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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

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Idade Contemporânea - (Séc.XIX)

Ensino Politécnico

A longa tradição da unidade dos saberes prolongou-se ao longo de todo o século XIX. A industria ainda incipiente no pais dificilmente exigia grandes especializações. Três estabelecimentos corporizam na primeira metade deste século esta concepção: A Academia Politécnica do Porto, A Escola Politécnica de Lisboa, a Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra. Todas foram criadas com base no modelo da" grande escola" que reúne todos os grandes saberes técnicos do tempo: a Engenharia, o Comercio, a Agricultura e a Navegação.

Entre todos os saberes técnicos, apenas a engenharia  sobressai com maior coerência no quadro destes estabelecimentos.  Lentamente as "ciências naturais" ou "fundamentais "  acabam por se destacar como base dos diferentes saberes aplicados. Ciência e técnica dividem-se então. A importância crescente dos laboratórios, gabinetes prolonga o valor da experimentação e sobretudo da investigação aplicada no novo ensino superior.

O ensino de engenharia persistiu unido aos estabelecimentos militares, a Escola do Exercito e a Escola Naval, condicionando o seu desenvolvimento entre nós como veremos, facto particularmente sensível em Lisboa.

1. A Escola Politécnica de Lisboa criada pelo decreto conjunto do Ministério do Reino e do Ministério da Guerra em 11 de Janeiro de 1837,inspirando-se na Ecole Polytechnique criada em Paris em 1794. Para o facto foi determinante a acção de Sá da Bandeira, na altura ministro da Guerra.

     Esta escola tinha como objectivo "Habilitar alunos com conhecimentos necessários para servirem os diferentes cursos das escolas de aplicação do exército e da marinha, oferecendo ao mesmo tempo os meios de propagar a instrução geral superior e de adquirir a subsidiária para outras profissões cientificas", como se lê no preambulo do decreto que a funda. Era portanto uma escola preparatória aos estudos de medicina, farmácia, comercio, industria, aos cursos de engenharia militar e civil, aos de oficiais e construtores da marinha e da artilharia e Estado Maior. Neste sentido são estabelecidos cinco os cursos preparatórios : um curso geral de quatro anos, com disciplinas diferentes e que abrangia os principais ramos científicos da época ( matemática, Astronomia, Geodesia, Física, Quimica, Mecânica, Mineralogia, Geologia, Economia, Zoologia, Botanica, etc); Um curso preparatório de quatro anos para oficiais do Estado Maior, Engenharia Militar e Engenharia Civil; Três cursos preparatórios de três anos, destinado a oficiais de artilharia, oficiais da marinha e engenharia naval.

No relatório da sua criação enuncia-se também um outro objectivo: preparar os futuros mestres para as escolas especiais que no futuro se criassem para as diversas actividades[1].

A preponderância dos militares  revelou-se contudo funesta ao desenvolvimento da Escola, dado que os mesmos subordinavam-na á Escola do Exercito e Escola Naval. Na primeira será ministrado o importante curso de engenharia civil e o de minas. O primeiro director da escola foi o coronel engenheiro  José Feliciano da Silva Costa, coadjuvado no trabalho de organização da mesma por José Cordeiro eio, decano da Academia da Marinha, o general Fortunato José Barreiros, lente da da antiga Academia de Fortificação , Artilharia e Desenho, o Dr. Guilherme José António Dias Pegado, Lente do Real Colégio Militar, e António Cabral de Sá Nogueira, provedor da Casa da Moeda. Até 1859 a Escola Politecnica ficou na dependência do Ministério da Guerra, só então se começou a desenvolver em termos autonómicos, reforçando a sua componente de "ciências naturais", e em 1885 ( ?) da antropologia.

A escola ficou instalada no antigo edificio do Colégio dos Nobres, extinto no mesmo decreto  da sua criação, sendo ali construídos importantes laboratórios experimentais de fisica, química e ciências naturais. Em 22 de Abril de 1843 aí ocorrerá um pavoroso incêndio.

Apesar do peso dos militares, a actividade desta escola está longe de lhes estar subordinada. Por exemplo, Joel Serrão colocou em destaque a importância histórica que assumiu na preparação dos engenheiros que encabeçaram o movimento Regenerador[2]. Mas no campo cientifico a Escola a partir da Regeneração atingiu em diversos domínios cientificos , uma assinalável projecção: nas matemáticas com Gomes Teixeira; Na Meteorologia, logo após a criação do Observatório Meteorológico Infante D. Luis (1854); Na Geografia, com Silva Teles; Na Botânica, com Júlio Henriques e o Conde Ficalho, organizador do Jardim Botanico anexo á Escola (1873-1876); Na zoologia, com Barbosa do Bocage, fundador do Museu desta escola (1858); Em Antropologia, com Carlos Ribeiro, e em outros dominios.

2.  A Academia Politécnica do Porto  também 1837 [3] na sequencia da remodelação da antiga Academia  Real da Marinha e Comercio. Ao contrario de Lisboa aqui o ensino adquiriu logo uma feição aplicada.  Esta Academia tinha agora como missão formar engenheiros civis e militares, de todas as classes, tais como de minas, pontes, estradas, construções, e outros domínios, assim como condutores de construções, oficiais da marinha, comerciantes, agricultores, pilotos, Directores de fabricas e em geral artistas.

Para este ambicioso projecto são criados laboratórios industriais ,de quimica e fisica, oficinas de maquinaria e metalurgia.

O ensino de engenharia tornou-se no principal núcleo de ensino da Academia, podendo por isso ser considerada a primeira escola civil de engenharia do pais[4] . Eram estabelecidos  4 tipos de engenheiros:

     - Engenheiros de minas

     - Engenheiros de pontes e estradas

     - Engenheiros construtores de navios

     -Engenheiros geógrafos. Este curso foi suprido em 1885.

Para todos estes cursos, assim como para os demais da Academia eram estabelecidas 11 cadeiras. Ficando ainda estabelecido que os cursos teriam uma duração não inferior a cinco anos. Os currículos destes cursos estavam todos subordinados ás mesmas concepções: a unidade subjacente ás diferentes ciências, devia traduzir-se na na criação de uma tronco comum de saberes, vivificados pelo estudo experimental nos laboratórios de química, gabinetes de máquinas, de história natural, no jardim botanico, nas oficinas de metalurgia, e no observatório astronómico. Não temos pois um ensino especializado, mas conjuntos de saberes com algumas dominantes.

Assim no curso de engenharia  de minas encontramos cadeiras de zoologia, botanica, o engenheiro de pontes e estradas estuda zoologia, botânica, astronomia...

Malgrado todas as atribulações de percurso, os curso de engenharia foram-se sempre reforçando. Em 1868 [5]era criada a cadeira de Mecânica Aplicada ás Construções Civis, com dois anos de duração. Em 1869 reforça-se a componente matemática.

Contudo, por volta de 1880 subiam de tom já as criticas em relação ao ensino ministrado. Ele era demasiado teórico. Na sessão inaugural do ano lectivo de 1880/81, o então conselheiro director, referindo-se ao ensino pratico da Academia, afirmava: "Nos nossos estabelecimentos de instrução superior tem sido , até há pouco tempo, o ensino eivado desta grande falta -- muita teoria e quase só teoria"[6]. O assunto era comum a todos os outros estabelecimentos de ensino da altura.

Em 1885 processa-se a mais importante reforma deste ensino[7]. Os cursos, tal como as cadeiras estavam desfasadas dos progressos cientificos e técnicos do tempo, o ensino prático não tinha tido qualquer importância especial.  A Nova reforma aumenta de 11 para 18 as cadeiras da Academia, reestrutura os seus conteúdos, suprime cursos e reforça o ensino da engenharia, embora haja suprimido o de engenheiros geógrafos.

Na Academia passavam a existir agora apenas trs cursos de engenharia, correspondentes ás principais áreas de actividade do norte do pais:

    - Curso de engenheiros civis de obras publicas

    - Curso de engenheiros civis de minas

    - Curso de engenheiros civis industriais

A duração destes cursos foi agora fixada em seis anos, sendo quatro de preparação ( ciências matemáticas, fisico-quimica,etc), e dois de aplicação. Adoptava - se um modelo de ensino inspirado nas escolas Belgas de engenharia, e na Escola Politecnica do Rio de Janeiro.

A Reforma atribuiu um decisivo impulso ao ensino pratico, e nesse sentido reforçou a importancia dos Gabinetes[8], Laboratórios, do Jardim Botanico,e do Observatório Astronómico

     O ensino para directores de fabricas e artistas foi suprimido em 1885.

     O ensino de Agricultura foi suprimido em 1885.

     O Ensino de Pilotos foi suprimido em 1885.

     O Ensino de comercio, era constituído por o curso de comercialistas, com três anos de duração. A única cadeira comercial era a de 11., e tratava de "Comércio, Geografia Comercial e Economia Industrial". Apenas em 1857, a 15 de Julho, será criada uma nova cadeira integrada nesta área ,a 12., e que versava "Economia Politica e Principios de Direito Comercial e Administrativo", com a duração de dois anos, e dividida em cinco partes: 1. Economia Politica. 2.Economia e Legislação Rural; 3. Economia e Legislação Industrial; 4. Principios Administrativos e Direito Administrativo; 5. Princípios de Direito Comercial. Este curso foi suprimido em 1897, quando esta cadeira foi substituída por a de Tecnologia Industrial[9]

Na Reforma de 1885 os cursos  preparatórios para o exercito e a marinha e outros cursos superiores, tinham a seguinte duração: Escola do Exercito ( 4 anos); Escola Naval ( 3 anos ); Escolas Médico- Cirúrgicas ( 5 cadeiras); Escola de Farmácia ( 3 cadeiras). Em 1895, os preparatórios para a Escola do exercito foram de novo reformados[10]

Em 1901 são criadas novas cadeiras, a de físico-matemática,  e a de mineralogia[11], acentuando assim a vertente das ciências fundamentais na Academia.

Em Lisboa, não faltaram também trabalhos cientificos de grande mérito ao longo deste século. Mas entre eles destacaram-se os das áreas de Química, Zoologia e Antropologia. 

     Com a Republica a Academia desdobra-se na Faculdade de Ciências do Porto, e na Faculdade ( ?) Técnica que funcionava em anexo[12]

 3. A Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra , acompanhava este movimento. No entanto o seu ensino acentuava o carácter cientifico desligado de qualquer vocação pratica.

Em 1885 foi suprimido nesta Faculdade a cadeira de agricultura , substituindo-a por uma cadeira de Antropologia e Paleontologia Humana e Arqueologia Pré-Histórica. Os estudos antropológicos adquiriam nesta altura uma importância considerável, com reflexos até no ensino industrial[13]. Bernardino Machado, recordemos que havia fundado o Museu Etnológico em 1893 [14].

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  Carlos Fontes

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Notas:

[1] O Relatório ao Decreto afirma que eram objectivos desta escola "fornecer os subsídios necessários ás diversas ciências e artes, como á ciência de engenheiro civil e construtor, e medicina, a veterinária, a ciência administrativa e comércio, a agricultura, a ciencia de minério e ao estudo de artes e oficios , enquanto se não estabelecessem entre nós , como haverem mister, as diferentes  escolas especiais para esses ramos do ensino, ir-lhes-á preparando mestres para o futuro"

[2]. Joel Serrão, Temas Oitocentistas, Vol.II. Portugália, 1962.

[3] Decreto de 13 de Janeiro de 1837 ( D. Governo, n.16, de 19 de Janeiro de 1837)

 [4] António José Adriano Rodrigues, Um Século de Ensino de Engenharia no Porto. Porto. 1937

[5] Decreto de 31 de Dezembro de 1868

[6] António José Adriano Rodrigues, op. cit, pag.31

[7] Carta Lei de 21 de Julho de 1885, no seguimento do Projecto Lei n. 28-K, de 1885, apresentado ao Parlamento pelos deputados Wenceslau de lima, Albino Montenegro e José Augusto Correia de Barros, em 26 de Março deste ano.

[8] Gabinete de História Natural ( Zoologia, botânica, mineralogia e geologia), Gabinete de Máquinas ou de Física, Gabinete de Cinemática ( Colecção de modelos), Laboratório de Química, Jardim Botânico,o observatório astronómico possuía equipamentos mas não estava instalado.

[9] Decreto de 8 de Outubro de 1895

[10] Decreto de 21 de Setembro de 1895

[11] Decreto de 2 de Setembro de 1901

[12] Decreto de 19 de Abril de 1911

[13] O Desenho Industrial ministrado nas Escolas de Desenho Industrial.

[14] Decreto de 23 de Dezembro de 1893/