Indisciplina na Escolas

Carlos Fontes

 

Terminologia . Natureza . Tipos . Manifestações . Causas . Medidas. Conclusão

(em construção)

 

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Se há tema que hoje suscite mais polémicas este é um deles. O número de casos em todo o país atinge proporções no mínimo inquietantes. De acordo com os dados recolhidos de forma sistemática pelo Gabinete de Segurança do Ministério da Educação, desde 1999, o furto dos bens dos estudantes teve um acréscimo muito significativo, passando entre 2000 e 2001 de 297 para 714 ocorrências nos 14 mil estabelecimentos de ensino em todo o país. A violência física é mais visível através da pequena coacção física ou assédio para cedência de dinheiro e outros produtos. Este tipo de situações passou de 609 em 2000 para 1400 em 2001. Em 1999 registaram-se 55 agressões a professores, em 2001 foram contabilizadas 146 casos. É por isto e muito mais, que o tema da indisciplina está na ordem do dia.

Façamos um breve balanço deste tema, antes de entramos na sua análise mais detalhada. 

Terminologia

O conceito de indisciplina é susceptível de múltiplas interpretações. Um aluno ou professor  indisciplinado é em princípio alguém que possui um comportamento desviante em relação a uma norma explicita ou implícita sancionada em termos escolares e sociais. Estes desvios são todavia denominados de forma diferente conforme se trate de alunos ou de professores. Os primeiros são apelidados de indisciplinados, os segundos de incompetentes. Nestas notas vamos apenas abordar os comportamentos desviantes dos primeiros.

Indisciplina ou violência? A indisciplina pode implicar violência, mas não é necessário que esta ocorra. É neste sentido que alguns autores, distinguem vários níveis de indisciplina, tais como:

- Perturbação pontual que afecta o funcionamento das aulas ou mesmo da escola.

- Conflitos que afectam as relações formais e informais entre os alunos, que podem atingir alguma agressividade e violência, envolvendo por vezes, actos de extorsão, violência física ou verbal, roubo, vandalismo, etc.

- Conflitos que afectam a relação professor-aluno, e que em geral colocam em causa a autoridade e o estatuto do professor.

- Vandalismo contra a instituição escolar, que muitas vezes procura atingir tudo aquilo que ela significa.

Esta hierarquia tem sido contestada, na medida que conduz à naturalização das formas mais elementares de indisciplina (as perturbações), assumindo-as como inevitáveis. A ideia que acaba por passar é que só se coloca o problema da indisciplina quando existem agressões a colegas ou professores, a destruição ou roubo de escolas, etc.  

Natureza da Indisciplina

Os alunos são indisciplinados por natureza ou porque as circunstâncias os estimulam a assumiram comportamentos desviantes? A respeito podemos distinguir duas correntes teóricas fundamentais:

Uma afirma que a indisciplina é uma tendência natural de todo o ser humano, está inscrita no seu código genético. O Estado, a educação e a cultura, actuam como freio destes impulsos anti-sociais. Estamos perante uma velha teoria que serviu a Thomas Hobbes para fundamentar a necessidade de um Estado forte, capaz de manter em ordem os "homens-lobo". A Charles Darwin para explicar a origem das espécies, a supremacia dos mais fortes. A F. Nietzsche para reclamar o poder para os super-homens que estão para além do bem e do mal.

Outra corrente sustenta que a natureza humana é uma espécie de recipiente vazio, pronto a ser preenchido pelos estímulos que recebe do exterior. Conforme a natureza destes estímulos assim será a criança, o adulto. As circunstâncias determinam aquilo que cada homem é. A contrapartida desta visão igualitarista, sustentada pela primeira vez pelos sofistas, foi o aparecimento de uma multiplicidade de métodos e técnicas para dar forma à natureza do homem.. 

Entre uma e outra corrente, existem uma multiplicidade de teorias que procuram articular o "inato" com o "adquirido", o "biológico" com o "social".

Tipos

Todas as mudanças são em certo sentido um acto de indisciplina ou de ruptura violenta com a ordem estabelecida. Não é possível encarar pois a indisciplina apenas de uma forma negativa. Ela pode assumir uma função criativa e renovadora das práticas instituídas. Os célebres acontecimentos de Maio de 1968, em França estão aí para demonstrarem todo o potencial criativo que pode estar contido nos actos de indisciplina dos jovens.   

Manifestações de Indisciplina

As manifestações de indisciplina, nas suas formas mais elementares tornaram-se um rotina para qualquer professor. Exemplos de dois níveis de casos de indisciplina nas aulas:

Frequentes:

- Apatia do grupo. 

- Cochicho

- Troca de mensagens e de papelinhos

- Intervalos cada vez maiores

- Exibicionismo

- Perguntas feitas de forma a colocar em causa o professor, ou a desvalorizarem o conteúdo das aulas

- Discussões frequentes entre grupos na alunos, de modo a provocarem uma agitação geral

- Comentários despropositados.

- Silêncios ostensivos

- Entradas e saídas "justificadas". 

Excepcionais:

- Agressão a colegas

- Agressão a professores

- Roubos 

- Provocações sexuais, racistas, etc.

 

O primeiro nível está hoje amplamente generalizado, o segundo está em crescimento.

Causas da Indisciplina

Não é fácil fazer o inventário das causas da indisciplina na escolas. O seu número não pára de aumentar, quase sempre suportada nos dias que correm numa sólida argumentação científica.

1.Família

As causas familiares da indisciplina estão à cabeça. É aí que os alunos adquirem os modelos de comportamento que exteriorizam nas aulas. Em tempos a pobreza, violência doméstica e o alcoolismo foram apontados como as principais causas que minavam o ambiente familiar. Hoje aponta-se o dedo também à desagregação dos casais, droga, ausência de valores, permissividade, demissão dos país da educação dos filhos, etc. Quase sempre os alunos com maiores problemas de indisciplina provém de famílias onde estes existem.

A novidade está contudo na participação directa dos país na violência que ocorre nas escolas. Impotentes para lidarem com a violência dos próprios filhos, muitos pais apontam o dedo aos professores que acusam de não os saberem "domesticar". Frequentemente estimulam e legitimam a sua indisciplina nas escolas. Alguns vão mais longe e agridem professores e funcionários. 

2.Alunos

O que faz com que um aluno seja indisciplinado? É preciso dizer que muitas vezes as razões de fundo não são do foro da educação. Em muitos casos tratam-se de questões que deveriam ser tratadas no âmbito da saúde mental infantil e adolescente, da protecção social ou até do foro jurídico. O grande problema é que muitas vezes as escolas não conseguem fazer esta triagem. Tentam resolver problemas para os quais não estão preparadas ou nem sequer são da sua competência. 

Todos os alunos são potencialmente indisciplinados, porque a escola é sempre sentida como uma imposição por parte do Estado ou da família. É por isso que as aulas são locais de constrangimentos e de repressão de desejos. Freud e depois Foucault dissecaram este problema. Nesta perspectiva o que acaba por diferenciar os alunos entre si é a atitude que assumem perante estas obrigações. Numa classificação de inspiração weberiana são distinguidos três tipos de alunos:

- Obrigados-satisfeitos: uma minoria que se conforma às exigências que a escola lhes impõe.

- Obrigados-resignados: A maioria que se adapta ao sistema procurando tirar partido da situação, atingindo dois objectivos supremos: "gozar a vida" e "passar de ano".

-Obrigados-revoltados: uma minoria inconformados (ou maioria conforme as circunstâncias sócio-económicas do meio). Da família à escola e desta à sociedade colocam tudo em causa: valores, normas estabelecidas, autoridade, etc.. 

Não é fácil explicar as razões que levam uns a assumirem-se como "conformistas" e outros como "revoltados". A "falta de afecto" ou a "vontade de poder" são, por exemplo, duas destas motivações. Há quem aponte também as tendências próprias de cada idade que transforma uns em "revoltados" e outros em "conformistas".

3.Grupos e Turmas

O grupo, enquanto conjunto estruturado de pessoas, tem uma enorme importância nos processos de socialização e de aprendizagem dos adolescentes. A sua influência acaba por ser decisiva para explicar certos comportamentos que os jovens demonstram e que são  resultado de processos de imitação de outros membros do grupo. Certas manifestações de indisciplina, não passam muitas vezes de meras manifestações públicas de identificação com modelos de comportamento característicos de certos grupos. Através delas os jovens procuram obter a segurança e a força que lhes é dada pelos respectivos grupos, adquirindo certo prestígio no seio da comunidade escolar. Nada que qualquer professor não conheça. A turma é também um grupo, sem que todavia faça desaparecer todos os outros aos quais os alunos se encontram ligados dentro e fora da escola. Numa sociedade em que os grupos familiares estão desagregados, o seu espaço é cada vez mais preenchido por estes grupos formados a partir de interesses e motivações muito diversas. 

4. Ministério da Educação

O Ministério da Educação é actualmente uma dos principais promotores da indisciplina nas escolas. Não apenas através da regulamentação que produz sobre a matéria, mas também das medidas avulso que toma ou da morosidade dos processos que aprecia. A ineficácia do sistema é neste domínio um poderoso estimulo à generalização de práticas desviantes.

Mas esta não é a única questão a considerar. As equipas que têm dirigido o Ministério da Educação são também responsáveis pela promoção de uma cultura de irresponsabilidade:

a) As sucessivas mudanças realizadas no sistema educativo em geral de forma atribulada e inconsequente. Como é sabido, entre nós, a máquina do Estado caracteriza-se há muito por ser ineficaz e ineficiente, sem que se apurem responsabilidades pelo que quer que seja. O Ministério da Educação não é excepção, pelo contrário é um dos exemplos paradigmáticos desta situação. A imagem que passa é de uma "casa" em convulsão permanente. Cada novo ministro procura deixar a sua "marca" numa nova reforma que nunca é concluída, nem sequer avaliada. A mudança continua dirigentes, aliada a ausência de uma avaliação do seu desempenho permite a mais completa impunidade e o constante improviso. Os serviços do próprio ministério não funcionam e dificilmente são reformáveis. Tudo isto acaba por veicular nas escolas e na sociedade a ideia que a educação é um domínio pouco sério.

b) A prática corrente de um discurso que des-responsabiliza os dirigentes e os serviços do Ministério, e que acaba sempre por imputar a responsabilidade pela pouca eficácia do sistema aos professores.  Ao escamotear-se desta forma outros actores no processo, criam-se zonas cinzentas em todo o sistema. Desmotivam-se uns e fomenta-se a impunidade de outros. O resultado final só pode ser o aumento da permissividade no cumprimento das normas mais elementares. 

5.Escola

A organização escola está longe de ser um modelo de virtudes. Funciona em geral de modo pouco eficaz e eficiente. A excessiva dependência do Ministério da Educação, tende a reduzir os que nela trabalham a meros executantes, sem capacidade de resposta para a multiplicidade problemas que enfrentam.  

No passado o contributo dado pelas escolas para a indisciplina assentava na questão da selecção que operavam. As escolas eram acusadas de discriminarem os alunos à entrada e na constituição das turmas. A fazê-lo, criavam focos de revolta por parte daqueles que legitimamente se sentiam marginalizados. A questão ainda é colocada, mas não com acuidade que antes conheceu. Os contributos da escola para a indisciplina são agora outros.  

Há muito que a escola deixou de ter um papel integrador dos alunos. Embora seja um espaço onde estes passam grande parte do seu tempo, nem sempre nela chegam a perceber quais são os seus valores, regras de funcionamento, etc.

Na verdade a escolas estão mal preparadas para enfrentarem a complexidade dos problemas actuais, nomeadamente os que se prendem com a gestão das suas tensões internas. A crescente participação de alunos, pais, entidades públicas e privadas nas decisões tomadas nas escolas tornou-se uma fonte de conflitos, que não raro acabam por gerar climas propícios à irrupção de fenómenos de indisciplina.

As Associações de Pais, quando funcionam, encaram muitas vezes os professores como um bando incompetentes que aproveitam todas as ocasiões para se furtarem às aulas. Repetem-se por todo o país os casos de membros destas associações que tirando partido da sua posição exercem pressão junto dos professores para beneficiarem os seus filhos.    

6.Programas

A motivação é um dos factores fundamentais da aprendizagem. Para que a motivação exista nas escolas é necessário que os programas sejam próximos da realidade vivenciada pelos alunos e com temas agradáveis. No horizonte, qualquer programa escolar deverá ter, se possível, um emprego seguro e bem remunerado. Tudo o não passe por isto, é inútil e só pode conduzir situações de frustração, desmotivação, potenciando situações de crescente indisciplina. Estamos perante um discurso caricatural, mas que se encontra hoje amplamente difundido.

7. Regulamentos Disciplinares

Um regulamento disciplinar é tudo e não é nada. Os professores imaginam-se com ele a salvo de muitos problemas disciplinares, e por isso procuram torná-lo o mais completo possível. O aumento da sua extensão cresce na mesma proporção directa da sua inaplicabilidade. A questão é todavia meramente ilusória. Os professores partem do pressuposto que o mesmo será acatado pelos alunos, dado que foi aprovado pelos representantes, e que desta maneira se conformarão ao que nele estiver prescrito. Para os alunos, contudo, o regulamento não existe. O que impera na escola "é" a vontade dos professores e do Conselho Executivo. O regulamento será sempre mais um instrumento do seu poder discricionário.

8.Professores

 

Há professores que provocam mais indisciplina que outros. As razões porque isto acontece é que são muito variáveis, mas quatro delas são frequentemente citadas: 

 

- Falta de capacidade para motivarem os alunos, nomeadamente utilizando métodos e técnicas adequadas.

 

- Impreparação para lidarem com situações de conflito.

 

- A forma agressiva como tratam os alunos estimulando reacções violentas. 

 

- A estigmatização e a rotulagem dos alunos.

 

A estas razões junta-se agora uma outra mais recente: a crescente feminização do corpo docente. Se ela não estimula, certamente não facilita a questão da indisciplina afirmam os especialistas. Os rapazes seriam os mais afectados.

 

9.Sociedade

 

Há séculos que se apontam um série de nefastas influências sociais para explicar certos comportamentos violentos dos jovens. As práticas de diversão estão em geral à cabeça neste inventário das fontes de uma cultura da violência. No passado referiam-se os combates e as touradas, hoje aponta-se o cinema, mas sobretudo a televisão e certos grupos e géneros musicais. Mas o problema ultrapassa a diversão. As nossas cidades são particularmente violentas. A única forma de sobreviver é assumir esta cultura de violência. O discurso é conhecido.

 

A tudo isto, junta-se um outro elemento de peso: o individualismo hedonista. Obter o máximo prazer no mais curto espaço de tempo, não importa os meios. 

10.Grupos Sociais Problemáticos

As escolas públicas são hoje frequentadas por populações escolares muito heterogéneas, contando no seu seio com um crescente número de alunos que provém de grupos sociais onde subsistem frequentemente graves problemas de integração social (ciganos, negros, etc.). Apesar da especificidade dos problemas destes alunos, a escola recusa-se, por uma questão ideológica a tratá-los de um modo diferenciado. A democraticidade do tratamento não elimina os problemas de socialização. Resultado: os problemas são transportados para dentro da sala de aula.  

11.Ideologias

A abordagem da questão da violência não pode ser divorciada das ideologias políticas. As ideologias de direita sempre defenderam o primado do ordem e da responsabilização individual. O combate à indisciplina uma bandeira que sempre lhes foi cara. As ideologias de esquerda tende a ser mais tolerantes com a questão da indisciplina dos alunos. O problema é encarado como um mero reflexo de questões de natureza social, os alunos acabam por ser vistos como quot;vítimas" e não como "responsáveis". O resultado é para a adopção de praticas "desculpabilizadoras", "permissivas", etc. Trata-se de uma caricatura, mas como tal é largamente difundida. 

Medidas Para Combater a Indisciplina

Castigo, Compromisso, Negociação e Criatividade. Estas são as receitas mais recomendadas.

Conclusão

Carlos Fontes

Navegando na Educação