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Se há tema que hoje suscite
mais polémicas este é um deles. O número de casos em todo o país
atinge proporções no mínimo inquietantes. De
acordo com os dados recolhidos de forma sistemática pelo Gabinete de
Segurança do Ministério da Educação, desde 1999, o furto dos bens
dos estudantes teve um acréscimo muito significativo, passando entre
2000 e 2001 de 297 para 714 ocorrências nos 14 mil estabelecimentos de
ensino em todo o país. A violência física é mais visível através
da pequena coacção física ou assédio para cedência de dinheiro e
outros produtos. Este tipo de situações passou de 609 em 2000 para
1400 em 2001. Em 1999 registaram-se 55 agressões a professores, em 2001
foram contabilizadas 146 casos. É por isto e muito mais, que o tema da
indisciplina está na ordem do dia.
Façamos um breve balanço deste tema,
antes de entramos na sua análise mais detalhada.
Terminologia
O conceito de indisciplina é
susceptível de múltiplas interpretações. Um aluno ou professor
indisciplinado é em princípio alguém que possui um comportamento desviante em relação a
uma norma explicita ou implícita sancionada em termos escolares e
sociais. Estes desvios são todavia denominados de forma diferente
conforme se trate de alunos ou de professores. Os primeiros são
apelidados de indisciplinados, os segundos de incompetentes. Nestas
notas vamos apenas abordar os comportamentos desviantes dos primeiros.
Indisciplina ou violência? A
indisciplina pode implicar violência, mas não é necessário
que esta ocorra. É neste sentido que alguns autores, distinguem vários
níveis de indisciplina, tais como:
- Perturbação pontual que afecta o
funcionamento das aulas ou mesmo da escola.
- Conflitos que afectam as relações
formais e informais entre os alunos, que podem atingir alguma
agressividade e violência, envolvendo por vezes, actos de extorsão,
violência física ou verbal, roubo, vandalismo, etc.
- Conflitos que afectam a relação
professor-aluno, e que em geral colocam em causa a
autoridade e o estatuto do professor.
- Vandalismo contra a instituição
escolar, que muitas vezes procura atingir tudo aquilo que ela significa.
Esta hierarquia tem sido contestada, na
medida que conduz à naturalização das formas mais elementares de
indisciplina (as perturbações), assumindo-as como inevitáveis. A
ideia que acaba por passar é que só se coloca o problema da
indisciplina quando existem agressões a colegas ou professores, a
destruição ou roubo de escolas, etc.
Natureza da Indisciplina
Os alunos são indisciplinados por
natureza ou porque as circunstâncias os estimulam a assumiram
comportamentos desviantes? A respeito podemos distinguir duas correntes
teóricas fundamentais:
Uma afirma que a indisciplina é uma
tendência natural de todo o ser humano, está inscrita no seu código
genético. O Estado, a educação e a cultura, actuam como freio destes impulsos
anti-sociais. Estamos perante uma velha teoria que serviu a Thomas Hobbes para
fundamentar a necessidade de um Estado forte, capaz de manter em ordem
os "homens-lobo". A Charles Darwin para explicar a origem das
espécies, a supremacia dos mais fortes. A F. Nietzsche para
reclamar o poder para os super-homens que estão para além do bem e do
mal.
Outra corrente sustenta que a natureza
humana é uma espécie de recipiente vazio, pronto a ser preenchido pelos
estímulos que recebe do exterior. Conforme a natureza destes estímulos
assim será a criança, o adulto. As circunstâncias
determinam aquilo que cada homem é. A contrapartida desta visão
igualitarista, sustentada pela primeira vez pelos sofistas, foi o aparecimento de uma
multiplicidade de métodos e técnicas para dar forma à natureza do
homem..
Entre uma e outra corrente, existem uma
multiplicidade de teorias que procuram articular o "inato" com
o "adquirido", o "biológico" com o
"social".
Tipos
Todas as mudanças são em certo
sentido um acto de indisciplina ou de ruptura violenta com a ordem
estabelecida. Não é possível encarar pois a indisciplina apenas de
uma forma negativa. Ela pode assumir uma função criativa e
renovadora das práticas instituídas. Os célebres acontecimentos de
Maio de 1968, em França estão aí para demonstrarem todo o potencial
criativo que pode estar contido nos actos de indisciplina dos
jovens.
Manifestações de Indisciplina
As manifestações de indisciplina, nas
suas formas mais elementares tornaram-se um rotina para qualquer
professor. Exemplos de dois níveis de casos de indisciplina nas aulas:
Frequentes:
-
Apatia do grupo.
-
Cochicho
-
Troca de mensagens e de papelinhos
-
Intervalos cada vez maiores
-
Exibicionismo
- Perguntas feitas de forma a colocar em causa o professor, ou a
desvalorizarem o conteúdo das aulas
-
Discussões frequentes entre grupos na alunos, de modo a provocarem uma
agitação geral
-
Comentários despropositados.
-
Silêncios ostensivos
-
Entradas e saídas "justificadas".
Excepcionais:
-
Agressão a colegas
-
Agressão a professores
-
Roubos
-
Provocações sexuais, racistas, etc.
O
primeiro nível está hoje amplamente generalizado, o segundo está em
crescimento.
Causas da Indisciplina
Não é fácil fazer o inventário das
causas da indisciplina na escolas. O seu número não pára de aumentar,
quase sempre suportada nos dias que correm numa sólida argumentação científica.
1.Família
As causas familiares da indisciplina
estão à cabeça. É aí que os alunos adquirem os modelos de
comportamento que exteriorizam nas aulas. Em tempos a pobreza,
violência doméstica e o alcoolismo foram apontados como as
principais causas que minavam o ambiente familiar. Hoje aponta-se o
dedo também à desagregação dos casais, droga, ausência de valores,
permissividade, demissão dos país da educação dos filhos, etc.
Quase sempre os alunos com maiores problemas de indisciplina provém
de famílias onde estes existem.
A novidade está contudo na
participação directa dos país na violência que ocorre nas escolas.
Impotentes para lidarem com a
violência dos próprios filhos, muitos pais apontam o dedo aos
professores que acusam de não os saberem "domesticar". Frequentemente estimulam e legitimam a sua indisciplina nas
escolas. Alguns vão mais longe e agridem professores e
funcionários.
2.Alunos
O que faz com que um aluno seja indisciplinado? É preciso dizer que muitas vezes as razões de
fundo não são do foro da educação. Em muitos casos tratam-se de questões que deveriam ser
tratadas no âmbito da saúde mental infantil e adolescente, da
protecção social ou até do foro jurídico. O grande problema é que
muitas vezes as escolas não conseguem fazer esta triagem. Tentam resolver
problemas para os quais não estão preparadas ou nem sequer são da sua
competência.
Todos os alunos são potencialmente indisciplinados, porque a escola é sempre sentida como
uma imposição por parte do Estado ou da família. É por isso que as
aulas são locais de constrangimentos e de repressão de desejos.
Freud e depois Foucault dissecaram este problema. Nesta perspectiva o
que acaba por diferenciar os alunos entre si é a atitude que assumem
perante estas obrigações. Numa classificação de inspiração
weberiana são distinguidos três tipos de alunos:
- Obrigados-satisfeitos: uma minoria
que se conforma às exigências que a escola lhes impõe.
- Obrigados-resignados: A maioria que
se adapta ao sistema procurando tirar partido da situação, atingindo
dois objectivos supremos: "gozar a vida" e "passar de
ano".
-Obrigados-revoltados: uma minoria
inconformados (ou maioria conforme as circunstâncias
sócio-económicas do meio). Da família à escola e desta à
sociedade colocam tudo em causa: valores, normas estabelecidas,
autoridade, etc..
Não é fácil explicar as razões que
levam uns a assumirem-se como "conformistas" e outros como
"revoltados". A "falta de afecto" ou a
"vontade de poder" são, por exemplo, duas destas
motivações. Há quem aponte também as tendências próprias de cada idade que
transforma uns em "revoltados" e outros em "conformistas".
3.Grupos
e Turmas
O grupo, enquanto conjunto estruturado de
pessoas, tem uma enorme importância nos processos de socialização e de
aprendizagem dos adolescentes. A sua influência acaba por ser decisiva para
explicar certos comportamentos que os jovens demonstram e que são
resultado de processos de imitação de outros membros do grupo. Certas
manifestações de indisciplina, não passam muitas vezes de meras
manifestações públicas de identificação com modelos de comportamento
característicos de certos grupos. Através delas os
jovens procuram obter a segurança e a força que lhes é dada pelos
respectivos grupos, adquirindo certo prestígio no seio da comunidade escolar.
Nada que qualquer professor não conheça. A turma é também um grupo, sem
que todavia faça desaparecer todos os outros aos quais os alunos se encontram
ligados dentro e fora da escola. Numa sociedade em que os grupos familiares
estão desagregados, o seu espaço é cada vez mais preenchido por estes
grupos formados a partir de interesses e motivações muito diversas.
4. Ministério da Educação
O Ministério da Educação é
actualmente uma dos principais promotores da indisciplina nas escolas.
Não apenas através da regulamentação que produz sobre a matéria,
mas também das medidas avulso que toma ou da morosidade dos processos
que aprecia. A ineficácia do sistema é neste domínio um poderoso
estimulo à generalização de práticas desviantes.
Mas
esta não é a única questão a considerar. As equipas que têm
dirigido o Ministério da Educação são também responsáveis pela
promoção de uma cultura de irresponsabilidade:
a) As sucessivas mudanças
realizadas no sistema educativo em geral de forma atribulada e
inconsequente. Como é sabido, entre nós,
a máquina do Estado caracteriza-se há muito por ser ineficaz e
ineficiente, sem que se apurem responsabilidades pelo que quer que
seja. O Ministério da Educação não é excepção, pelo contrário
é um dos exemplos paradigmáticos desta situação. A imagem que passa
é de uma "casa" em convulsão permanente. Cada novo
ministro procura deixar a sua "marca" numa nova reforma que
nunca é concluída, nem sequer avaliada. A mudança continua
dirigentes, aliada a ausência de uma avaliação do seu desempenho
permite a mais completa impunidade e o constante improviso. Os
serviços do próprio ministério não funcionam e dificilmente são
reformáveis. Tudo isto acaba por veicular nas escolas
e na sociedade a ideia que a educação é um domínio pouco sério.
b) A prática corrente
de um discurso que des-responsabiliza os dirigentes e os serviços do
Ministério, e que acaba sempre por imputar a responsabilidade pela pouca eficácia
do sistema aos professores.
Ao escamotear-se desta forma outros actores no processo, criam-se
zonas cinzentas em todo o sistema. Desmotivam-se uns e fomenta-se a
impunidade de outros. O resultado final só pode ser o aumento da permissividade
no cumprimento das normas mais elementares.
5.Escola
A organização escola está longe de
ser um modelo de virtudes. Funciona em geral de modo pouco eficaz e
eficiente. A excessiva dependência do Ministério da Educação,
tende a reduzir os que nela trabalham a meros executantes, sem
capacidade de resposta para a multiplicidade problemas que enfrentam.
No passado o contributo dado pelas
escolas para a indisciplina assentava na questão da selecção que
operavam. As escolas eram acusadas de discriminarem os alunos à
entrada e na constituição das turmas. A fazê-lo, criavam focos de
revolta por parte daqueles que legitimamente se sentiam
marginalizados. A questão ainda é colocada, mas não com acuidade
que antes conheceu. Os contributos da escola para a indisciplina são
agora outros.
Há muito que a escola deixou de ter um papel
integrador dos alunos. Embora seja um espaço onde estes passam grande
parte do seu tempo, nem sempre nela chegam a perceber quais são os
seus valores, regras de funcionamento, etc.
Na verdade a escolas estão mal
preparadas para enfrentarem a complexidade dos problemas actuais,
nomeadamente os que se prendem com a gestão das suas tensões
internas. A crescente participação de alunos, pais, entidades
públicas e privadas nas decisões tomadas nas escolas tornou-se uma
fonte de conflitos, que não raro acabam por gerar climas propícios
à irrupção de fenómenos de indisciplina.
As Associações de Pais, quando
funcionam, encaram muitas vezes os professores como um bando
incompetentes que aproveitam todas as ocasiões para se furtarem às
aulas. Repetem-se por todo o país os casos de membros destas
associações que tirando partido da sua posição exercem pressão junto dos
professores para beneficiarem os seus filhos.
6.Programas
A motivação é um dos factores fundamentais
da aprendizagem. Para que a motivação exista nas escolas é necessário que
os programas sejam próximos da realidade vivenciada pelos alunos e com temas
agradáveis. No horizonte, qualquer programa escolar deverá ter, se
possível, um emprego seguro e bem remunerado. Tudo o não passe por isto, é
inútil e só pode conduzir situações de frustração, desmotivação,
potenciando situações de crescente indisciplina. Estamos perante um discurso
caricatural, mas que se encontra hoje amplamente difundido.
7. Regulamentos Disciplinares
Um regulamento disciplinar é tudo e
não é nada. Os professores imaginam-se com ele a salvo de muitos
problemas disciplinares, e por isso procuram torná-lo o mais completo
possível. O aumento da sua extensão cresce na mesma proporção
directa da sua inaplicabilidade. A questão é todavia meramente
ilusória. Os professores partem do pressuposto que o mesmo será
acatado pelos alunos, dado que foi aprovado pelos representantes, e
que desta maneira se conformarão ao que nele estiver prescrito. Para
os alunos, contudo, o regulamento não existe. O que impera na escola
"é" a vontade dos professores e do Conselho Executivo. O
regulamento será sempre mais um instrumento do seu poder
discricionário.
8.Professores
Há
professores que provocam mais indisciplina que outros. As razões
porque isto acontece é que são muito variáveis, mas quatro delas
são frequentemente citadas:
-
Falta de capacidade para motivarem os alunos, nomeadamente utilizando
métodos e técnicas adequadas.
-
Impreparação para lidarem com situações de conflito.
-
A forma agressiva como tratam os alunos estimulando reacções violentas.
-
A estigmatização e a rotulagem dos alunos.
A
estas razões junta-se agora uma outra mais recente: a crescente feminização
do corpo docente. Se ela não estimula, certamente não facilita a questão da
indisciplina afirmam os especialistas. Os rapazes seriam os mais afectados.
9.Sociedade
Há
séculos que se apontam um série de nefastas influências sociais
para explicar certos comportamentos violentos dos jovens. As práticas
de diversão estão em geral à cabeça neste inventário das fontes
de uma cultura da violência. No passado referiam-se os combates e as
touradas, hoje aponta-se o cinema, mas sobretudo a televisão e certos
grupos e géneros musicais. Mas o problema ultrapassa a diversão. As
nossas cidades são particularmente violentas. A única forma de
sobreviver é assumir esta cultura de violência. O discurso é
conhecido.
A
tudo isto, junta-se um outro elemento de peso: o individualismo
hedonista. Obter o máximo prazer no mais curto espaço de tempo, não
importa os meios.
10.Grupos Sociais Problemáticos
As escolas públicas são
hoje frequentadas por populações escolares muito heterogéneas,
contando no seu seio com um crescente número de alunos que provém de grupos sociais
onde subsistem frequentemente graves problemas de
integração social (ciganos, negros, etc.). Apesar da especificidade
dos problemas destes alunos, a escola recusa-se, por uma questão
ideológica a tratá-los de um modo diferenciado. A democraticidade do
tratamento não elimina os problemas de socialização. Resultado: os
problemas são transportados para dentro da sala de aula.
11.Ideologias
A abordagem da questão da
violência não pode ser divorciada das ideologias políticas. As
ideologias de direita sempre defenderam o primado do ordem e da
responsabilização individual. O combate à indisciplina uma bandeira
que sempre lhes foi cara. As ideologias de esquerda tende a ser mais tolerantes com a questão da indisciplina dos
alunos. O problema é encarado como um mero reflexo de questões de
natureza social, os alunos acabam por ser vistos como
quot;vítimas" e não como "responsáveis". O resultado
é para a adopção de praticas "desculpabilizadoras",
"permissivas", etc. Trata-se de uma caricatura, mas como tal é largamente difundida.
Medidas Para Combater a
Indisciplina
Castigo, Compromisso,
Negociação e Criatividade. Estas são as receitas mais recomendadas.
Conclusão