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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

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Introdução Geral 

A complexidade crescente das sociedades humanas exigiu a criação de um sistema de transmissão de saberes, comportamentos e atitudes entre as diferentes gerações, a que chamamos vulgarmente educação e formação profissional. 

Uma sociedade bem organizada é justamente aquela que investe na manutenção e melhoria constante deste sistema de transmissão de saberes e comportamentos, como a base para o seu progresso.

A nossa intenção não é escrever uma História da Formação Profissional e da Educação em Portugal, mas mostrar como a complexidade crescente da sociedade portuguesa implicou o desenvolvimento deste sistema, sem o qual estagnaria. Nesse sentido, privilegiamos nas primeiras épocas, o desenvolvimento de formação profissional de forma a tornar mais clara a apreensão do aumento desta complexidade e disseminação de saberes. 

1. Categorias de Análise

Dada a multiplicidade das praticas formativas, esta "história" está construída sobre quatro grandes categorias:

      a) Complexidade

O sistema de formação de formação profissional está intimamente ligado às necessidades resultantes do nível de complexidade atingido por uma dada sociedade.

As sociedades humanas por mais fechadas que procurem ser desenvolvem sempre alguma inter-relação com outras que as afectam de múltiplas formas, nomeadamente em termos de poder económico, militar, cultural, etc.

O aumento das interacções sociais,  as inovações nos processos produtivos (técnicos e tecnológicos), mas também a expansão das redes comerciais acarretam a constante necessidade da transmissão dos saberes e saberes-fazer para manter o nível de complexidade atingido.

As políticas avessas à mudança introduzem apenas as alterações necessárias para manterem em funcionamento o sistema produtivo, mas se a sua envolvente externa é mais dinâmica acabam por ser condenadas à estagnação e perda de poder.

As políticas mais dinâmicas procuram constantemente actualizarem os saberes e saberes-fazer de uma dada sociedade apoiando-se nos agentes de inovação internos e externos. As mais abertas à mudança devido às inovações que introduzem o sistema acabam por produzir verdadeiras rupturas sociais e na transmissão dos saberes.

O conceito de complexidade foi aplicado pela primeira vez por Silva Mendes, no século XIX,  ao estudo da evolução das diferentes formas de poder, mas também de interações socais. No século XX por Edgar Morin (1) pensou a cultura, na qual integrou a formação profissional e a educação, como o sistema que permitiria manter e transmitir numa sociedade  um dado nível de complexidade tecnológica ou metodológica envolvida nos processos produtivos.

     b) Dimensão das unidades produtivas

O aumento das unidades produtivas exigiu um maior esforço de coordenação e especialização de funções, ultrapassando rapidamente a simples questão do "saber fazer", para exigir novos saberes ao nível da direcção, elaboração de projectos, coordenação técnica na sua execução, etc. A divisão do trabalho é a regra.  Se a pequena  "tenda" ou "oficina" medieval exigia uma forte concentração de saberes num mesmo individuo, as manufacturas exigem já no século XVII uma maior especialização, implicando novos sistemas de formação profissional. O aparecimento das primeiras fábricas no século XVIII tornou possível, e em certa medida estimulou o aparecimento das "grandes escolas" para a preparação de engenheiros para a sua direcção técnica e elaboração de projectos.

   c) Formação Profissional -  Educação

A aceleração do crescimento produtivo, inovações em técnicas e tecnologias, tem-se traduzido em importantes modificações nos processos de ensino e aprendizagem profissional. Novas exigências de qualificação de base passam a ser exigidas aos trabalhadores para poderem assimilar os novos conhecimentos técnicos. O tempo de aprendizagem de um ofício tende a reduzir-se, compensado por esta melhor qualificação de base (educação).

      d) Formação - Estruturas Económicas

Qualquer tentativa de procurar correspondências directa as necessidades de formação e um dada estrutura económica de um país, está voltada ao fracasso. A formação profissional, como o ensino está longe de ser uma simples resposta produtivista ou técnica a problemas produtivos especificos. 

Nas praticas de formação, assim como na criação das estruturas de formação estão sempre presentes interesses de grupos sociais, tradições, o estatuto social de uma dada profissão, etc., o que leva a que frequentemente as ofertas formativas estejam em absoluto desfasadas das necessidades reais sentidas, e proclamadas, numa dada época. Daí o carácter multidisciplinar com que estas abordagens, parece-nos, tem que ser realizadas.

 

2. Modelos de Ensino-Aprendizagem

De Thomas Kuhn [2] servi-me ainda do ambíguo o conceito de "paradigma". As sucessivas praticas formativas, num dado período, desenvolveram-se num quadro definido ? Ou foram uma sucessão de factos sem qualquer relação entre si ?. Sem pretendermos exagerar quanto á extensão de certos modelos, podemos detectar a "proeminência" de alguns entre o século XII e o século XX. Eis os "modelos" pressupostos no texto , e que foram surgindo ao longo do trabalho:

       a) Modelo Familiar 

Este modelo que predominou entre o século XII e o século XV, caracterizou-se por procurar submeter as praticas formativas ás relações familiares: os oficios estão estruturados numa base familiar , e mesmo quando os aprendizes são "de fora", acabam por ser nela integrados para poderem realizar a sua aprendizagem. As organizações dos mesteres, assentes em Confrarias são ainda extensões deste sentido familiar, ao unirem "irmãos " de um mesmo oficio.     

       b) Modelo da Aula Régia

Modelo característico dos séculos XVI e XVII. Embora continue com muitas praticas anteriores, a formação profissional e o ensino passam a ser uma preocupação dos Estados, assim como das corporações de ofícios. A complexidade do saberes estimula o aparecimento de novos meios de transmissão, como os tratados profissionais

      c) Modelo Fabril  

As manufacturas e depois as fábricas difundem um novo modelo de aprendizagem, dirigido para grande número de alunos-aprendizes. Criam-se dentro das fabricas verdadeiras escolas, e algumas escolas são verdadeiras fábricas. Produção e formação andam juntas. A primeira só pode manter-se desde que haja um investimento na segunda, tendo em vista renovar a mão-de-obra e introduzir novos processos de produção. 

     d) A Grande Escola

 No final do século XVIII e na primeira metade do século XIX, impõe-se o modelo da grande escola. A escola para a formação dos quadros superiores não é apenas uma necessidade de um pais, mas um símbolo da sua afirmação internacional, o que requer enormes investimentos no saber. Se as exposições universais são a amostra do poder das nações do mundo, as Escolas Superiores são a afirmação do seu saber.

      e) Modelo da Escola Produtiva 

Este modelo domina toda a segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX. Assenta no pressuposto que todos devem obrigatoriamente ter uma instrução profissional, ainda que não saibam ler e escrever. O apogeu dos valores burgueses foi também , a afirmação do valor do trabalho manual, dos saberes profissionais. As Escolas Publicas profissionais abrangem desde os engenheiros, aos operários qualificados até aos orfãos. As escolas funcionam aos "fins de semana" e à noite. As missões de divulgação dos novos conhecimentos técnicos e cientificos junto das "classes baixas" multiplicam-se, assim como as publicações com esta finalidade. Formação profissional e filantropismo andam frequentemente associados. A ascensão social pelo trabalho e a formação profissional são encaradas como uma manifestação do progresso dos povos.

A massificação do ensino que se assistiu na primeira metade do século XX nos países protestantes, mas também na antiga União Soviética, não teve expressão em Portugal, pelo que se continuou a formar profissionalmente pessoas com baixos níveis de qualificação escolares. O ensino profissional está segmentado por grupos sociais. Os cursos práticos são dirigidos a analfabetos ou semi-analfabetos, os técnico-profissionais aos operários qualificados. Os  cursos dos Institutos Industriais e Comerciais e os ministrados nas várias faculdades destinam-se às elites sociais.

      g) Modelo da Formação Permanente 

O crescimento económico que ocorreu nos anos 60 alterou profundamente o quadro das profissões e das tecnologias. O modelo anterior revelou-se incapaz de preparar indivíduos para as mudanças que se verificavam em todos os domínios profissionais. A formação permanente tornou-se um conceito muito falado, mas incipientemente praticado. 

Aumentou a escolaridade de base da população, de modo preparar os aprendizes para níveis de qualificação mais avançados, adiando deste modo as suas decisões profissionais. O ensino acabou por torna-se num longo corredor para as Universidades.  As opções formativas passaram a ser maiores e mais diversificadas nas escolas como nas universidades. 

As exigências específicas de formação nas empresas ou nos vários sectores de actividade fizeram disparar os cursos de formação especifica, de reciclagem ou simples actualização de conhecimentos. 

       h) Globalização

A complexidade das sociedades actuais, assim como a sua enorme interdependência, estimularem a criação de um sistema global de informação e de formação. Os processos de transmissão da informação e do conhecimento são múltiplos, estando frequentemente desligados de qualquer contexto produtivo. Investe-se na educação ou em cursos de formação profissional, pela primeira vez na história, sem isso implique qualquer projecto de vida. 

Carlos Fontes

Navegando na Educação

Notas:

(1) Edgar Morin, O Homem: Um Paradigma Perdido. Europa- América. Lisboa.

( 2)  Thomas Kuhn, Estruturas das Revoluções Cientificas,

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