacionados para a coordenação permanente dos diversos tipos de cursos do secundário, tendo em vista acabar com tratamento indiferenciado dos cursos gerais e tecnológicos, assegurando não apenas a sua coerência, mas sobretudo criando as condições mínimas para um mais eficaz acompanhamento do percurso escolar dos alunos;

- Substituir o actual sistema de directores de turma por tutores. Tudo recomenda que assim o seja. À medida que os alunos passam mais tempo nas escolas, é preciso também criar formas cada vez mais estáveis e adequadas para os acompanhar e ajudar na orientação dos seus percursos escolares. Um director de turma que muda todos os anos é uma aberração do sistema. A referência não pode ser a turma, mas o aluno.

- Abolição do actual sistema avaliação, nomeadamente para efeitos de aquisição de médias para ingresso nas universidades. Esta é aliás a única medida coerente com a autonomia universitária. Compete à Universidades a selecção dos seus alunos, tendo em conta os cursos secundários que julgarem mais adequados.

Por hoje ficamos por aqui. Voltaremos em breve ao tema.

Carlos Fontes, 2000