Modelos de Formação de Professores em Portugal

Carlos Fontes

 

O conceito de modelo de formação aqui utilizado, inspira-se no conceito de paradigma T.S.Khun, devendo ser entendido como  um artefacto intelectual que nos permite agrupar e dar inteligibilidade a uma multiplicidade de comportamentos ou fenómenos  dispersos, em suma, as problemáticas que são compartilhadas pela comunidade científica. Estas construções teóricas pressupõem alguns parâmetros fundamentais: 

a ) Conceptualização teórica - Exigência de pensar o real e encontrar para ele uma explicação plausível;

b ) Crítica - Exigência de elaborar um discurso sobre o real, que ponha a descoberto as relações que são estabelecidas entre o que é observado e a explicações encontradas; 

c ) Normatividade - A exigência de no interior do modelo apreender os comportamentos esperados e identificar os que lhe são estranhos; 

d ) Operatório - A exigência que a aplicação do modelo contenha um certo número de tarefas a realizar, que permitam validar a sua maior ou menor eficácia explicativa dos fenómenos.

  Estes modelos não são hegemónicos, mas exprimem as tendências dominantes. No nosso percurso sobre os modelos de formação de professores, procuramos evidenciar o facto que cada modelo um comporta um dado ideal de escola, de currículo, de perfil de professor ou de aluno, mas também do próprio processo de aprendizagem, ou em termos mais genéricos, de sociedade.  É por esta razão que não nos limitamos a fazer uma simples evolução por as "normas" ( o ensino normal), mas foi nossa intenção dar conta das políticas educativas e as principais correntes pedagógicas. Elas estão de forma mais ou menos evidente pressupostas nos vários modelos.   

Escola Mútua / Escola Regeneradora / Escola Progressiva / Escola Nova / Escola Nacionalista / Escola na Encruzilhada /Escola em Mudança / Escola da Diversidade

 

Escola Mútua 

1816-1843

 

Nas primeiras décadas do século XIX, a sociedade portuguesa vivia um período de completa desorganização, em grande parte resultante das invasões napoleónicas (1807-9), e das lutas subsequentes entre absolutistas e liberais que conduziram o país a uma longa guerra civil. Estas contínuas guerras e conflitos políticos deixaram o país depauperado. 

O sistema de ensino criado no século XVIII, apesar de penúria de meios sobrevive ,e regista mesmo algumas inovações, como a criação de uma rede de escolas militares de primeiras letras (1815-1823). A revolução liberal de 1820, procurou igualmente melhorar o sistema aumentando, por exemplo, o número de escolas masculinas e femininas, melhorou as condições salariais dos professores e das suas respectivas carreiras.

O ensino mútuo foi introduzido em Portugal pelas escolas militares de primeiras letras, em 1815, que procuravam dar resposta à necessidade que o exército sentia de corpos  subalternos alfabetizados. Coube a João Crisostómo de Couto e  Melo a adaptação deste método de ensino, criado em Inglaterra, ao sistema de ensino português. É da sua autoria a maioria das regras, manuais e outros material escolar então utilizados nas escolas militares. Uma das maiores originalidades deste método, como assinala Rogério Fernandes, constituía também a sua fraqueza, e residia no facto de adoptar a ortografia fonética em prejuízo da etimológica, o que contribuía para a confusão ortográfica num  país onde não existia norma oficial.  Era um método de ensino, baseado em continuas actividades, dirigido a grandes massas de alunos, onde os mais aptos serviam de professores aos menos aptos.  A formação estava rigidamente programada, e fazia-se por repetição colectiva, tantas vezes quantas as julgadas necessárias para a interiorização dos conhecimentos. Ao professor competia planear as várias aulas, instruir os mais aptos e dirigir e inspeccionar os trabalhos. 

A primeira escola normal de ensino mútuo foi criada em 1816, em Belém (Lisboa), tendo funcionado até 1823. A formação destes professores era muito rudimentar no campo da leitura, da escrita e do cálculo. No campo pedagógico aprendiam o método através  da observação e da experimentação. Em 1823, agora sob a orientação de João José Le Coq, abre uma nova escola normal de ensino mútuo masculina, em Lisboa, na Casa Pia, e que teve uma vida atribulada até 1836. Neste ano pela Lei 15 de Novembro de 1836 são criadas, no papel, escolas normais de ensino mútuo em todas as capitais de distrito. Este método de ensino continuava oficialmente recomendado. Contudo, como refere António Nóvoa, o método estava longe de ser aplicado na sua pureza original, sofrendo muitas adaptações. Apenas cerca de dois terços dos professores usam-no, nesta altura, mas já sob as mais diversas formas.  

Ao longo de todo o século XIX a esmagadora maioria dos professores das primeiras letras  não possuía qualquer formação pedagógica. Até 1901 continuaram a existir duas vias de acesso ao professado primário:

1. A frequência de uma escola normal, ou de habilitação para o magistério primário.

2. A realização de um exame público de habilitação para o magistério primário.

A existência destas duas modalidades contribuía para desvalorizar a importância da própria formação pedagógica. O problema central do Governo tendia a centrar-se nos critérios do recrutamento dos candidatos.

No ensino secundário os professores não tinham quaisquer formação pedagógica, bastava-lhes apenas fazerem prova de possuírem os conhecimentos necessários para ministrarem uma dada disciplina. O ensino baseava-se na repetição exaustiva de matérias.

 Escola Regeneradora 

1844-1880

 

A consolidação do regime liberal e da burguesia no poder, afirma-se com clareza no Cabralismo. O Fontismo estabelece como prioridade a industrialização do país, e consequente necessidade de desenvolver a alfabetização e formação de técnicos. 

Na década de 60 assinala-se o aparecimento do militantismo educativo, no qual a escola é vista como o meio de regeneração da sociedade portuguesa, recuperando do seu atraso ancestral. José Félix Henriques Nogueira, António Feliciano de Castilho, António da Costa, João de Deus e tantos outros são algumas figuras emblemáticas deste movimento.    

O sistema de ensino neste período regista uma enorme expansão, nomeadamente nos níveis superiores.

O método de ensino mais utilizado nas escolas primárias, na década de quarenta seria o já nesta altura o método simultâneo. A formação de professores, na Escola Normal de Lisboa, a continuava a assentar no método do ensino mútuo. Contra este método se opôs com veemência Feliciano de Castilho, tendo conseguido que em 1853 fosse criada nesta escola normal, uma aula de ensaio do seu método, a qual persistiu até 1858. O professorado mostrou enormes resistências à adopção deste novo método. A partir de 1877, começa a difundir-se o chamado método João de Deus. Em 1882, é decretado o uso generalizado da cartilha maternal nas escolas portuguesa, mas em 1903, o seu uso torna-se facultativo.

A formação de professores nesta fase é baseada na mera transmissão de matérias que os professores depois reproduziriam nas suas aulas. As questões pedagógicas não ocupam uma espaço próprio na formação dos professores.

No ensino secundário não continuava a não existir qualquer formação pedagógica para os professores. 

 

 Escola Progressiva 

1881-1910

 

O panorama político do país altera-se profundamente na década de oitenta. Nada será como dantes. O movimento republicano, assume começa a conquistar um espaço político e visibilidade que nunca havia adquirido. Em 1886, o movimento anarquista começa a difundir-se, e rapidamente se tornam uma referência incontornável. Ambos os movimentos concordam num ponto: a educação é a via para o progresso da humanidade. O seu combate político contra o regime monárquico assentará neste ideia que os seus governos são incapazes promoverem a educação que o país carece, e consequentemente estavam a negar-lhe o acesso ao progresso. Esta será a principal tónica das críticas que unirão estes movimentos até à implantação da República (1910)

As novas correntes pedagógicas, somente na última década do XIX, começam a difundirem-se entre o professorado primário, andando quase sempre associadas a figuras conotadas com os movimentos políticos revolucionários ( republicanos, anarquistas e socialistas). Reflexo disto serão dos três importantes dois congressos que foram realizados entre 1892 e 1897, onde se dão corpo a algumas reivindicações que irão dar corpo a este corpo docente.  

Reflectindo esta vaga de fundo, os governos monárquicos a partir de 1890 iniciam profundas mudanças no campo da educação. Entre elas é de destacar a Reforma de Jaime Moniz de 1894/1895, nitidamente influenciada pelo idealismo alemão. Trata-se de uma reforma, como escreve Maria Cândida Proença, assente numa base percursora que privilegiava a educação integral face à instrução, onde são notórias uma série de características comuns a outras reformas que ocorrem pela Europa: Centralização do sistema de ensino; Formação geral de base humanista; carácter nacionalista do ensino; Investimento na formação de professores; Preocupação com a metodologia da didáctica e aproveitamento dos aspectos formativos do ensino.   

No último quartel do século XIX, o número de professores primários habilitados pelas escolas normais continuava a ser muito diminuto. Num Inquérito realizado em 1875, constatava-se que somente 5% destes professores haviam passado pelas escolas normais primárias, cerca de 57% usavam a palmatória, e perto de 60% continuavam a recorrer ao velho método misto, dada a desmesurada dimensão das turmas.  

Nas escolas normais, os avanços da pedagogia, nomeadamente devido aos contributos da psicologia científica estava a trazer para a formação de professores.

Na década de noventa é estabelecida uma verdadeira rede de escolas normais primárias, e passa a assumir-se que a pedagogia é o seu objecto central de estudo. António Nóvoa estabeleceu a fases fundamentais deste percurso que conduziu à centralidade da pedagogia nestas escolas: 

 1. Desde o inicio da escolas normais até à Reforma de 1878, o conceito de pedagogia aparece confundido com o de metodologia, restringindo-se ao conhecimento de certos métodos de ensino ( Ensino Mútuo, Método de Castilho; Método de João de Deus...).

2. A partir da Reforma de  1878 começa-se a insistir na especificidade da profissão docente, e na necessidade de lhes dar uma formação mais técnica e cientifica. Nos programas publicados em 1881, a preocupação com os métodos continua a ser central, mas aparecem nos mesmos novas áreas de estudo, tais como organização das escolas, a reflexão sobre os fins da educação, a psicologia, a história da pedagogia,a  história da instrução nacional, etc. 

3. A afirmação da pedagogia, como a área central dos estudos normais é consagrada na Reforma de 1901, dando-se igualmente um peso crescente à psicologia. A partir deste momento, consagra-se também que para o exercício da profissão de professor  primário, não basta saber ler, é preciso estar habilitado por uma escola normal.

A reforma de 1894-1895,  estabeleceu um novo quadro de exigências para a docência no ensino secundário, nomeadamente uma formação científica de base no campo da pedagogia. Devido à inexistência de estruturas formativas adequadas, tudo permaneceu na mesma. Neste nível de ensino as preocupações pedagógicas continuaram a ser secundarizadas. O recrutamento continuou a fazer-se com base numa avaliação do currículo dos candidatos a professores. 

Contudo, estas novas exigências fixadas na Lei não foram esquecidas, até porque as forças políticas que combatiam o regime monárquico, não parava de reclamar a sua concretização. Assim, em 1901, por proposta de Jaime Moniz, iniciou-se uma verdadeira formação psicopedagógica dos professores do ensino secundário. Na reforma do Curso Superior de Letras, em Dezembro de 1901, são introduzidas novas disciplinas: Pedagogia, História da Pedagogia e Metodologia do Ensino. A pedagogia que agora se falava tinha uma base científica.

Nos últimos anos da monarquia, são proporcionadas muitas deslocações ao estrangeiro a professores afim dos mesmos se inteirarem das novas correntes e metodologias pedagógicas.    

 

Nova Escola 

1910-1932

 

A primeira República (1910-1926) fez educação a sua bandeira, embora a avaliação dos seus resultados seja motivo de polémica, uma coisa é certa: a Republica criou um ambiente propício ao desenvolvimento de novas ideias e práticas educativas. 

As grandes inovações não ocorreram nas escolas oficiais, mas nas escolas privadas, nomeadamente aquelas que resultavam de iniciativas de militantes educativos, como foi o caso da Escola Oficina nº1, na Graça, em Lisboa, um símbolo da Escola Nova.

No ensino normal primário poucas mudanças ocorreram antes de 1918. A primeira preocupação do regime republicano foi com a criação de professores fieis aos ideais do novo regime, e só depois se preocupou com a pedagogia em bases científicas. Em 1918-1919 procedeu-se a uma profunda reformas das escolas normais primárias, as quais adquirem uma carácter mais profissionalizante, acentuando-se o peso das disciplinas de formação pedagógica e didáctico. Deu-se também grande importância  a disciplinas de carácter técnico, como a música, canto coral e a  ginástica pedagógica. Em consequência desta nova orientação aumentou igualmente as exigências no acesso dos novos candidatos a professores. As acções de aperfeiçoamento e mesmo a reciclagem dos professores primários, não sendo uma novidade em Portugal, foram incrementadas neste período. Os cursos de reciclagem foram criados 1919 ( decreto de 10 de Maio de 1919, e regulamento de 1920). Os cursos de especialização e aperfeiçoamento foram objecto de vários diplomas (leis e decretos de 1916,1919,1921 e 1923). 

Sob o ponto das intenções é justo destacar o projecto de Lei apresentado ao Parlamento em 1923, pelo ministro Camoesas, que entre outras medidas previa a formação superior dos professores primários e das educadoras  de infância. Previa-se para o efeito a criação de Faculdades de Ciências da Educação, integradas nas universidades do Porto, Lisboa e Coimbra, onde segundo um modelo de formação integrada seriam formados os professores para os diferentes níveis de ensino. O projecto de Lei não chegou a ser aprovado, e como veremos, depois de 1926 a tendência foi para a redução do nível de qualificações dos professores, não para a sua elevação.    

No ensino normal secundário, as mudanças foram mais rápidas, ocorreram logo em 1911, embora só em 1915-1916 fossem concretizadas.    

Escola Nacionalista

1933-1964

O período que se segue ao Golpe Militar de 28 de Maio de 1926 até à Constituição de 1933, revela ainda as fragilidades iniciais do novo regime. No campo educativo, apesar da repressão, continuam a persistir concepções pedagógicas características do período anterior, como a "Escola Nova", ou mesmo a "Escola Única" . Mas rapidamente estas ideias são secundarizadas, em favor de concepções pedagógicas mais de acordo com o ideário do Estado Novo.

O Estado Novo, como refere António Nóvoa, irá  desenvolver até à década de sessenta uma política educativa baseada em quatro eixos fundamentais:

- Compartimentalização do ensino (separação dos sexos, divisão das fileiras técnicas e liceais, etc).

- Redução do nível de ensino (diminuição dos anos de escolaridade obrigatória, simplificação das aprendizagens e conteúdos escolares, etc).

- Centralização autoritária (reforço da inspecção, nomeação de reitores, etc).

- Desprofissionalização do professorado (desqualificação académica, degradação do estatuto económico, etc).

A concepção de escola nacionalista, que predomina neste período, assenta numa forte componente de inculcação ideológica e de doutrinação moral.   

A consolidação interna do regime nos anos trinta, possibilitou a realização de uma corte com os movimentos educativos além fronteiras, e afirmação de uma pedagogia nacionalista e conservadora. As redes de circulação de ideias e produção de práticas inovadoras foram ferozmente reprimidas. Os contactos internacionais coartados. Os principais inovadores do período anterior, como Adolfo Lima, foram perseguidos e  na sua maioria foram afastados do ensino. 

A formação de professores, acompanha este movimento nacionalista.

Na formação de professores  primários assiste-se a um abaixamento das condições de admissão ao ensino normal, a uma redução dos conteúdos e tempo de formação. Reforçam-se as práticas de controlo moral e ideológico, tanto na formação de base, como na avaliação dos exames de entrada no professorado.

A primeira acção ocorre logo em 1930, quando na sequência da reorganização da escolas normais primárias, as mesmas passam a designar-se "Escolas do Magistério Primário". No plano simbólico a imagem perene de "norma" é substituído pelo imagem transitória de "cargo". O que no novo regime pretende dizer é que estas escolas deixaram de definir qualquer norma ou o código do ensino, e apenas se limitam a preparar mestres para o exercício de um dado cargo. A norma é definida por Salazar e imposta pelo Estado Novo.

Olhados com desconfiança pelo Estado Novo, os professores primários sofrem uma brutal desvalorização na sua imagem social em 1936, quando é criado um novo tipo de docentes - os regentes escolares. Inicialmente apenas precisavam de saber ler e escrever. Depois exige-se apenas que tenham o exame da 4ª. classe e saibam da matéria que ensinam. Desta forma a formação pedagógica dos professores passou a ser olhada como uma mera superficialidade, dispensável  na prática docente.

Na reorganização de 1930 das escolas normais primárias, os cursos do magistério infantil são suspensos.

A formação dos professores para o ensino secundário estabelecida em 1930, assentava na separação da "cultura pedagógica" da "prática pedagógica". A primeira, constituída por um "curso de ciências pedagógicas" era ministrada nas secções pedagógicas, então criadas nas Faculdades de Letras de Lisboa e Coimbra. A segunda, que correspondia a um "estágio", era ministrada em dois liceus nacionais centrais reservados à prática pedagógica, o Liceu Pedro Nunes em Lisboa, e o Liceu Dr. Júlio Henriques em Coimbra. O acesso à profissionalização era então extremamente condicionado, em particular no ensino liceal, onde os vencimentos eram superiores aos do ensino técnico-profissional. O candidato professor efectivo tinha que aos longo de sucessivas provas de selecção demonstar exteriormente que estava conforme aos valores do regime. A prova decisiva, mas não a última, residia no estágio que tinha a duração de dois anos. No primeiro ano o candidato assistia nos liceus normais a lições modelos, mas também realizava outras que eram assistida e comentadas por metodologos, e eventualmente pelo Reitor, enquanto representante do ministro da educação na escola.O controlo era  permanente e presencial. 

Este modelo de formação impedia a plena integração das componentes científicas, pedagógicas e metodológicas. A única formação que passa a prevalecer é a formação académica, sendo a preocupação essencial dos professores deste nível de ensino, a transmissão de conhecimentos.

O lançamento deste novo modelo de formação de professores, terá sido motivado inicialmente por razões meramente políticas. Tratava-se de arranjar um expediente para rapidamente afastar do ensino normal todos os professores afectos à República, e instituir igualmente novos mecanismos de controlo dos professores. Neste sentido não foram apenas extintas as Escolas Normais Superiores das Universidades de Lisboa e Porto, mas afirmado desde logo que os primeiros professores-metodólogos de que seriam dotados os Liceus normais, eram da livre escolha do Governo, que se reservava também os direito de os substituir de acordo com as conveniências. É então montado um vasto mecanismo de controlo que garantia não apenas a uniformidade do sistema, mas a sua obediência à vontade política do regime.      

Nos anos cinquenta o regime é cada vez mais forçado a mudar, para poder subsistir. Altos dirigentes reconhecem, pela primeira vez, que o país sofre de um atraso económico que condena à miséria a maioria da sua população. A solução apontada passa pela abertura ao exterior. No campo educativo Portugal apresenta um panorama deprimente: as taxas de analfabetismo, são por exemplo, as mais elevadas da Europa. Apesar de tudo regista-se um progressivo aumento da população escolar. sobretudo no ensino técnico, o que implicará um contínuo recrutamento de novos professores.

Neste período reanima-se timidamente o pensamento pedagógico, em grande parte devido ao trabalho desenvolvido nos cursos de ciências pedagógicas, ministrados nas Faculdades de Letras, mas também à reflexão produzida em algumas escolas técnicas e nos liceus. 

 

Escola na Encruzilhada

1965-1973

 

Nos anos sessenta, assiste-se à abertura do país em relação ao exterior. Agudizam-se os conflitos internos. Os professores desenvolvem novas redes de contactos internacionais. O pensamento pedagógico reanima-se. O movimento da escola moderna irrompe.

 Aumenta de foram acentuada a população escolar, basta dizer que entre 1960 e 1970, a população escolar do ensino secundário e do superior, passa de 220.000 alunos para 450.000, e de cerca de 24.000 para 50.000 .

 Para fazer face a esta procura generalizada, o recrutamento de professores flexibiliza-se, assim como se introduz algumas mudanças na sua formação. O modelo anterior de formação de formadores revelava-se graves estrangulamentos. :

- A formação ministrada estava desfasada dos modelos internacionais.

- O excessivo centralismo das estruturas formativas e de estágio, não tinham em conta as novas tendências que apontavam uma maior diversidade da formação e autonomia dos professores.

- Era reduzido o número dos professores  que haviam conseguido efectivar-se, a maioria tinha que esperar longos anos até conseguir uma vaga. Salvo raras excepções a maioria destes professores possuía uma sumária formação no domínio pedagógico. A partir de meados dos anos sessenta era cada vez mais notório que o sistema de ensino era fundamentalmente  assegurado por "provisórios", isto é, professores sem quaisquer preparação pedagógica, e muitas vezes mesmo sem formação académica suficiente. Ainda em 1974, representavam 82% dos professores do ensino preparatório e 76,6% do secundário.

No essencial, a escola hierarquizada  criado nos anos trinta manteve-se intacta até 1974, embora a partir dos anos sessenta o contexto social tivesse mudado bastante, e os seus estrangulamentos fossem cada vez mais visíveis.

A principal mudança na formação de professores ocorre em 1971, em pleno arranque da Reforma de Veiga Simão. 

- Nas Faculdade de Ciências é criado um ramo educacional para as licenciaturas em Matemática, Física, Química, Geologia e Biologia (Dec-Lei 443/71, de 23 de Outubro), segundo o modelo da formação integrada. Estes cursos tinham um tronco comum a outras licenciaturas durante os 3 primeiros anos, nos dois últimos anos passam a incluir uma componente de formação pedagógica teórico-prática, correspondendo o último ano a um estágio feito numa escola preparatória, sob a supervisão de orientadores locais nomeados pelo Ministério.   

Dois anos depois, é aprovada a Lei 5/73, que define em sentido mais amplo uma vasto e diversificado sistema de formação de professores, mas que não chegou a ser completamente concretizada.  

 

Escola em Mudança

1974-1980

O 25 de Abril de 1974, marcou a todo os níveis um marco inegável na histórica portuguesa.O fim de um Império secular, de uma dado modelo económico, a abertura do país em relação ao mundo, são algumas das mudanças mais visíveis. 

No plano educativo as mudanças foram inúmeras, entre elas destacamos a própria expansão de todo o sistema.  

A formação de professores primários sofreu nesta altura importantes inovações, procurando estabelecer uma maior articulação entre a formação e a realidade social. Neste sentido, introduziu-se as denominadas Actividades de Contacto, nas quais se procurava desvendar ao aluno a realidade social através da imersão no meio e da reflexão sobre os dados aí recolhidos. Introduziu-se também as disciplinas de sociologia, teoria dialéctica da história, assim como a reformulação dos conteúdos programáticos de toda as áreas de ciências pedagógicas. Alongou-se a formação de dois para  três anos. 

Na formação de professores do ensino secundário, pôs-se fim ao modelo criado em 1930, suspendendo-se os que restava dos Exames de Estado, e sobretudo terminando-se com os cursos de ciências pedagógicas. Os estágios foram remetidos para as escolas, onde de forma muito diversificada organizaram algumas acções de formação e de reflexão pedagógica, com uma qualidade muito desigual. Este sistema manteve-se até 1980, quando foi institucionalizada, como veremos, a formação em exercício.

Em 1976,o modelo da formação integrada é introduzido na Universidade do Minho, quando são criados cursos de bacharelato para a formação de professores. Pouco depois são criados novos bacharelatos congéneres na Universidade de Aveiro, e nos institutos universitários de Évora e Açores, Politécnico da Covilhã e Vila Real. Em 1978 estes bacharelatos são extintos e transformados em licenciaturas.

 

Escola da Diversidade

1981-2000

 

Os anos oitenta são marcados por uma vaga de correntes de ideias que a pretexto da generalizado sentimento de  incerteza que percorre as sociedades contemporâneas, a crise de valores e colapso das ideologias, procuram procuram centrar tudo em torno dos indivíduos. O hedonismo ou  o individualismo, subitamente nos grandes referenciais dos discursos políticos da época. 

É tendo em conta este contexto que se pode compreender melhor a razão da emergência dos dois grandes modelos de formação da professores que marcaram as duas últimas décadas, os modelos personalistas e os modelos reflexivos. O primeiro centra a formação na pessoa do formando, valorizando o seu percurso formativo e os seus projectos pessoais. Neste sentido, começou a conferir-se uma enorme importância ao métodos biográficos e auto-biográficos aplicados à formação. No limite ir-se-á chegar a afirmar que a única formação admissível é a formação pessoal. O segundo, assentavam no pressuposto da inutilidade de se definirem receitas antecipadas para situações complexas e em constante em mutação constante. A única atitude possível é preparar o professor a viver com a incerteza, a analisar a cada momento a nova situação com que se depara e a agir segundo alguns princípios. Estamos perante o conhecido modelo do professor reflexivo.   

Na formação de professores primários e educadores de infância, o marco da mudança foi o estabelecimento nos anos oitenta, do princípio da formação de nível superior, consagrado na Lei de Bases do Sistema Educativo (1986).A formação destes professores passou a ser confiada às escolas superiores de educação ou às universidades que dispusessem de unidades de formação adequadas. Esta medida decorria da entrada em actividades das escolas superiores de educação, em 1982, que vieram substituir as escolas do magistério primário e as escolas normais de educadores de infância na formação dos professores destes níveis de ensino. Recorde-se que esta medida constava no célebre projecto de reforma apresentado ao Parlamento, em 1923, pelo ministro Camoesas.   

Apesar destas tendências comuns, é enorme a diversidade de modelos de formação de professores no ensino secundário neste período.

Na formação inicial, assiste-se à consolidação da formação integrada de professores, reiniciada em 1971 nas faculdades de ciências, e que começa a ser realizada em larga escala a partir de 1979 nas recém criadas universidades de Aveiro, Minho, Beira Interior, Açores....

Mas a grande problema continuava a ser o enorme número de professores em exercício sem qualquer formação pedagógica. O sistema continuava a assentar em larga medida em professores sem profissionalização, mas já com um vínculo ao Ministério da Educação. Era neste ponto que o sistema revelava os seus estrangulamentos. Em 1979, é institucionalizada a formação em exercício, destinada aos professores que já tinham vínculo, mas não formação pedagógica. A  grande novidade deste modelo consistiu em transformar a escola num centro da formação. Neste sentido as escolas deviam de elaborar um Projecto Global de Formação, no qual devia estar contemplado o Plano de Estágio. A profissionalização é entendida no quadro de processo de formação contínua dos professores, assentando num Plano Individual de Trabalho elaborado por cada professor em estágio.

Em 1985 (Lei 150-A/85, de 8 de Maio), ocorre uma mudança importante na formação destinada aos professores já no exercício da actividade. A formação pedagógica que até aí estava a cargo dos orientadores de estágio nas escolas, é confiada às universidades e escolas superiores.. O objectivo era formar rapidamente cerca de 20 mil professores "provisórios". Os resultados ficaram aquém das expectativas.

Para acelerar  processo de profissionalização destes professores em exercício, em 1988, é lançado o sistema da formação em serviço (Dec-Lei 287/88, de 19 de Agosto). A formação, em principio, teria a duração de dois anos, abrangendo duas componentes distintas: a) a teórica que é confiada às escolas superiores de educação e universidades; b) a prática de decorria numa escola sob a responsabilidade conjunta de uma instituição de ensino superior e do conselho pedagógico da respectiva escola, onde o formando-professor realizasse o estágio. Atendendo ao tempo de serviço a formação é reduzida para muitos professores apenas a um ano. É neste contexto que é reactivada a Universidade Aberta, que promove "à distância" uma modalidade rápida da formação em serviço. Num curto período de tempo, entre 1989/90 muitos milhares de professores são profissionalizados, após longos anos de actividade profissional. A qualidade desta formação pedagógica continua a ser motivo de polémica, nomeadamente devido à simplificação que alegadamente teria sido na mesma introduzida.

Entretanto, as Faculdades de Letras de Lisboa, Porto e Coimbra das universidades ditas clássicas, iniciam no ano lectivo de 1987/88, o ramo da formação educacional, segundo um modelo de formação sequencial. O aluno após a conclusão da  licenciatura ( 4 anos de duração), tem ainda que realizar uma uma especialização em educação, com dois anos de duração. No 5º.ano, por exemplo, no curso de História em Lisboa,  eram ministradas as cadeiras de Introdução às Ciências da Educação, Psicologia Educacional, Organização e Desenvolvimento Curricular e a de Didáctica da História. O 6º. ano era dedicado à prática pedagógica que decorria numa escola secundária ou do 3º. ciclo. Este modelo embora seja mais longo que o da formação integrada, não confere nenhuma vantagem suplementar no ingresso na profissão, a não ser eventualmente uma formação mais ampla.  

No início dos anos noventa, os graves problemas da profissionalização do professores que se arrastavam desde os anos sessenta estavam em grande parte resolvidos. É neste sentido que a formação continua e as pós-graduações começam a adquirir uma enorme relevância na formação na formação de professores, contribuindo para um verdadeiro salto qualitativo de todo o sistema.  

 Carlos Fontes

   

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